O meio
- Até onde você vai por amor? – Jéssica quis saber.
- Como assim? – responde Alex, com outra pergunta – Eu vou até o final, ué. O amor é um caminho sem volta, baby.
A menina achou aquilo poético, profundo, mas também, lá no fundo, um pouquinho preocupante. Alex era o tipo de menina destemida, desbravadora mesmo, que enfrenta as coisas sempre sem pestanejar – ao contrário dela mesma, que se duvidar tinha medo até da própria sombra.
“O amor é um caminho sem volta”, ela repetiu, mentalmente.
O casal ainda estava na cama, mesmo já passando das 10h da manhã daquele sábado de poucas nuvens. Um dia preguiçoso que combinava com o humor delas, que tinham acordado há alguns minutos, após uma semana inteira levantando cedo para o trabalho. Glória, para elas, era poder dividir a primeira caneca de café e o cigarrinho da manhã em meio aos lençóis, sem pressa de levantar (mesmo quando tinham compromisso, que elas sempre chegavam atrasadas).
Estavam juntas já há alguns anos, eram parceiras e amigas e tinham gostos parecidos – elementos essenciais para uma boa relação. Jéssica encontrava em Alex o arrojo para encarar seus medos, e Alex tinha em Jéssica o aconchego encontrado só nas figuras das melhores amigas. O mundo ao lado de Alex era divertido e cheio de aventuras; o universo com Jéssica era sereno e tranquilo. O sex* era satisfatório, então aquele namoro perduraria a vida toda – a não ser que uma delas, sei lá, matasse alguém. Mas talvez nem isso as separasse.
Para aquele dia tinham combinado de visitar Jairinho, amigo de anos. Jéssica o conhecia desde o jardim de infância, mas ele era o melhor amigo de Alex. Tinham se conhecido graças à garota e pareciam um o reflexo do outro – embora em mundos invertidos. Ela sempre completava a frase dele, e vice-versa, porque seus pensamentos de alguma forma se combinavam; pensavam juntos. Seus sentimentos também eram entrelaçados, tipo almas gêmeas. Seriam um casal perfeito se ela não fosse lésbica e ele, gay.
Jéssica não era muito do tipo de socializar, tinha um pouco de preguiça de gente. Sua exceção era Jairinho, que além de boa praça, morava num lugar muito agradável durante o dia, um casarão tombado pelo Patrimônio Histórico da cidade, que tinha fama de mal assombrado e parecia abandonado. Ficava nos fundos de um terreno muito grande e arborizado, que de noite dava assobios por causa do vento, que fazia curva ali. Jairinho morava sozinho, e na percepção de Jéssica isso exigia uma boa dose de coragem (que precisaria beber em shots contínuos, e se manter embriagada, caso fosse ela a morar no casarão).
Levava em sua mochila algumas doses de medicamentos vencidos, surrupiados da dentista, que era a sua chefe. Se sentia meio transgressora, mas sabia que, de tudo, roubar remédios que iriam para o lixo era o menor dos males. Por falta de coragem, só assistiu Alex injetar o remédio em Jairinho, que teve uma reação adversa e inesperada, e se contorceu, aparentemente de dor, instantes antes de Alex enfiar do lado de sua testa uma chave de fenda, e martelar.
Fim do capítulo
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