ELISÂNGELA

- Você não pode simplesmente ficar o dia inteiro trancada nesse quarto Eli! - Sua voz estridente me fez fechar os olhos.

- Não só posso, como vou. Você não tem nenhuma reunião para ir ou alguém para atender? - Sentada em frente a minha mesa de computador, num canto distante do quarto, observei pelo canto do olho, Miranda, minha mãe, negar com a cabeça.

- Você é a futura Profeta dessa alcateia, precisa treinar, precisa meditar, precisa se preparar para esse cargo!

- Você só se esqueceu de um detalhe querida mãe. Eu não quero e não vou ser Profeta. - Ela ri friamente.

- Você acha mesmo que ficar trancada nesse quarto, sem falar ou ver ninguém vai impedir Gaia de impor seu destino sobre você? Se acha isso, é mais infantil do que pensei. - Com isso, ela se retira do quarto como um furacão, batendo a porta atrás de si.

Sozinha novamente, pousei meus cotovelos na mesa e deixei minha cabeça cair em minhas mãos.

~*~

- O quê está fazendo agora? - Remexi na cama, mudando de posição.

- Estava trabalhando. - Menti. Sua risada rouca do outro lado da linha fez arrepios correrem pelo meu corpo e mordi o lábio inferior animada.

- Jura? Pensei ter ouvido um barulho parecido com cobertores. - Sorri, e ela ri novamente.

- Você está ouvindo coisas então. - Abracei os cobertores com os olhos fechados, imaginando como seria encontrá-la pessoalmente.

Um mês atrás quando entrei num site aleatório para ler artigos sensacionalistas sobre as espécies que vivem entre nós - entende-se por nós, os humanos, claro -, não esperava conhecer uma mulher tão motivada em responder comentários idiotas como eu. Depois de diversas discussões nos comentários do Facebook, passamos a discutir no privado, e após meses discutindo começamos a conversar como pessoas civilizadas e então nos conhecemos de verdade, infelizmente nunca nos vimos pessoalmente, não tenho permissão para sair da alcateia, principalmente se for para encontrar uma desconhecida, sou a próxima Profeta na linha de sucessão da minha mãe, jamais me deixariam sair sem escolta, e ir encontrá-la com uma escolta não é o que tenho em mente.

- São três horas da tarde e você está deitada? Não tem o que fazer? - Reviro os olhos.

- Me poupe, parece minha mãe.

- Ah! Esqueci, você é filhinha de papai. Ser filha única tem suas vantagens. - Rio descaradamente.

- Para sua informação meu pai morreu, então sou filhinha de mamãe, e sim, ser filha única tem suas vantagens. - Quando termino a frase percebo o quão arrogantes elas soaram. Segundos de silêncio se passam até Eloisa se pronunciar de novo.

- Sinto muito pelo seu pai, não sabia.

- Tudo bem, já faz muito tempo.

- Mesmo assim você deve sentir falta dele.

- Na verdade, não, não gostava muito dele e nem a forma como ele tratava minha mãe, mas não quero falar sobre isso. - Me sento na cama inalterada pelo assunto. - E o que uma vampira está fazendo acordada as três da tarde? - Eloisa ri e sua risada rouca faz meu coração dar pulos no peito.

- Você sabe que não sou uma vampira de verdade não é?

- Não é? Podia jurar que era! Já perdi as contas de quantas vezes te mandei mensagens durante o dia e você não respondeu. - Pus a mão na boca para segurar a risada que quis soltar com a acusação.

- Se for assim você também é uma vampira! Dorme até as seis da noite e passa as madrugadas em claro discutindo com desconhecidos no Facebook! - Incapaz de controlar a torrente de risos, cedi para o desejo incontrolável de rir.

- É, talvez eu seja sim uma vampira, mas se eu pudesse escolher, seria uma lobisomem! - A linha fica muda e meu coração se aperta. Merda. Não devia ter falado. - Eloisa? Tá aí?

- Por que você preferiria ser um lobisomem? - Sua voz soou séria.

- Acho lobos muito bonitos. E se pudesse escolher, seria uma loba branca linda e maravilhosa. - Eloisa fica em silêncio por alguns minutos.

- E quando vou conhecer pessoalmente essa loba branca maravilhosa? - Sorrio quando seu tom de voz se torna brincalhão novamente.

- Não sei, a filhinha de mamãe aqui é vigiada vinte e quatro horas por dia, então por enquanto, não tenho permissão de sair para tão longe como a cidade grande. - Talvez Eloisa perceba as verdades por trás da minha alegação. Ela é inteligente a esse ponto?

- Ainda penso que você seria uma boa vampira, até onde sei lobisomens não tem hábitos tão noturnos como você. - Sorrio.

- Podemos ser uma dupla, você a vampira e eu a lobisomem.

- Seríamos uma dupla e tanto.

Meu coração salta mais uma vez ao me imaginar nos braços de Eloisa.

- Me manda uma foto sua? - Pergunto abruptamente.

- Não gosto de fotos. - Reviro os olhos.

- Por favor, você já viu várias fotos minhas! - Fecho os olhos mandando uma curta oração para Gaia, torcendo para que Eloisa aceitasse dessa vez.

- Você quis me mandar suas fotos, e, além disso, seu Facebook tem tantas fotos quanto é possível uma pessoa viciada em fotos ter.

- Você quer que nos vejamos pessoalmente, e não quer me mandar uma foto sua?

- Se mandar você vem me ver?

- Claro! - Me animo na cama.

- Mentirosa.

- É sério!

- Mentirosa. - Reviro os olhos, irritada.

- Esquece.

- Por favor não fica brava, já conversamos sobre isso várias vezes.

- Ok. Me tira uma dúvida, humana especialista em vampiros. É verdade que vampiros não saem em fotos? - Mesmo separadas por uma longa distância, pude sentir o sorriso no rosto de Eloisa.

- Isso é ridículo.

- Você está falando agora como uma humana especialista em vampiros ou como uma vampira? - Eloisa ri.

- Sempre serei uma humana especialista em vampiros Eli.

- Bom saber. Imaginei que esse fosse o motivo de você não tirar as fotos para mim, ia explicar o fato de sua conta do Facebook terem só paisagens aleatórias. - Eloisa ri ainda mais da minha afirmação, e me seguro para não rir junto, quero parecer séria e debochada.

- Essa coisa de vampiros não aparecerem em fotos é ridículo.

- Conheceu algum vampiro para saber? Quer dizer, eles existem mesmo? - Finjo estar curiosa.

- Devem existir por aí. - Eloisa diz e sorrio com sua resposta neutra.

- Tenho que desligar. - Digo de repente, me sentindo triste por saber que na sociedade em que vivemos nunca teremos a chance de nos conhecer, ou ficarmos juntas.

- Até garota loba.

- Até vampira. - A ligação se encerra.

Permaneci deitada de barriga para cima com o celular sobre coração, repassando toda a conversa com Eloisa.

"O que fiz para Gaia, para me dar uma companheira vampira?"

Eloisa não sabe que sou lycan, e não sabe que eu sei que ela é uma vampira. Sou uma Profeta, dificilmente não sei das coisas, mas o principal motivo de saber sobre Eloisa é o fato de Gaia ter me mostrado em uma visão que minha companheira seria uma vampira, apesar de Gaia não ter me mostrado o rosto. Um mês depois do primeiro sonho com minha companheira, conheci Eloisa, e depois de meses discutindo por mensagens nos tornamos amigas, e mais meses se passaram até trocarmos números e conversarmos por ligação. Foi por sua voz que soube que era minha companheira.

"Ela sabe que sou sua companheira?"

Graças a Eloisa no dia da mudança de Lorena soube o que fazer, por pouco nesse dia não me entreguei dizendo quem realmente sou e o por que fiz as perguntas que fiz, por muito pouco. Por sorte Eloisa não tocou mais no assunto apesar de eu saber que ela desconfiou das perguntas.

Repassei novamente toda nossa conversa. Todas as vezes, resisto a vontade de contar quem sou e o que sou, mas o medo de que a notícia vá nos afastar fala mais alto. Vampiros e lycans são inimigos e isso me deixa totalmente distante de conhecer minha companheira, ou sequer viver com ela, como desejo.

Lorena. Talvez Lorena seja a solução para isso, quem sabe, se ela conseguir unir as espécies, eu posso ter meu final feliz com minha companheira vampira.

"Talvez..."

Fim do capítulo