''Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer. ''
De ''Presságio'', Fernando Pessoa.
Capítulo III - Não Preciso De Nenhuma Outra Mulher!
Capítulo III
Não Preciso De Nenhuma Outra Mulher!
Manacá-Da-Serra, São Paulo – Brasil.
Jacarandá Inn, Manhã De Sexta-Feira.
Setembro 04, 2015.
Michelle
Independentemente da noite que eu tenha — e eu tive uma boa noite, pois eu a vi, e não era em um sonho —, ou do horário que eu vá dormir — ou esteja onde estiver — meu relógio biológico me desperta, invariavelmente, seis horas da manhã. Gostava disso. Era uma rotina que me fazia bem. E a manhã não poderia ter começado melhor, mesmo sem nada ter acontecido e ela ter deixado o bar antes de eu terminar a canção.
Para o resto da humanidade, pode até ser que nada tenha acontecido, não para mim.
Jogo de qualquer maneira o lençol que me cobria — devo confessar que senti um pouco de frio na madruga, pois tinha esquecido o clima de montanha da região, mas como estava com preguiça, fiquei somente com o lençol — e espreguiço-me, procurando esticar todos os músculos e o que for mais necessário para ajudar no meu despertar. Levanto-me e vou até o banheiro. Entro no boxe e já abro o registro do chuveiro mesmo sem fechar a porta de vidro. Recebo o primeiro jato gelado na cara e entro com tudo embaixo da ducha, já ensaboando todo o corpo. Demoradamente tomo a ducha, desligo o registro e saio pegando a toalha que estava jogada no balcão — a mesma que usei ontem —, onde deixei depois do banho da madrugada.
Estava acabando de enxugar-me, depois do gostoso e revigorante banho. Olhava-me nua no espelho do banheiro. Metade do corpo, tudo bem, mas olhava. Gosto do que vejo. Sou uma mulher comum, real. Nada de corpo esplêndido, barriga tanquinho, pois detesto academia, todavia não julgo outrem. No entanto, amo andar de bicicleta e, assim, minha bunda, pernas e barriga agradecem. Jogo a toalha em cima da pia, novamente, e bagunço meus vermelhos cabelos com as mãos, deixando-os mais encaracolados. Como gosto. Aquela adolescente que pintava os cabelos de preto e alisava-os, não existe mais, no entanto foi impossível não lembrar-me dela depois de ter visto Rita, a minha Rita.
Como o destino é engraçado, não, mais que engraçado, ele é maluco, louco, imponderável, fatal. Encontrar Rita depois de mais de 15 anos só fez mostrar o quanto ela foi, e é ainda importante parar mim. Ao entrar ontem no bar do hotel, e vê-la, a primeira reação foi não acreditar nos meus olhos, mas o coração não mentia, e sentia que era real. O ribombar dele, e as pernas bambas, diziam-me que ela era a minha Rita, e não alguma mulher parecida com ela. Juro que senti o seu doce perfume — o mesmo aroma de tantos anos atrás — ao passar ao lado da mesa onde ela estava, mas ela mal me olhou.
Caminho até a cama, onde meu notebook está ligado — a primeira coisa que sempre faço nas manhãs, quase sempre, é verificar a caixa de entrada do e-mail da empresa, e, como sempre, nada demais — abro o player de mp3, e procuro a canção que quero ouvir agora... ''Something'', dos Beatles, escrita por um Harrison inspiradíssimo...
''Em seu sorriso, ela sabe
Que não preciso de nenhuma outra mulher
Algo em seu estilo que me mostra
Eu não quero deixá-la agora
Você sabe o quanto eu acredito'' [1]
Enquanto a música vibrava, vou até a mala e pego uma calcinha boxer preta, o sutiã da mesma cor, colocando-os. Volto ao banheiro e vejo-me uma vez mais no espelho. Viro-me e olho a bela Fênix tatuada em minhas costas. Sorrio. Volto ao quarto e coloco uma regata branca básica — gosto que vejam minhas tatuagens ou imaginem como elas são —, a jardineira jeans, calço meu coturno, borrifo um pouco do La Nuit De L'Homme, desligo meu laptop guardando-o na mochila, pego meu celular, as chaves do apartamento e... Respiro profundamente.
Pronto, veremos o que me aguarda o dia de hoje.
. . . o O o . . .
Entro no salão do café que está praticamente cheio. Se todos forem representantes das escolas que João e Jorge visitaram — para apresentar o software — e metade comprarem, estaremos bem na ''fita''. E se depender de mim, conseguiremos. Nesse momento, intuitivamente percebo que sou observada e viro-me na direção de onde vem a sensação. Rita. Nossos olhares cruzam-se e ela não desvia. É um bom sinal, não é? Sem pestanejar caminho até ela, tentando controlar minha ansiedade e os batimentos cardíacos. Será que ela reconheceu-me?
Não, não mesmo.
— Oi! — Digo, parando em frente da mesa.
— Oi! — Ela responde, a xícara de café fumegante próxima à boca, lábios entreabertos. Sexy. Como continuamos a encarar-nos, suas faces ruborizam-se.
— Posso? — Aponto para a cadeira vazia.
— Desculpe-me. — Diz, sem graça, colocando a xícara sobre a mesa. — Claro, por favor.
— Vou pegar algumas coisas — aponto para a mesa ampla cheia de alimentos, enquanto coloco minha mochila em uma cadeira. Na outra estava sua bolsa. Ela assente.
Caminho até a mesa de alimentos, enfrentando uma pequena fila, pego um prato grande — como muito, muito mesmo — e vou colocando do que gosto: pão, manteiga, presunto, queijo, maçã e um copão de café e volto para a mesa de Rita equilibrando tudo isso. Assim que sento, colocando o prato, cheio, à minha frente, ela arqueia a sobrancelha. Dou de ombros, sorrindo. Ela sorri também. Umas ruguinhas aparecem em torno dos seus olhos, afinal tenho quase a certeza que ela tem mais de 40 anos — apesar de não saber quantos tinha há 15 anos —, mas isso não a enfeia e, sim, deixa-a mais charmosa.
— Então, você é...?
— Michelle — Estendo minha mão, que ela aperta com firmeza, mas percebo que ela olha para as tatuagens e solta a mão rapidamente, porém não demonstrei nada. Fingi que não percebi sua... Repulsa? — E você?
— Rita. — Ela apresenta-se. Ela não me reconheceu, é certo.
— Sua escola é da capital? — Questiono, sem precisar. Sei que é, pois foi onde a conheci, conhecemo-nos. Dou uma mordida no pão, depois de montá-lo com o queijo, presunto e a manteiga, engolindo o primeiro bocado. Meus irmãos acham isso nojento. Mordo-o de novo, deliciando-me com o sabor da mistura e dou um grande gole no meu café, quentinho.
— Sim. E a sua? — Ela pensa que sou professora? Não tenho cara de, acho.
— Moro na capital, também. — Respondo sem responder, deixando algo no ar. Então, ela para de mastigar sua torrada e olha-me com mais atenção.
— O seu cabelo, ele é pintado?
— Não, o ruivo é natural — falo deixando metade do pão no prato, pois não vou conseguir comer mais, pelo rumo que a conversa está tomando. Concentro-me. —, mas pintava de preto na adolescência.
Nesse momento ela observa-me com mais atenção, piscando os olhos algumas vezes, como se estivesse buscando entender algo, compreender ou já descobrindo?
— Você...
— Bom dia! — Escutamos em uníssono e olhamos juntas em direção das vozes. À nossa frente estava o casal que eu tinha visto sentado com ela na noite anterior, sorridentes.
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[1] Something [Algo] - The Beatles, ''Abbey Road'' - 1969. Compositor: George Harold Harrison. Letra De Something © Peermusic Publishing, Concord Music Publishing LLC.
https://www.youtube.com/watch?v=UelDrZ1aFeY
Fim do capítulo
That's All!
Aproveitem e comentem.
''Uma palavra grosseira, uma expressão bizarra, ensinou-me por vezes mais do que dez belas frases. ''
Denis Diderot,
Filósofo e Escritor Francês
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Zaha
Em: 18/10/2022
Oláaaaaa
Ainda dói Diana..in my life!! Na almaaaaaa
Só digo...qual a necessidade de repetir sobre a toalha ser a meSMA....?'?!!loucuras de Ttaja!!
Posso dizer que amo ruivas????!!
Empoderável...vc ama essa palavra!!
Eu to querendo mt saber sobre Michelle e Rita....oxente, como diabos Rita, n se lembrou dela? Tao nova era Mi?? Ou capaz era platonico?Percebeu que amo a palavra platonico? rsrs
Pequeno o caps...vou ao prox e amanha vc terá uma grandeeeeeeeeeeeee surpresa(cara de louca)!!!!
Beijosss
Resposta do autor:
Olá, Sadiki, bonne nuit, septième partie!
Ah, Diana Krall...
''Mal posso esperar pra te abraçar, sentir meus braços ao seu redor
Quanto tempo esperei
Esperei só pra te amar, agora que te encontrei''
Essa é ''The Look Of Love'', do Burt Bacharach. Segue o link:
https://www.youtube.com/watch?v=Yr8xDSPjII8
As ruivas são mais quentes, não é verdade? Aquele amor do passado de Kasvattaja era ruiva, acredita?
Vamos com calma, Sadiki... Você descobrirá tudo, ao seu tempo.
Beijão!
É isso!
Lea
Em: 18/03/2022
Rita foi a primeira paixão da Michelle,mas elas tiveram algo ou a Michelle se apaixonou de tanto olhar????
Resposta do autor:
Olá, Lea, tudo bem?
O passado as une, mesmo sem Rita ainda saber, mas logo virá um capítulo onde esse detalhe será revelado.
Que bom que você encontrou meu texto. Fico feliz.
É isso!
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NúbiaM
Em: 29/09/2021
Curiosa!!!
Você diz não ser prolixa na escrita, mas creio que o fundo musical sugerido ocupa este espaço. Enfim, cada autora com suas particularidades.
E a música acaba por abrir o universo pessoal de cada leitor.
Resposta do autor:
Olá, NúbiaM, tudo bem?
Olha, sou muito apaixonada pela música e curto quase todos os ritmos e, dependendo do momento e local, todos mesmos.
Adoro as décadas de 1960, 1970 e, principalmente, 1980 — se você leu ''Jasmine & Olga'' deve ter percebido —, apesar dos anos 1990 e 2000 não serem tão ruins, então, sim, para mim meus textos quase sempre estão amarrados na música que ouvia, ou pensava ao escrever.
Fico contente por você ter percebido o uso das canções, nesse sentido, no entanto, prolixa? Não, acho que não.
Feliz pelo seu comentário e leitura.
Kisses!
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Marta Andrade dos Santos
Em: 29/09/2021
Eita interessante!
Resposta do autor:
Olá, Marta, it's all right?
Sim, está ficando.
Quem sabe lembranças estejam chegando.
Esperemos que boas.
That's it!
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