O fim
Alex e Jéssica tinham se preparado a semana inteira para aquele momento, e não à toa foram até a casa de Jairinho naquela manhã num passo meio fúnebre, numa marcha um pouco mais lenta. Tinham que dar cabo de uma missão secreta, nobre e ilegal. Nem desconfiavam que o plano, elaborado por Jairinho alguns dias antes, sairia completamente do esperado, forçando as duas a tomarem decisões que transformariam quem são (quem eram!).
Jéssica viu a namorada abraçar o amigo, num gesto mais demorado que o normal. Pareceu ser. Ou vai ver que ela é que estava emotiva, e depois suas lembranças seriam afetadas pelo sentimentalismo, a fazendo ver coisas que nem aconteceram de verdade. Como aquele abraço demorado – o último.
Jairinho não parecia mais a mesma pessoa de sempre. Estava magro, abatido, com sulcos profundos no rosto outrora alegre e saudável. Parecia que ou não dormia há mais de uma semana, ou não saía da cama há todo esse tempo. Sua fisionomia deixava nítido o que ocorria naquele momento com seu corpo, com algumas células se reproduzindo desenfreada e incorretamente, e outras, já quase desistindo, exaustas e enfraquecidas, lutando contra a invasão de Troia. Alex já tinha visto o padecimento por conta da agressão do tratamento, mas era a primeira vez que via a ofensiva que o câncer, sozinho, provocava.
Se revoltou, por não ter contra quem se revoltar a não ser a própria vida, e assumiu uma postura necessária para a eutanásia que ocorreria naquela garagem empoeirada. Caberia a ela aplicar os medicamentos surrupiados do trabalho de Jéssica. Eles deixariam Jairinho sedado o suficiente para intoxicá-lo – e matá-lo. Uma morte digna de quem decide seu momento de morrer.
Esse foi, pelo menos, o argumento de Jairinho, e Alex entendeu que cabia a ela ajudá-lo. Afinal, só ele a ajudaria numa coisa tão maluca quanto essa, se fosse o inverso.
Aplicou a injeção e esperou. As batidas do coração ecoavam na ponta do dedo que empurrava a bunda da seringa. Jairinho fez o sinal, e ela aplicou a segunda. Após a terceira dose ele começou a se contorcer, disse que estava com dor, que algo estava errado. Pediu para ela fazer algo, mas não havia mais nada para injetar. Aí viu o amigo gritar, e junto do grito viu o desespero em seus olhos. Olhou rapidamente para os lados e usou o que tinha à mão.
Quando Jairinho disse que não aguentava mais, enfiou em sua cabeça uma chave de fenda, com a ajuda de um martelo.
Na semana seguinte, o jornal da cidade estampava o ocorrido em primeira página. Trazia como manchete “Polícia investiga morte de morador” uma matéria que dispendia mais espaço para contar a história do casarão do que o assassinato, que a polícia ainda investigava, sem muitas pistas. A reportagem, sem assinatura, informava ainda que um morador de rua conhecido como Marechal era o principal suspeito, mas que ele tinha sido liberado porque a arma do crime, algo pontiagudo, provavelmente uma chave de fenda, havia sumido.
Alex e Jéssica enrolaram a chave com o jornal, antes de guardá-la sob um piso solto da casa da mãe de Jéssica. Tinham como plano derreter a peça, à moda Breaking Bad, só que com soda cáustica. Mas isso já é outra história.
Fim do capítulo
Agradeço à minha vizinha que sonhou isso e me inspirou!
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