Caso encerrado
Este já era o terceiro apagão que Ecila enfrentava, só naquele ano, e muitos atribuíam o problema ao fato de aquela ser uma cidade muito populosa, com bastante consumo, e a rede elétrica já dava mostras de estar com os dias contados. Então ninguém estranhava quando de repente acabava a luz – até porque tudo se restabelecia sempre em minutos.
- Nós precisamos ir – Felipa avisa, segurando o braço de Liz, ainda no escuro – Depois você explica para a sua namorada que se envergonha de ser policial, faz aquele discurso de que acha a corporação manchada, corrupta etc. Mas agora temos que pegar um assassino. Vamos!
Marcelle viu a namorada correr até a viatura estacionada, ágil, apesar do salto, e a achou um tesão! Estava chateada pelas mentiras, mas aliviada, afinal, era melhor que a outra tivesse outro tipo de ofício a ser traída. Com certeza ia querer saber de todo aquele babado de assassinato depois!
Quis mandar uma mensagem de encorajamento (não que ela precisasse!), para Liz ouvir mais tarde, e antes de gravar o áudio, Marcelle ampliou a foto que a namorada usava como perfil (que de perfil não tinha nada, e mostrava apenas parte de seu tronco e a mão, segurando sua câmera). Admitiu que Liz devia realmente ter alguma questão muito séria com a sua profissão, e reconheceu que devia ser bastante trabalhoso se dividir em dois empregos, tão diferentes! E, no fim, naquela manhã acordou acreditando estar sendo traída por uma fotógrafa freelancer, e ia dormir com uma quase Vingadora, da Liga da Justiça.
Do outro lado da cidade, Liz desembarcava próximo ao metrô, e caminhava devagar, pelos arredores da estação, no sentido do hotel que era seu palpite. Estava no dia certo, na hora correta, e apostava tudo naquele ponto em que se encontrava. Pelas câmeras de segurança, sabia como o suspeito se parecia – ficou mais fácil encontrá-lo, quando soube a quem buscar. Tudo se esclarece de repente quando se desvenda um crime, e os detalhes que sempre faltam se destacam, como grifados de caneta marca-texto.
Enquanto caminhava, ciente de que estava sendo observada pelos colegas, de prontidão e a postos, lembrou de como elucidou tudo diante de um comentário tão inocente de Felipa, que sem perceber deu a chave para aquele mistério.
Realmente os hotéis escolhidos pelo assassino eram sempre aleatórios, em locais de pouco movimento. Mas isso era só uma parte. A grande sacada era o som dos passos. Havia algo que despertava a atenção do assassino nesse som, não de qualquer calçado, mas de salto alto (que agora ela ouvia, de seus passos).
Lembrou que um ano atrás, quando ela e Marcelle se conheceram, e a garota revelou seu discurso, coerente, sem dúvida, feminista, esquerdista, abortista (ela se dizia satanista só para rimar e causar), Liz se envergonhou de revelar sua profissão. Marcelle tinha ido a diversos protestos, cantava sempre uma marchinha que pedia o fim da polícia militar (“não acabou! Tem que acabar!”). Ela era policial civil, mas achou embaraçoso mesmo assim. E foi se enrolando nas histórias que inventava, achava Marcelle uma delícia, e aí um dia, do nada, recebeu um convite por e-mail (que por sinal até caiu na caixinha de SPAM). Uma mensagem despretensiosa de uma imobiliária chamada Primeiro Andar. Perguntava se tinha máquina fotográfica, se emitia nota, se tinha noções básicas de fotografia. Perfeito!
Todos os dias recebia uma agenda, nem sempre tinha muito trabalho na delegacia, dava para conciliar. Passou a conhecer muito mais a cidade, agora via tudo com outros olhos, até mesmo com enquadramentos novos. Seu olhar ficou mais apurado! Bem ou mal, fotógrafo enxerga tudo diferente!
Voltou-se para o caso. No silêncio, qual passo é mais audível? De uma sandália, um chinelo ou um salto alto? Liz revirou as fotografias. Acostumada a esconder das lentes a bagunça das casas eventualmente mobiliadas (e bagunçadas!) que precisava fotografar, notou algo até então despercebido: todas as vítimas estavam descalças. Conhecendo a acurácia de Rute, buscou pelas fotos que revelavam o tipo de calçado, e bingo: todas usavam salto.
Talvez ao longo do tempo, num futuro breve, a mídia traria à tona que o assassino sofreu abusos na infância, que sua mãe usava sempre saltos altos e que aquilo virou gatilho para ele. Mas uma que, Liz não saberia, e duas que ela não se importava. Seu trabalho terminava quando pegava o bandido. O resto era trabalho para outras pessoas, e ela confiava na justiça de Ecila.
E embora publicamente não admitisse sua profissão, não revelasse seus feitos na polícia, sua longa ficha de prisões e investigações bem-sucedidas, Liz amava seu trabalho. Amava fazer exatamente isso: se disfarçar para prender pessoas más. Sorriu, de um jeito malicioso, enquanto o som de seus saltos naquela rua deserta era tudo o que ouvia. Cenário propício para sua armadilha.
Ela ouviu um som de tropeço às suas costas, e olhou brevemente para trás, por cima do ombro. Se visse em câmera lenta teria sido mais fácil acompanhar exatamente tudo o que aconteceu naquele momento, na ação coordenada e muitíssimo bem executada por pessoas que ela, literalmente, confiava a sua própria vida. Pegaram o assassino antes mesmo que ele esboçasse qualquer tipo de reação. Antes de Liz se virar completamente, prenderam o sujeito, e agora outra equipe se encarregaria de coletar o depoimento. Com ele foi encontrada uma faca, pequena, parecia mais um canivete, que certamente seria facilmente relacionado ao crime, após a devida perícia.
Liz e Felipa se despediram com um breve aceno de cabeça, e a mulher se perdeu na pequena multidão da estação. Estava ainda alguns centímetros mais alta, e foi mais fácil se segurar dentro do trem.
Ao chegar em casa, Liz encontrou Marcelle à sua espera, seminua, quase de quatro na cama. Tinha junto dela um par de algemas e outros objetos eróticos.
- Me revista, senhora policial – ela pede, logo que a outra a vê.
Fim do capítulo
Espero que tenham gostado! <3
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Zaha
Em: 12/02/2025
Oiiiiie,
Nossa, adorei!!!N lembrava se Marcelle tava viva no outro conto e fui por ela...afinal, às vezes os mais íntimos podem ser o assassino ..ao menos, acertei no caso da mãe? Kkkk
Adoro mistérios e o fato que é sempre difícil descobri....quase nunca.... é bom não tá na cara!!! Gostei das pistas, ainda que o final, ficou meio confuso pra mim! Mas, acho que a ideia não era explicar e tal...mas adorei!! Amanhã, começo a justiceira. Essa é a próxima, né?! Dps vc disse mais duas pra mim que deu print pra n esquecer...adoro print kkkkk
Parabéns!!
Beijos e bom fim de tarde.
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cris05
Em: 30/06/2021
Fico impressionada e encantada com o seu talento, Caribu. E muito grata por você compartilhar suas obras-primas. Sou sua fã!
Jurema vai ser revistada, presa e sem direito a habeas corpus kkkkk.
Amei!
Beijos
Resposta do autor:
hahaha
Que delícia, queria!
Vou chamar a Liz pra prender essa tal de Covid, e me deixar brincar de ser revistada tb hahaha
Fico feliz que tenha gostado! De verdade!
Beijos!
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keique
Em: 30/06/2021
Muito legal!
Fico impressionada com a sua desenvoltura, faz parecer que é fácil uma coisa tão complexa como escrever.
Parabéns pelo ótimo trabalho.
Abraço.
Resposta do autor:
Que bom que gostou!!
Eu acho que escrever, embora tão complexo, é algo fácil rsrs
Faria só isso da minha vida se pudesse rs
Depois vou terminar de ler sua história!
Beijos!
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Saraivas1993
Em: 30/06/2021
Amada, que história! Adorei as personagens, o enredo, tudo! Sua escrita é gostosa, envolvente, está de parabéns escritora, que bom que te achei!
PS: Sua peculiaridade para apelidos é realmente um encanto rs.
Resposta do autor:
Que bom que gostou, que te cativa!
Fico muito feliz que tenha gostado do conto! Eu gostei tb rs
Meu bom gosto para apelidos é peculiar msm, eu sou uma pessoa única rsrs
Beijos, minha Calçada Quente! <3
rsrs
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ruthcbraga
Em: 30/06/2021
Arrasou, queria ver essa história na Netflix!! escreve muito, Caribu!
Aliás a Liz podia resolver nosso problema com 17 tb né?! 17 d# C@ & R@%$ risos
Resposta do autor:
hahaha
É, pra quem prende assassinos, pegar um genocida não deve ser muito difícil rsrs
Que bom que gostou! Eu assistiria na Netflix tb rsrs
Mas aí nem seria uma história de 4 mil palavras rsrs
Grata pela leitura, querida! E por tudo, sempre!
Beijos!
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caribu Em: 13/02/2025 Autora da história
ahahaha
Que delícia!
São poucas palavras, não dá pra explicar mto rsrs Mas sim, acertou com a pista da mãe rs
Gosto mto dessa história, talvez um dia transforme em livro... mas A justiceira virá antes, se vier rs
Além destas, te sugeri Fim da Linha e Presente de Natal, mas dá para ler A leitora tb! (essa é foda tb rs)
Beijos! Boa leitura!