Júlia

   Passei a noite em claro tentando decidir que rumo dar à minha vida, consciente de que o próximo passo, seja ele qual for, mudará completamente meu destino. Fiquei sentada por horas com a carta em mãos sem conseguir abri-la, mas quando finalmente consegui minhas mãos trêmulas foram se acalmando à medida que eu lia e lágrimas caindo pelo meu rosto. Sorria e chorava ao mesmo tempo, me perdi tentando compreender o que me esperava.

Na carta Clarice esclarecia estar trabalhando no festival de cinema 24h por dia, precisou escapulir rapidamente para vir deixar essa carta, tentou estar aqui, mas foi impossível, prometia vir me ver em dois dias findando o festival. Fiquei aliviada, mas minha ansiedade me fazia querer fugir para qualquer lugar, outras vezes me impelia a sair e comprar o presente mais lindo que poderia pagar para recebê-la como ela merecia. Mas não tive tempo, a campainha tocou e tinha chegado a hora. De olhos fechados no vão da porta respirei fundo e abri receosa.

Com a mão levantada para a campainha estava ela, apoiava com a outra mão uma câmera pendurada no pescoço, os cachos embaralhados como se tivesse corrido e os olhos mais lindos que eu já vi na vida me encaravam ansiosos. Ela me sorria tímida enquanto eu saudosa tentava não pular no seu pescoço. – Por um momento pensei que não ia te encontrar mais aqui, posso entrar? De repente perdi a coragem, muda balancei a cabeça fechando a porta atrás de nós.   

– Não sei se deveria estar aqui de novo depois de tanto tempo sem notícias suas, nem uma vírgula, nada. Mas pensar no seu bilhete não me deixou nem trabalhar direito... você está bem, aconteceu algo?

Clarice

Eu me cobrava ser mais racional, mais comedida, mas meu coração...precisava respirar, segurar minha ansiedade e a saudade da mulher à minha frente.  – Aconteceu...eu saí de casa, terminei meu casamento, enfim eu consegui fazer o que deveria ter feito a muito tempo e precisava te ver, te encontrar para dizer, que eu vou entender se você...

Eu não consegui ouvir mais nada depois de “Eu me separei”, não consegui acreditar, minha cabeça tentava juntar o que ouvia, eu só conseguia me perguntar se agora ela estava livre? – Você está livre, é isso mesmo? Vocês brigaram? Ele te expulsou de casa ou...você perdeu o medo dele? O que te fez criar coragem, por quê agora? Tantos questionamentos, eu precisava entender e me situar, por mais que minha vontade fosse correr e abraçá-la.

- Clarice, estou grávida! Espero um filho de um homem que eu não amo, que se soubesse desse filho jamais me deixaria partir. Na primeira vez que tentei deixá-lo ele me puniu, disse que eu deveria me contentar em ser sua mulher enquanto me tomava à força, me humilhava, não pude gritar nem buscar ajuda, pedir a quem? Eu era a esposa, ele o meu marido, o que eu podia fazer? Enfrentá-lo, quebrar o abajur na cabeça dele? Talvez, quem sabe como ele revidaria, mas preferi segurar minha raiva para poder fazer o que sempre quis, porém acabei engravidando nesse dia!

Não segurei as lágrimas, minha vontade era ir atrás do covarde e espancá-lo até não poder mais se levantar. Como alguém poderia fazer isso com quem diz amar? Os olhos lacrimejantes e tristes me relatavam a situação absurda meio que se desculpando? Não consegui mais me conter e cheia de saudade avancei, apertando-a em meus braços. Queria fazer aquela dor passar, segurei seu rosto nas mãos e a olhei nos olhos, limpei suas bochechas com a ponta dos dedos, beijei de leve seus lábios com todo carinho, depois respirei entre o pescoço e os cabelos sussurrando - Você foi muito forte, enfrentou seus medos e está aqui, isso que importa!– Eu tive tanto medo de ser tarde demais, de você não me querer por tudo o que fiz, por ter deixado chegar a esse ponto!

- Você não tem que se justificar para ninguém, quem passa por isso precisa de apoio, de ajuda e compreensão. Senti suas mãos me envolvendo o pescoço e sua boca buscando a minha. A beijei com saudade e ela se abriu para mim com paixão, parecia irreal, sonhei com esse momento por tanto tempo! Mordi seu lábio inferior, me deleitei em suas mãos. Parecia um sonho, eu sentia nossos corações batendo em uníssono, ela me correspondia até que parou o beijo e sorriu – Essa câmera não me deixa apertar você, eu quero te sentir! Sem demora tirei meu instrumento de trabalho colocando sobre a mesinha, sentei no sofá ao lado da cama a puxando para o meu colo.

 - Agora você pode me apertar, me morder, fazer o que quiser comigo! Sentada de frente com uma perna em cada lado do meu quadril o meu amor me olhava com uma mistura de desejo e saudade, seus cabelos caiam em cascata sobre nós. Segurando em meu rosto ela voltou a me beijar com voracidade enquanto eu me perdia em seu sabor. Um pouco depois ela sussurrou tentando me dizer algo – Meu a...mor...eu preciso...saber.... – Humm...tudo bem, não con...si...go te largar... com muito custo parei para ouvi-la sorrindo feliz – O que você precisa saber? Encarei seu sorriso vacilante, mas logo ficou séria novamente – Você quer ficar comigo, mesmo depois do que conversamos? Eu quero que pense no que tudo isso significa; um filho é para toda a vida e a gente nunca conversou sobre, eu não quero que você fique comigo por pena ou por se sentir obrigada, eu posso cuidar dessa criança sozinha, sei que posso! Enquanto falava insegura, prendia os cabelos no alto da cabeça.

- É o que você quer, criar esse filho sozinha? – Não, claro que não! – Eu preciso dizer que tentei te esquecer de todas as formas possíveis, que quanto mais eu tentava mais eu me desiludia. Você é a mulher da minha vida! Eu te amo e amo essa criança que cresce aqui dentro, eu sei que podemos ser felizes juntas, sempre sonhei com isso e agora tenho certeza que só depende de nós, nada nesse mundo poderá me separar de você! Antes de terminar fui abraçada e ganhei beijos por todo rosto. Enfim, a felicidade chegava para nós duas junto à certeza de que não devemos nunca desistir dos nossos sonhos!

Fim do capítulo