POV MARIANA

 

        Meus dias se resumiam em chorar, trabalhar, dar um pouco de atenção a minha filha e chorar novamente. Eu nunca achei que Petra me faria tanta falta assim. Era visível meu sofrimento, e eu não sei como agir, não sei nem o que pensar. Eu não pensava que nosso relacionamento acabaria algum dia.

 

 

Flashback on:

 

 

-Eu não quero ir. – Petra tinha os olhos cheios de lágrimas. – Eu não vou conseguir ficar sem você.

 

-Eu também não quero que você vá. – Tínhamos resolvido matar aula, já que minha mãe transformou nossa vida em um inferno. – Mas minha mãe não vai nos deixar em paz.

 

-A França é longe demais. – O pai de Petra iria leva-la embora, pois minha mãe conseguiu o contato dele e disse varias mentiras sobre ela. – Meu pai não pode fazer isso.

 

-Minha mãe é a culpada. –Estávamos abraçadas no quintal da casa dela. – Vamos fazer uma promessa, assim que completarmos a maior idade a gente foge pra longe desse povo.

 

-Promete que vai me esperar? Eu faço dezoito antes de você. – Ela sorriu e me beijou.

 

-Eu prometo. – Colei nossos lábios novamente e ficamos ali fazendo planos para o futuro.

 

Flashback off:

 

 

-Você tá “cholando” mamãe? – Malu e eu estávamos assistindo um desenho da Peppa quando ela desviou a atenção da tela e passou a mãozinha pelo meu rosto.

 

-Não é nada meu amor, a mamãe tá só um pouquinho triste. – Beijei minha filha e me aninhei mais a ela.

 

-Você também tá com “sodadi da mamãe Peta”. – Balancei a cabeça e ela me abraçou com os bracinhos curtos. – Eu ”quelia” que ela dormisse aqui, ela já ”passô” muito tempo com a bisa.

 

-Eu também queria meu amor. – Deixei mais algumas lágrimas rolarem e acabamos pegando no sono, jogadas na minha cama.

 

       A quinta amanheceu e logo eu já estava pronta para mais um dia. Resolvi tentar não pensar em Petra e me dedicar ao meu trabalho. Deixei Malu na escolinha e ainda tive que ser simpática com a professora Andrea, eu não ia com a cara dela desde o dia em que vi a secando minha esposa.  Me despedi da minha filha e parti para o escritório.

 

       Tive algumas reuniões e atendi dois clientes. A manhã passou rapidamente e quando me dei conta Gabi estava me chamando para almoçar.

 

-Amiga, como você está? – Tinha contado por alto que tinha me separado. – Você está com uma carinha de dar pena.

 

-Eu estou péssima. – Era verdade, Gabi sabe como eu amo Petra. – Eu sinto falta dela em todos os momentos.

 

-E como Malu está? – Esperávamos nosso pedido.

 

-É visível como ela sente falta da outra mãe, eu tento fazer ela se distrair. E você precisa ver a alegria quando Petra a buscou na escolinha no inicio da semana. – Dei um sorriso triste ao me lembrar. – No domingo as duas irão fazer algo juntas.

 

-E você queria ir né? – Balancei a cabeça e suspirei. – Acho que vocês precisam conversar você ainda a ama.

 

-Eu não sei se fui extremista Gabi, mas eu estava no meu limite. – O garçom trouxe nossos pratos e eu remexia a comida. – Eu a amo, mas Petra estava tão ausente nos últimos tempos, ela já não estava presente nesse casamento, e só o amor não sustenta nada.

 

-Eu entendo Mari. – Dei algumas garfadas na comida e Gabi mudou de assunto. – Hoje vai ter musica ao vivo naquele barzinho que fomos da ultima vez, e o Danilo me convidou.

 

-Vocês dois estão saindo? – Perguntei sorrindo e ela ruborizou.

 

-Não, por isso eu quero que você vá comigo. – Gabi me intimava.

 

-Não estou no pique amiga, deixa pra próxima. – Ela fez uma carinha de decepção. – E eu não quero deixar milha filha sozinha.

 

-Deixa com aquela sua vizinha que toma conta dela às vezes, por favor, Mari vamos comigo. – Ela juntou as mãos em suplica. – Você precisa se distrair também.

 

-Ok, mas não vou ficar até tarde. – Até que a ideia de me distrair não era tão ruim.

 

        Terminamos o almoço e voltamos ao escritório, estava analisando alguns papeis quando o novo estagiário bateu na porta com alguns papeis em mãos.

 

-Licença Drª, aqui estão os papeis que você pediu que eu providenciasse. –Bruno se aproximou e me entregou os papeis do meu divórcio.

 

-Obrigado Bruno, preciso que você vá ao fórum entregar esse pedido ao promotor. – O entreguei a outra pasta. – E depois você está liberado.

 

-Obrigado Drª, estava mesmo querendo sair uns minutos mais cedo, eu tenho uma banda e vamos nos apresentar hoje. – Ele sorriu amistoso e eu retribui. – Inclusive seria um prazer se você fosse nos prestigiar.

 

-Me desculpe Bruno, mas hoje eu marquei um compromisso com a Gabi. – Ele se lamentou e saiu da minha sala, já tinha reparado que Bruno tinha me dado umas investidas, porém eu nunca dei corda.

 

         Assim que ele se retirou eu peguei os papeis do divorcio e comecei a ler e as lágrimas teimosas rolavam pelo meu rosto. Peguei meu telefone e Liguei para Julia, ela com certeza iria representar Petra, e eu queria que isso fosse amigável, principalmente por Malu estar envolvida nisso tudo. Julia marcou de se encontrar comigo, e disse que Fernanda também estava com saudades.  Quando dei por mim já estava quase na hora de buscar Malu na escola. Finalizei meu laptop e parti para a escola da minha filha.

 

 

POV PETRA

 

 

        Os fins de semana no restaurante eram agitados, mas eu adorava essa correria, amava a pressão que a cozinha me passava. Eu tinha alguns pratos autorais no cardápio e me enchia de orgulho quando eles eram pedidos no salão. Meu amor pela culinária veio da minha avó, ela sempre amou cozinhar e com isso me ensinou vários truques na cozinha, e quando fui pra França fiz um curso de especialização no lugar mais incrível do mundo “Le Cordon Bleu”

 

Flashback on:

 

-Promete que vai me esperar? Eu faço dezoito antes de você. –A ideia de ficar longe de Mariana era perturbadora.

 

-Eu prometo. – Ela me beijou profundamente e aquele era um beijo de despedida.

 

        Tinha feito de tudo para meu pai mudar de ideia, mas a cobra da Jaciara o envenenou contra mim e ele estava irredutível. Minha vó tentou intervir, mas sobrou até pra ela. Meu sonho era fazer dezoito anos logo e me livrar do meu pai. Desde que eu nasci ele simplesmente me entregou pra minha vó e apenas comparecia financeiramente e em alguns natais. Minha mãe faleceu no meu parto e a única lembrança que tenho dela, é por fotos e um sentimento bom em meu coração.

 

        Estava deitada com Mariana em cima do peito e eu fazia carinhos circulares em suas costas. Tínhamos acabado de fazer amor pela primeira vez e meu peito transbordava por ela.

 

-Está tudo bem? – Perguntei notando que ela estava mais calada que o normal.

 

- Não. – Ela sentou e secou uma lágrima. – Eu não suporto a ideia de você ir pra longe. Eu te amo Petra, pode ser cedo demais pra dizer isso, mas eu acabei de me entregar de corpo, alma e coração para a mulher que eu amo.

 

         Não aguentei e me derramei em lágrimas.

 

 

FLASHBACK OFF:

 

 

-Tá tudo bem chefinha? – Danilo era amigo e meu ajudante de cozinha. –Tá pensativa ai.

 

-Pensando na vida, mas está tudo bem. – Sorri sem graça e vesti meu dólmã. – Mas e você, sua cara está péssima.

 

-Ressaca, sai com a Gabi ontem. – Danilo sorriu sem jeito. – Gabi e Mari também deram uma exagerada, ainda bem que o amigo da Mari levou a gente em casa.

 

          Ouvir aquilo foi como uma facada, sinal de que Mariana estava seguindo com a vida e eu fiquei pra trás. Danilo reparou o clima tenso que ficou no ar.

 

-Desculpa Pê, eu não devia ter comentado sabre isso.

 

-Relaxa Dan, vamos trabalhar. – Dei um tapinha em suas costas. – Temos casa cheia hoje.

 

 

        Tentei não pensar na cena de Mariana em outros braços e isso me causava uma sensação péssima, eu jamais em toda minha vida pensei que perderia a mulher da minha vida por um deslize.  Eu devia ter amado mais, ter dado mais atenção, ter dado mais carinho, mas hoje só me restou o sentimento de culpa e remorso.

 

     Hoje de fato tínhamos casa cheia e graças a Deus o trabalho fez os pensamentos ruins se dispersarem. Em breve eu viraria chef no Crème brûlée, e agora minha prioridade era isso e minha filha.

 

      Já estávamos quase no fim de encerar os pedidos, já estava tarde quando Danilo entrou na cozinha dizendo que alguém no salão estava procurando por mim, ele disse que não conhecia a pessoa, e parecia ser alguém importante.

 

-Acho melhor você ir lá amiga, vai que é algum crítico famoso. – Danilo parecia empolgado.

 

       Sequei minhas mãos e ajeitei meu avental antes de passar pelas portas do salão e ir até a mesa 27. Minha surpresa foi grande quando vi de quem se tratava.

 

-Eu rodei todos restaurantes desse planeta e de fato eu nunca comi tão bem. – Ela levou a taças nos lábios e sorriu pra mim.

 

-Leticia James, que surpresa. – Não a via desde quando fui para a França.

 

-Achei que diria que estava com saudades. – Ela me ofereceu a cadeira e eu me sentei de frente a ela. – Estou te atrapalhando na cozinha?

 

-Não, meu assistente dá conta. – Sorri e ela retribuiu. – Mas me fale como anda a vida, você está diferente!

 

-Mais bonita né? – Leticia não perdia o narcisismo. – Vim ver alguns familiares e descobri que você trabalhava aqui, e não contive a curiosidade de ver você. Você não mudou nadinha Petra, quer dizer, está mais gata né?

 

-Você também está bem bonita. – Pedi o garçom uma taça com água, certeza o papo seria longo.

 

       Letícia me contou que assim que eu fui embora, a escola ficou um tedio, por isso pediu para os pais que ela concluísse o ensino médio no Canadá, ficou por lá e estudou administração. Ela acabou se casando com um empresário milionário e que hoje ela vive bem com vários empreendimentos pelo mundo. Ela não mudou nadinha e até me arrancou boas risadas. Estávamos em um papo descontraído quando meu celular que estava sobre a mesa começou a tocar e a foto de Mariana apareceu na tela.

 

-Não me diga que você e Mariana se casaram? – Ela perguntou surpresa e eu sorri de lado. – Meu Deus, era serio mesmo.

 

-Longa historia. – O telefone ainda tocava e meu coração batia apressado, será o que Mariana queria comigo. – Me dá licença rapidinho, eu preciso atender.

 

-À vontade. – Ela sorriu ironicamente e eu me levantei atendendo ao telefone.

 

       Atendi receosa e a voz de Mariana estava tensa do outro lado da linha. Em poucas palavras ela me disse que estava indo com Malu para o hospital e pediu para que eu fosse até elas, meu peito acelerou, ela não me deu muitos detalhes, apenas disse que Malu estava com febre e muito manhosa.

 

-Leticia, me desculpe, mas eu preciso ir. – Eu estava nervosa, eu estava preocupada.

 

-Algum problema? – Leticia notou meu nervosismo.

 

-Minha filha está no hospital e eu preciso ir pra lá. – Leticia arqueou uma das sobrancelhas e sacou que eu tive uma filha com Mariana.

 

-Cada minuto fico mais surpresa com você. – Não respondi, abri o aplicativo e digitei o endereço do hospital, logo hoje eu decidi deixar minha moto na revisão. – O que está fazendo? Eu te levo lá.

 

-Não quero te atrapalhar. – Ela apenas finalizou o pagamento do restaurante e me puxou pela mão, antes avisei oque estava acontecendo e o meu chefe pediu que eu desse noticias.

 

         Tentava manter a calma, mas era impossível, Malu era minha vida e se algo ruim acontecer eu não sei o que seria de mim. Desde que ela nasceu eu jurei que seria uma boa mãe e faria por Malu tudo o que eu não vivi com a minha mãe. Leticia começou a puxar assunto e foi inevitável contar que eu e Mariana estávamos em preparação de divorcio, ela não disse mais nada e logo estacionava seu carro importado em frente ao hospital pediátrico. Corri até a recepção e dei o nome da minha filha, a moça disse que ela tinha acabado de entrar, e que eu precisava aguardar. Meu coração faltava sair pela boca.

 

          Até tentei fazer com que Leticia fosse para casa, mas ela preferiu ficar comigo, pois ela disse que eu estava nervosa de mais para fica só e a todo o momento ela tentava me acalmar. Já tinham se passado uns quarenta minutos e nada de Mariana, eu havia mandado mensagens avisando que eu estava lá fora, mas nenhum sinal dela. Depois de uns longos minutos ela saiu lá de dentro com Malu no colo e eu corri até ela.

 

-Meu amor, o que aconteceu com você? – Peguei minha filha no colo e ela estava toda molinha e cheia de bolinhas pelo corpo.

 

-“Tô dodói” mamãe. – Olhei pra Mariana em busca de respostas.

 

-Catapora. – Ela tinha um semblante fechado. – Mas já está tudo bem.

 

-Mariana, quanto tempo. – Leticia surgiu e agora que me lembrei de que estava acompanhada dela. – Reencontro do terceirão.

 

 -Oi Leticia. – Mariana tinha cara de poucos amigos e eu sei que as duas se detestavam.

 

-O mundo realmente é uma caixinha de surpresas. – Olhamos pra Leticia que tinha um sorriso nós lábios. – Petra, eu preciso ir agora, vejo que já está tudo bem, vou te ligar pra terminarmos aquela conversa. – Leticia descaradamente me deu um beijo bem próximo da boca e deu um aceno com um sorriso falso pra Mariana. – Sua filha é linda igual a você.

 

        Leticia se despediu e saiu pelo saguão do hospital, me deixando sozinha ao lado de uma Mariana furiosa, eu a reconhecia apenas com um olhar, era incrível como eu sabia ler seus pensamentos.

 

-Você está de carro? – Perguntei ao notar que Malu dormia no meu ombro.

 

-Estou. – Ela respondeu secamente. – Vou passar o cartão do convênio e já venho.

 

        Aquela seria uma noite longa. Mas estava mais tranquila por minha filha não estar com nada grave.

 

-Pode me dar ela.

 

-Eu vou com você até em casa. – Não pedi permissão, eu queria ficar mais um pouco com minha filha. – Depois eu pego um uber pra minha casa.

 

-Se quiser pode ir com sua amiga. – Mariana disse de forma irônica. – Ela deve estar querendo matar a saudade.

 

-Não obrigado, prefiro deixar minha filha em casa. – Não falamos mais nada, ela abriu o carro e eu coloquei Malu na cadeira e me sentei atrás ao lado da minha filha esperando ela dar a partida.

 

 

Fim do capítulo