*Razão superior: Espírito de equidade que deve determinar a escolha da solução mais benigna, dentre as duas resultantes da interpretação estrita de determinada regra jurídica.
CAPÍTULO 34 – Ratio summa
A volta de Natalia à faculdade precedeu a notícia do benefício concedido a Sandro de responder o processo em liberdade. Diana tranquilizou a namorada quanto às ameaças do rapaz em publicar as fotos do trote na internet, assegurando que o poder de seu pai ficasse evidente para a família do rapaz. Por sugestão dos advogados envolvidos no caso, Sandro pediu transferência para o turno da noite da faculdade, o que diminuiu muito a apreensão de Natália.
A aula de IED foi atípica, pelo menos para Diana, que desconhecia um lado dócil da doutora Dorothea, que se manifestou solícita e compreensiva com o trauma recente vivido por Natália.
- Natália, não se preocupe com o trabalho, a simulação do júri, eu adiarei para outro momento, para a conclusão da disciplina, será mais proveitoso para todos.
A expressão atônita da classe foi praticamente unânime, exceto Diana que parecia em choque. Pela primeira vez em semestres, a loirinha só teve a preocupação de assistir aula da professora Dorothea naquele dia.
-- Lembre-me de pararmos em uma igreja no caminho para casa Nat...
-- Igreja? Por quê?
-- Medo do fim do mundo! Acho que essa manhã foi uma mostra que o apocalipse está próximo... Bem que aquela mulher distribuindo panfleto no aeroporto disse... Tenho que me converter!
Diana ficou pensativa.
-- Di você está passando bem? Não está dizendo coisa com coisa...
-- Nat! Madimbu deu uma aula inteira sem implicar comigo, foi gentil com você e eu assisti à aula inteira, até fiz anotações, isso é sinal do fim do mundo, acorda!
Natalia gargalhou.
O casal parecia à vontade enquanto andava pela universidade, esquecendo-se por alguns momentos do teor secreto de sua relação. Só perceberam o quanto estavam transparentes quando Lucas e Pedro as abordaram em um dos jardins do campus.
-- A gente deve se preocupar com esse festival de risadas entre vocês duas? – Lucas perguntou intrigado.
-- Preocupar-se? – Natalia perguntou alheia.
-- Sim, nos preocupar com uso de drogas no campus, bruxaria, macumba... – Lucas respondeu perturbado.
-- Ah! O dia está meio estranho mesmo. Acredite: é o fim dos tempos! Você deveria mesmo se preocupar em entrar pra qualquer dessas religiões que oferecem salvação eterna, quem sabe você ainda tenha tempo de se salvar! – Diana respondeu tentando remendar a situação.
-- Fato: agora eu estou assustado oficialmente também. – Pedro comentou.
-- A Diana está brincando, porque hoje Doutora Dorothea deu a manhã de aula sem implicar com ela que por sua vez retribuiu o gesto copiando a matéria. – Natalia esclareceu.
-- Nesse caso Di, concordo com você: é o apocalipse! – Lucas brincou.
-- Profecias à parte, estávamos te procurando Natalia, para darmos uma boa notícia. – Pedro disse.
-- O Sandro foi preso de novo? – Diana brincou.
-- Ainda não... A boa notícia é em relação a sua nova moradia.
-- Nova moradia? – Natalia interrogou.
-- Isso! As meninas se organizaram, e conseguiram colocar mais uma cama em um dos quartos, ou seja: você pode ficar lá com elas! – Lucas falou empolgado.
A expressão de Diana mudou instantaneamente. Natalia por alguns segundos perdeu a capacidade de expressar qualquer reação, o que obviamente causou estranheza nos rapazes.
-- Não gostou da notícia? – Pedro indagou.
-- Er... Cla... Claro! –Natalia sorriu sem graça gaguejando.
-- Qual o problema Natalia? – Lucas perguntou.
--Nenhum, só me pegou de surpresa...
-- Surpresa? Conversamos sobre isso semana passada e você concordou... – Lucas comentou.
-- É, mas não esperava que fosse assim, tão rápido...
-- Está com receio de dividir casa com as meninas? Elas são legais, a maioria joga no time de vôlei com você, e como nós, estão preocupadas com você. – Pedro completou.
-- Eu sei que são legais, são fofas por se preocuparem, aliás, vocês todos estão sendo incríveis comigo, especialmente vocês dois...
-- Então ótimo! Esqueçamos as fofuras e vamos ser práticos. Você tem que resolver a parte burocrática de entregar o seu “apertamento” e providenciar sua mudança para a república das meninas, que é praticamente vizinha a nossa! – Lucas disse, não escondendo a euforia.
Diana permaneceu muda, com cara de poucos amigos, inventou uma desculpa qualquer para se afastar, o que deixou Natalia apreensiva.
-- Vou ver isso na imobiliária, meninos, desde já obrigada por tudo, agora preciso ir.
Natalia saiu apressada para alcançar Diana, fugindo de dar explicações aos amigos.
-- Diana espera!
A loirinha ignorou o chamado da namorada, se aproximando do seu carro no estacionamento visivelmente irritada.
-- Não vai parar pra me ouvir? Tudo bem, a gente vai ter essa DR aos berros bem aqui, pra todo mundo ouvir, quem sabe assim você me escuta!
Natalia provocou, e conseguiu o que queria. Diana se aproximou e trincando os dentes disse:
-- Entre nesse carro agora!
Diana não esperou chegar a casa para iniciar a discussão com a namorada, que parecia se preparar para um combate de tão tensa que se sentia.
-- Quando você ia me contar dos seus planos de morar com um monte de mulher, vizinho a republica dos seus defensores apaixonados?
-- Não eram planos Diana, não dramatiza as coisas...
-- Ah ótimo! Agora eu é que sou a dramática? Eu passei quase duas semanas me preparando para atender as exigências que você me fez de assumirmos nosso namoro, mesmo com o risco de perder meus melhores amigos, pra te manter perto de mim, cuidando de você como pensava que precisasse, mas, pelo jeito você já tem gente demais fazendo isso, até já encontrou companhia para as noites de pesadelo não é?
-- Diana para de falar bobagem! Os meninos sugeriram isso no dia do meu depoimento, não te contei por que optei por te dar a chance de resolver do seu jeito nossa situação, só me esqueci de combinar isso com os meninos...
-- Agora como vai ser? Você morando com aquelas peruas, vizinho a republica dos meninos, como vamos nos encontrar?
-- Por quanto tempo mais você pretende me enrolar escondendo nosso namoro?
-- Então é isso? Você fez isso pra me pressionar?
-- O quê?
Diana apertou os olhos, balançou a cabeça negativamente manifestando sua indignação. Estacionou o carro na garagem do prédio e caminhou até o elevador pisando forte, ignorando Natalia que a seguiu insistindo:
-- O que você quis dizer com isso Diana? Como assim te pressionar?
Não ficaram a sós no elevador, adiando a continuação da conversa até entrarem no apartamento.
-- Vai continuar me ignorando?
-- Não adianta Natalia, as coisas comigo não funcionam assim! Se você acha que pode me manipular assim, desista, não vou ceder.
-- Mas quem está te pressionando aqui?
-- Você com essa decisão de ir morar com as meninas do vôlei, não teremos como manter em segredo nosso relacionamento...
-- Você está pensando que aceitei a sugestão dos meninos pra te forçar a nos assumir? Está louca! O mundo não gira em torno de você sabia? Ou você acha que me sinto segura com o Sandro em liberdade só porque está sendo processado? Você melhor do que ninguém sabe que nem meu sono é mais tranquilo depois do que aconteceu, o fato de ter sempre amigos ao meu lado é motivo suficiente para aceitar a proposta deles, já que minha namorada não pode estar comigo fora desse mundinho aqui!
-- Se o que estou te dando é pouco, não passa de um diminutivo, um “mundinho”, é melhor mesmo você se apressar em arrumar suas coisas, deve estar ansiosa pra se libertar dessas paredes...
Diana bateu a porta do quarto com força, se trancou ali amargando um sentimento que nunca experimentara: insegurança. Mais que isso, medo. Medo da perda. Aliado a uma mágoa inexplicável, por se sentir excluída da vida de alguém que ela só desejava estar perto todo tempo.
Natalia se jogou no sofá como se o peso do olhar marejado de Diana caísse sobre seus ombros de maneira arrasadora. Se por um lado se sentia no direito de estar chateada pela resistência da namorada em assumir o namoro delas, por outro, sentia a culpa nublar o bom senso necessário para tomar decisões naquele momento. Sentia-se culpada por ter escondido quase que inconscientemente o arranjo feito por Lucas e Pedro para sua nova casa.
O silêncio entre as duas se estendeu pela tarde, se configurando em um desafio de forças, nem uma nem outra queria dar o braço a torcer, nem ao menos sabiam como administrar o conflito instalado.
Natália deu o primeiro passo, mas não em busca da reconciliação. Lembrou-se que a imobiliária que administrava seu apartamento era perto dali, optou pela racionalidade, e saiu em busca de informações, imaginando que não seria fácil quebrar o contrato assinado pelo pai. E como supôs, a multa rescisória era absurda, não teria como consegui-la com seus pais sem dizer a verdade, o que provavelmente comprometeria a permanência dela na capital.
Voltou ao apartamento de Diana no final da noite, interiormente decidira não retomar às cobranças para tornar publica a relação delas, assim, julgou mais sensato deixar a casa da namorada, voltando para o seu pequeno apartamento.
Diana andava de um lado para o outro na sala, relutando em ligar para Natalia. A angústia foi maior que seu orgulho, quando finalmente discou o número da namorada ouviu o barulho da maçaneta.
-- Natalia! Onde você foi? Sozinha?!
-- Calma, fui aqui perto.
-- Posso saber onde? – Diana falou mansamente.
-- Fui até a imobiliária, ver como fica a rescisão do contrato de aluguel...
-- Então você está mesmo decidida...
Diana falou com tom triste.
-- Precisa de informações práticas, para decidir, e decidi.
-- Decidiu?
-- Vou voltar para meu apartamento. A multa rescisória é muito alta, meus pais não vão querer pagar e aumentar as despesas dividindo a casa com as meninas.
-- Mas... Por que voltar para seu apartamento? Não te expulsei daqui! Eu só estava magoada, com a cabeça quente...
--Ei...
Natalia interrompeu Diana, tocando os lábios dela com sua mão delicadamente.
-- Eu sei que você não me expulsou. E entendo por que você se sentiu pressionada... Mas, não tive essa intenção, estou sendo honesta.
-- Não gosto de ser pressionada a nada, mas, pior do que isso, é imaginar te perder...
-- Você não vai me perder, só vou voltar pra casa...
-- Não quero ficar longe de você, não quero que se sinta sozinha, ou que muito menos, seja outra pessoa que não eu, a te abraçar quando você acordar no meio da noite com pesadelos...
-- Eu vou ficar bem Di... Decidi te dar um tempo para você contar aos meninos, então vou respeitar seu tempo...
-- Já é tempo! Não precisamos esconder nada, você fica aqui comigo, até quando for necessário, vou conversar com os meninos, vamos abrir o jogo, quero acabar com esse segredo e poder assumir pra todos que estamos juntas!
Natalia fixou os olhos no rosto de Diana, que exprimia toda ansiedade após pronunciar uma decisão impulsiva, surpreendente para ela mesma, apesar de pesar, e pensar durante toda a tarde o impacto dela na sua vida.
A ansiedade, a expressão exasperada da loirinha, deu lugar à apreensão. Apreensão despertada pelo silêncio incógnito de Natalia que ainda absorvia a decisão aparentemente atropelada da namorada.
-- Nat fala alguma coisa pelo amor de Deus!
-- Você é louca!
-- Hã? Não era isso que você queria? – Diana perguntou surpresa.
-- Você é adoravelmente louca...
Natalia avançou na boca de Diana selando com um beijo sua satisfação com a notícia.
-- Por um momento tive medo de você ter desistido de nós... – Diana confessou acariciando o rosto de Natalia.
-- Não posso desistir de nós Di... Se fizesse isso, estaria abrindo mão de conhecer o que é o amor, não dá pra desistir tão fácil do amor... Pelo menos é o que dizem por aí.
-- Amor?
-- Se o amor não é isso que estou vivendo com você, o deixa pra lá, e me deixa estar com você assim pra sempre, colada no seu corpo esperando seu beijo me tomar.
O sorriso de Diana falou muito. O verde dos seus olhos cintilavam uma emoção honesta, que precedeu o momento de paixão mais doce entre o casal até então. Delicadamente Diana conduziu a namorada até seu quarto, sentou-se diante dela na cama, e sem pressa beijou a barriga desnuda que estava à altura de sua boca quando a despiu, desabotoou a calça e em segundos, Natalia estava diante dela exibindo seu corpo quente e lindo decorado com a lingerie quase inocente, deixando evidente sua excitação na respiração acelerada e colo ruborizado, ansiosa como se fosse a primeira vez que se entregava a alguém. Diana puxou o corpo de Natalia sobre o seu e suavemente com o dorso da mão, acariciou a face da namorada que fechou os olhos se deliciando com aquela carícia responsável por sua pele eriçar-se totalmente. Aos poucos o toque delicado deu espaço a um passeio pelas pernas de Natalia no qual as unhas de Diana intercalaram, hora deslizando com suavidade, hora se encravando nas coxas e glúteos, elevando a excitação ao auge.
Não demorou em Diana ler o que o corpo da outra ditava, com os corpos encaixados, se deram. A loirinha imprimiu seu toque no sex* pulsante de Natalia, arrancando gemidos de prazer da namorada que não resistiu ao desejo de estar também dentro de Diana, assim alcançaram simultaneamente o ápice.
Durante a semana não mudaram a rotina, dessa vez sem a preocupação de esconder o relacionamento, mas sem alardes, o bom senso e experiência de Diana no universo gay e no meio preconceituoso que viviam, ponderou manifestações de carinho em público. Ironicamente, não reencontraram Pedro e Lucas na faculdade, o que acabou adiando a revelação tão temida por Diana acerca do namoro com Natalia.
Na manhã de sábado, Diana acompanhou Natalia até o treino do time de vôlei, seria a oportunidade de esclarecer para as colegas sua decisão de não se mudar para a república delas e confessar aos amigos seu relacionamento secreto com a paixão deles.
O acaso parecia estar brincando o casal, o treino fora cancelado pela reitoria da universidade que agendara para o sábado, a manutenção da rede elétrica do campus.
-- Vamos à república dos meninos então... Resolver logo essa pendência.
Diana disse decidida. Natalia acenou em acordo. Enquanto caminhavam para o estacionamento, o celular da loirinha tocou, era sua mãe, afastou-se da namorada para atender buscando escutar melhor o que sua mãe falava, mas, em uma questão de segundos a tranquilidade do sábado no campus foi rompida pelo barulho abrupto do motor de uma motocicleta que avançou em direção a Natália.
Antes que a moça se desse conta do perigo, Diana gritou correndo em direção a namorada. O veículo foi mais rápido, entretanto, mais rápido ainda, foi Pedro, que surgiu entre os carros estacionados, se jogando à frente de Natalia, empurrando a jovem do atropelamento, atraindo para si o impacto da batida.
Fim do capítulo
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