A semana mal havia começado e eu já estava destruída, o dia foi muito produtivo, porém extremamente cansativo. Consegui adiantar muita coisa, sai pra ver alguns equipamentos no depósito na construtora e ainda resolvi algumas coisas que teria que fazer no dia seguinte. Precisava adiantar meu trabalho para consegui sair uma hora mais cedo para poder pegar a Aline em casa.

Ao contrario do que estava prevendo, o dia apesar de cansativo, foi bem tranquilo. Tinha vindo trabalhar me preparando para ouvir algumas piadas, ou ver as pessoas cochichando pelos cantos, mas felizmente, não houve nada parecido. O que era surpreendente, pois eu não conseguia sentir confiança na Alice, e tinha certeza que ela comentaria com alguém que tinha visto eu e Aline juntas. Embora não fosse segredo, não era assunto pra ser discutido em um canteiro de obras, sempre defendi a regra de que a vida particular deveria ficar do portão pra fora. Claro, que em muitos locais de trabalho, é comum as pessoas criarem laços de amizade, e levarem essas amizades pra vida toda, mas comentários desnecessários,  palpites e fofoca, são dispensáveis.

Entrei na barra do jucu na começa a anoitecer, os dias corridos, não me permitiram curtir aquele lugar que eu chamava de casa. Estava sentindo falta de correr na praia, de sentar pra conversar com a turma, até a Karina com suas piadas sem noção fazia falta. Pensando nisso, parei na porta da casa do Paulinho e buzinei.

_A que devo a honra da visita da ilustre engenheira?

_Estou chegando agora, topa rachar uma pizza?

_Com certeza, você paga!

_Eu racho a pizza, a conta não, engenheiro ganha muito bem.

_Vou pensar no seu caso. Vou tomar um banho e chamar o restante do pessoal, as oito em ponto.

Fui pra casa e guardei a moto. Como tudo era muito perto, iria com o restante do pessoal a pé. Só faltava avisar as meninas e ao Carlão. Como era de costume, era raro alguém bater na portar do outro antes de entrar, hábito que tínhamos apenas com os moradores mais antigos, e com as meninas não era diferente.

 _Boa noite, meus amores!_ falei abrindo a porta e entrando.

_Putz!_ Karina falou saindo de cima da Flavinha. As duas estavam no maior amasso e a Flávia já estava só de sutiã.

_Vocês são casadas, tem necessidade de trans*r no sofá uma hora dessas e com a porta aberta_ Falei rindo muito.

_Se soubesse o lugar que trans*mos...

_Karina_ Flavinha cortou a esposa morrendo de vergonha.

_Credo, não quero nem pensar. Marquei com o Paulinho, pizza as oito, não se atrasem, deixem pra trans*r mais tarde. Não esquece de avisar ao Carlão, eu vou só tomar um banho e ligar para a Aline.

_Sim, senhora apaixonadinha_ Karina falou me zuando.

Apesar de ter passado um final de semana maravilhoso, senti falta do meu cantinho, das minhas coisas, da turma, sabia que estava em falta com eles, e eu precisava me organizar para tentar conciliar tudo, trabalho, namorada, amigos e precisava também ver as crianças. Esse era um lado da minha vida que eu precisava expor para a Aline, estava fora de cogitação começar um relacionamento escondendo dela essa ligação que eu tinha com a Luciana.

Tomei banho e antes de sair, achei melhor ligar para Aline. Geralmente minhas reuniões com a turma duravam horas, e quando voltasse seria muito tarde para dar noticias, faria uma chamada de vídeo pra matar um pouquinho a saudade, e no primeiro toque ela atendeu.

_Oi namorada_

_Oi meu anjo, como passou o dia?

_Depois de um final de semana perfeito, impossível a semana não começar bem_ falou mordendo o lábio inferior.

_Sabia que é sacanagem me provocar, estando tão distante.

_Provocar? Não fiz nada!!!

_Imagina se fizesse, coitada de mim.

_ Por que não vem dormir comigo, resolveríamos uma porção de problemas.

_Sabe que não posso, preciso ir com o carro do Paulinho, levar roupa pra tomar banho na sua casa, e tenho que estar logo cedo na obra.

_Eu sei.

_Depois matamos a saudade.

_Vai sair?

Vou comer uma pizza com o pessoal, conversar um pouco, mas não demoro, preciso dormir cedo. Você já conseguiu fazer a sua mala.

_Estou quase acabando. Quando cheguei em casa jantei e conversei um pouco com a Lu, acabei de subir, mas já esta quase pronta.

_Conversou com ela sobre nós?_ falei apreensiva.

_Sim, claro. A Lu é como uma mãe pra mim, não tenho segredos com ela. Eu achei que ela ficaria um pouco assustada com a novidade, mas ela me deu todo o apoio, o que pra mim é muito importante, ela falou até em netos.

_Netos, nossos filhos?

_Sim, ou não pensa em ter filhos?

_Penso, mais...é...

_Algum problema Nicole? Falei alguma bobagem?

_Não meu anjo, só fiquei surpresa. É que nos conhecemos a apenas duas semanas, estamos namorando a dois dias.

_Não sabia que pra planejar casar, ter filhos, tinha prazo de validade.

_Claro que não tem, mais tem o tempo certo. E não é um assunto pra falar por telefone.

_Eu sei, desculpa, estou parecendo aquelas namoradas chatas, grudentas.

_Não, você é o melhor presente que Deus me deu.

_Eu que tenho sorte. Vai lá com os seus amigos, me liga quando voltar?

_Ligo sim, se cuida, beijo.

Sai de casa, com aquela conversa na cabeça, será que ela estava falando sério? Claro, que eu sempre quis ser mãe, mas as coisas estavam acontecendo rápido demais, não tinha como sonhar com filhos em tão pouco tempo. Era uma decisão pra ser pensada, planejada no futuro. Ainda não tínhamos certeza de nada, ela podia acordar um belo dia e decidir que não era a vida que ela quer, estar com uma mulher.

Enfim, sofrer por antecipação, ficar pensando demais em algo que nem sabíamos se iria acontecer, era no mínimo burrice. O melhor seria viver tudo o que estivesse reservado para nós, ser feliz, fazer ela feliz, e quem sabe, um dia, filhos.

Antes de chegar na caverna, já ouvia as vozes, era sempre assim, todo mundo falando alto, rindo, eu sempre fui a mais chata, a mais contida, mas sempre entrava na onda deles.  Parei na porta, e fiquei observando eles, eu tinha muita sorte de ter aquelas pessoas na minha vida, até mesmo quem eu magoei, nunca saiu do meu lado.

_Estávamos esperando a rainha para pedirmos as pizzas.

_Poderiam ter pedido sem mim, vocês sabem qual é o meu sabor preferido.

_Sim, meu bem, mas quem paga a conta é você.

_Entendi, e posso saber qual o motivo?

_Emprego novo, namorada nova, merece uma comemoração_ Karina falou levantando da mesa e estendendo a mão.

_Só as pizzas_ falei entregando o cartão, a senha ela sabia

_E aí, vai trazer a morena gostosona quando para nos apresentar_ Carlão falou em uma clara provocação.

 _Karina, vou matar você garota_ Falei, mas já era tarde ela já havia saído

_Ela vai viajar essa semana, inclusive, Paulinho tem como você me emprestar o carro, vou levar ela no aeroporto. Quando eu for pegar o carro amanhã cedo, deixo a moto na sua garagem.

_Tranquilo, pode pegar, mas vê se não vai trans*r no meu banco de couro_ falou piscando o olho.

_Me respeite velho debochado_ Aline jamais toparia essas coisas, quer dizer, eu acho.

_Pois não é que a Dra. Está apaixonada, olha só a cara de boba_ Carlão era o mal humor em pessoa, mas não perdia a chance de tirar onda.

_Estou mesmo, ela é uma mulher incrível.

_E como a família dela recebeu a noticia, pelo que eu sei ela é hetero._Flavinha falou preocupada

_A família se resume, a ela, o irmão, a cunhada e os sobrinhos, os pais morreram em um acidente de carro. Tem uma senhora, que cuida dela e da casa que é mesmo que uma mãe para ela. O irmão não reagiu muito bem, eu creio que vamos ter muitos problemas com ele, mas o restante foi tranquilo.

_Qual o nome dessa moça? Eu vi ela pegando o carro na minha garagem aquele dia, o rosto dela não é estranho.

_Aline Caire, o pai dela era engenheiro e a mãe médica. Dr Marcelo e Dra. Tereza Caire se eu não estiver enganada.

_Eu sabia_ Ela é irmã do Dr. Igor, trabalhei fazendo segurança para a família, o Dr Igor ainda era solteiro e a irmã era bem jovem, o rapaz sempre deu dor de cabeça aos pais, é bom você tomar cuidado com ele.

_Eu já percebi que caráter não é o ponto forte dele, vou ficar de olhos abertos.

Quando cheguei em casa, já eram quase dez horas, o encontro com a turma rendeu muita piada, muita gargalhada, mas o tempo todo um assunto não saia da minha cabeça. O Dr. Igor, se o Paulinho pediu que eu tomasse cuidado, é porque alguma coisa ela sabia, e com certeza iria me falar quando estivéssemos sozinhos.

Se antes eu já estava apreensiva agora, eu estava muito preocupada, por que o Paulinho era policial, e quando se aposentou abriu o bar aqui na barra, era uma pessoa muito conhecida e respeitada, então com certeza sabia de alguma coisa do Dr. Igor. Até então o que eu sabia dos dois irmãos era muito vago, mas desde o começo não sentia confiança no Igor, e a Nicole apesar de me passar muita verdade, eu não sabia nada sobre família, negócios, e sobre o passado dela. Só me restava, confiar nela, já que meu coração a recebeu de portas abertas.

Tomei um banho, a noite estava quente, e eu estava impaciente, não conseguia relaxa, e como se adivinhasse meus pensamentos, o celular começou a tocar.

_Oi meu anjo_ Atendi no terceiro toque.

_Estava esperando a senhorita me ligar pra poder ir dormir.

_Desculpa, cheguei agora a pouco, tomei um banho e já ia ligar pra você.

_Aconteceu alguma coisa, estou achando você com o semblante pesado.

_Não, está tudo bem, só estou um pouco cansada.

_Então vou deixar você dormir_ falou parecendo desacreditar.

_Não, fica mais um pouco, estou com saudade.

_Agora sim, é a minha namorada_ falou sorrindo.

_Desculpa, o dia foi cansativo demais, deve ser isso, amanhã quando nos encontrarmos estarei bem melhor.

_Deveria ter vindo dormir comigo, eu faria uma massagem relaxante, tomaríamos um banho de banheira e dormiríamos bem agarradinhas.

_Podemos rever essa proposta, quando você voltar, pode ter certeza que eu vou cobrar.

_Só vamos nos ver a tarde quando vier me pegar, pela manha ainda tenho algumas coisas pra resolver no hospital, não consegui resolver tudo hoje. Vou almoçar em casa e te esperar. Não consegue vir mais cedo, pelo menos uma hora antes.

_Vou tentar, não prometo nada. Nos falamos amanhã, se cuida.

_Beijos.

Não prolonguei muito a conversa, porque com certeza ela iria perceber que eu não estava bem, e antes de qualquer coisa, eu precisava conversar com o Paulinho. Mas eu sentia que havia alguma coisa muito errada, Dr. Igor era uma pessoa muito desconfiada. As poucas vezes que estive com ele era visível a forma como ele se dirigia as pessoas, com arrogância e prepotência.

Fiquei rolando na cama por horas, por mais que eu tentasse dormir a mente não ajudava, Levantei por volta de uma da madrugada, tomei um chá calmante, e somente assim consegui dormir.

Acordei um pouco melhor, menos ansiosa, precisa relaxar, não tinha como ir encontrar a Aline, com a preocupação estampada na cara. Desci as escadas para ir pegar a moto e encontrei com a Karina que também estava saindo para o trabalho.

_Bom dia, caiu da cama?_ Ela me deu um abraço

_Dormi muito mal, não consegui parar de pensar naquilo que o Paulinho falou sobre o meu querido cunhado,

_Acha que está acontecendo alguma coisa grave?

_Não sei, ele pode ser apenas um cretino preconceituoso, mas também pode estar envolvido com alguma coisa pesada. Tenho medo que respingue em Aline.

_Ou está com medo que ela esteja envolvida?

_Ela é tranquila demais, não creio que esteja envolvida em nada ilícito, mas ela é sócia dele.

_Vai ver que ele é só um imbecil querendo controlar a irmã, e com medo que você seja uma oportunista querendo meter a mão na grana da Aline.

_Sabe que jamais faria isso, sou correta demais pra ficar com alguém por causa de grana.

_Eu tenho plena certeza disso, mas ele não.

_Preciso ir, tenho que adiantar algumas coisas, pra levar a gata no aeroporto.

_`Vai levar ela de moto?

_Claro que não doida, vou deixar a moto com o Paulinho e pegar o carro dele.

_É isso aí, aproveita pra curtir a gata, já vi que vai ficar de mal humor a semana inteira, Deus me livre.

_Cala a boca garota, vai trabalhar que você ganha mais.

Fui o caminho pensando no que a Karina falou, talvez ela tivesse razão, o problema do Dr. Igor, era só preocupação por causa do bendito dinheiro, mas quanto a isso ele pode ficar despreocupado, gosto da Aline pelo que ela é, pela forma como ela me pegou pela mão e me puxou pra vida dela.

Fim do capítulo