Conexão por ThaisBispo
Pureza
Sábado, 25 de maio 一 09h43
Acordei com Stephanie me abraçando pela cintura, a qual dormia profundamente atrás de mim, com o rosto apoiado sobre o braço e a coberta sempre nas pernas, não sei como essa garota sentia tanto calor, ainda mais por estarmos no fim de outono, quase beirando o inverno. Tirei o edredom e me sentei na cama, massageando meu braço, que agora já não estava doendo mais, levantei-me e abri o armário, tentando não fazer barulho, e tirei de lá uma calça jeans preta, uma blusa branca de manga comprida bem larga que ia até o quadril e meu moletom. Dirigi-me ao banheiro a fim de tomar um banho quente, saindo vinte minutos depois, devidamente vestida.
一 Bom dia! 一 Abri um pequeno sorriso ao vê-la sentada de pernas cruzadas em cima da cama com os olhos semiabertos. 一 Dormiu bem?
Ela respondeu apenas balançando a cabeça em sinal positivo, estava ainda muito sonolenta para tentar algum tipo de diálogo, o que tornava a situação ainda mais engraçada.
一 Vou acordar a nossa criança, ok? 一 falei antes de lhe dar as costas e seguir em direção à cozinha.
Caminhei até a sala até me dar conta de que Samuel não estava em casa. Olhei ao redor brevemente para a cozinha e vi que havia um bilhete na porta da geladeira no qual ele dizia que foi escalado para trabalhar mais cedo que o normal e que voltaria apenas depois do jantar, ou seja, o café estava por minha conta hoje, então comecei a prepará-lo. Enquanto eu deixava a água esquentar, aproveitei para ir colocando os pães, frios e os cereais na mesa, além de uma jarra de suco, já que estava um pouco enjoada por conta do remédio, e fiz uma salada de frutas.
Não demorou mais de vinte minutos até Stephanie aparecer na cozinha e enlaçar minha cintura enquanto eu passava o café.
一 Você fica tão sexy de manhã, sabia? 一 disse com a voz rouca ao deitar o rosto em minhas costas, fazendo-me corar.
一 H-Hey! 一 protestei tentando me concentrar em não me queimar ou derrubar a jarra no chão. 一 Isso é coisa que se diga a essa hora?!
一 E por algum acaso eu estou mentindo? 一 Ela segurou o riso e me cutucou com seus dedos, tentando me provocar cócegas.
一 Ok, já entendi que você quer atenção! 一 Larguei a jarra em cima da pia e virei de frente pra ela, apoiando as mãos no mármore e passando a encará-la com a sobrancelha arqueada. 一 O que você deseja, minha senhora?
一 A mais velha aqui é você! 一 provocou. 一 O que você acha que eu quero? 一 murmurou ao dar um passo, colando nossos corpos e aproximando seu rosto prudentemente do meu à medida que suas mãos pousavam em cima da minha barriga com firmeza.
Levei minha mão até sua nuca e a puxei para um beijo caloroso e delicado, separando nossos lábios instantes depois onde no final ela me deu um selinho, arrancando-me um pequeno riso. E foi aí que finalmente notei seu look. Stephanie estava vestindo uma calça de couro preta e uma blusa xadrez vermelha e branca por cima, colocando-a por dentro da calça e passando a dar um ar de seriedade, além da sua fiel bota de couro de cano médio.
一 Maravilhosa... 一 Sorri segurando sua mão e lhe dando um beijo na bochecha. 一 Vem, vamos comer, você deve estar com fome.
一 Se eu fosse você não encheria tanto a pança... 一 sugeriu enchendo o copo com suco e dando um gole, olhando-me de canto. 一 Vamos fazer um piquenique no almoço!
一 Sério? 一 perguntei animada ao me sentar ao seu lado, pegando a caixa de cereal. 一 E o que vamos comer de bom?
一 Também é surpresa! 一 Deu-me um beijo gelado no canto da boca. 一 Eu vou preparar tudo!
一 Tem certeza de que não quer ajuda? 一 insisti preocupada ao vê-la tão determinada. 一 Então tá bom! Vou aproveitar para levar o carro pro lava rápido, ele precisa de um banho, coitado...
一 Isso! 一 Ela sorriu satisfeita.
Após terminarmos e limparmos tudo, peguei as chaves do carro e segui para o shopping, onde tinha o lava rápido mais perto e mais barato também, deixando-a sozinha em casa preparando tudo. Dirigi tranquilamente, já que ela havia dito que iria demorar um pouco, e diferente dos outros dias, hoje eu me sentia estranhamente mais calma, mesmo que a noite anterior tenha sido um tanto quanto agitada.
Senti novamente minhas bochechas esquentarem ao lembrar de certas cenas que, na minha humilde opinião, eram a visão do paraíso. É estranho, não? Eu não me lembro de um dia ter olhado para alguma garota de uma maneira diferente, mas não é como se eu me impressionasse muito por rapazes também. Para ser sincera, não me lembro de um dia ter sentido algo tão forte por alguém como sinto por ela, eu não tenho muitas memórias boas da minha infância e adolescência que possam ajudar a filtrar algo de bom sobre relacionamentos, pois como disse anteriormente, não é como se eu tivesse colocado eles alguma vez em prioridade, mas com ela era divergente.
Liguei o DVD e deixei que tocasse algumas músicas de uma rádio qualquer, apreciando à medida que me aproximava do meu destino, e dei graças quando vi que a fila para o lava rápido estava pequena. Felizmente não demorou mais que vinte minutos para que fosse a minha vez, e quando estava prestes a dar partida para seguir até o caixa depois que ele ficou pronto, fui surpreendida por um rapaz que veio timidamente em direção ao meu carro segurando algo.
一 Algum problema? 一 perguntei abaixando o vidro preocupada.
Ele devia ter no máximo uns vinte e cinco anos, para ser franca nem me arrisco a dar algum palpite sobre idade, porque normalmente eu sempre errava, mas o garoto era alto, tinha cabelos ruivos e a pele um pouco mais bronzeada, parecida com a de Samuel, e também com um porte físico um tanto quanto legal, se é que eu posso dizer assim.
一 Perdão por lhe incomodar, mas é que... 一 Seu rosto estava um tanto quanto vermelho, o que eu estranhei preocupada por achar que havia algo errado com o carro. 一 É que eu realmente te achei muito bonita e...
Meus olhos cerraram, o que ele estava dizendo, afinal?
一 Gostaria de saber se posso te levar para sair qualquer dia desses... 一 disse envergonhado estendendo um pequeno pedaço de papel com o que deduzi ser seu número.
Sabe quando você está em outro mundo? Totalmente alienada? Pois é! E, cara, eu estava tentando fazer uma lista sobre algumas coisas que precisava comprar no supermercado antes de ele chegar na minha cabeça, então com certeza eu estava com uma cara bem... acho que eu não preciso nem explicar que dá pra imaginar, não é?
一 Moça? 一 falou despertando-me de meus devaneios.
一 Olha... 一 murmurei tentando abrir um sorriso gentil. 一 Lamento, mas não posso aceitar. 一 Olhei para o pedaço de papel na esperança que ele entendesse o recado.
一 Por quê? 一 Ele perguntou se apoiando no carro e franzindo as sobrancelhas, o que me deixou bem incomodada por sinal. 一 Você tem namorado? 一 Um sorriso confiante e debochado tomou forma em seus lábios.
A vontade que eu tive foi de abrir a porta e ‘dar' na cara dele, mas aí eu e Stephanie teríamos nosso primeiro encontro em uma delegacia, então o que eu fiz foi simplesmente respirar bem fundo e abrir um sorrisão igual ao do Barney para que eu não cometesse um atentado.
一 Sim, eu namoro, inclusive, ela deve estar me esperando em casa neste exato momento. 一 falei colocando a mão sobre o volante e observando sua confiança desabar perante meus olhos. A propósito, que cena linda de se ver! 一 Agora desencosta do meu carro fazendo favor! 一 protestei dando a partida, o que ele fez bem a contragosto, e assim eu segui meu caminho.
A petulância do ser humano às vezes me fazia rir, porque olha, zero condições ter que passar por esse tipo de coisa. Se Stephanie estivesse comigo, com certeza teria falado poucas e boas para o garoto, e confesso que até seria engraçado de ver uma cena como essa, mesmo que não estivéssemos namorando ainda. Entretanto, eu precisava fazer compras para não me atrasar, então segui meu caminho até o supermercado e comprei alguns itens de que precisava, não demorando mais do que quarenta minutos até terminar.
Estacionei o carro na rua por volta das onze e meia e subi com as compras pelo elevador, peguei a chave que estava no meu bolso e abri a porta, deparando-me com uma grande cesta 一 que eu não tinha ideia da onde tinha vindo 一 e cheia de comida.
一 Wow... 一 Sorri de orelha a orelha ao ver tanta coisa em cima da mesa. 一 Ela deve ter tido um trabalhão... 一 confessei observando tudo aquilo orgulhosa, até escutar um barulho vindo do quarto e me deparar com a pessoa mais linda que já vi em toda a minha vida.
一 Oh! Você foi rápida! 一 Ela abriu um sorriso angelical. 一 Que foi? 一 perguntou ao perceber que eu não conseguia parar de observá-la de cima a baixo.
Stephanie usava um vestido lilás que ia quase na altura dos seus joelhos, nada muito decotado, mas que realçava seu corpo perfeitamente. E, como estava frio, também vestia uma meia calça preta, uma bota de cano médio, e para minha surpresa, minha jaqueta de couro predileta, além da maquiagem leve e delicada que coincide perfeitamente com todo o resto.
一 Ah... Eu peguei a sua jaqueta porquê...
一 Você está linda... 一 interrompi, completamente hipnotizada. 一 Absolutamente linda, como sempre. 一 Caminhei até ela e a abracei ternamente pela cintura depois de deixar as sacolas em cima da bancada.
一 Assim eu fico sem graça... 一 Suas mãos foram até meus ombros.
一 Pode pegar a jaqueta pra você, se quiser... 一 Sorri me desvencilhando de seus braços e apertando sua bochecha de leve. 一 Sei que gosta dela.
一 Mas é a sua favorita! 一 protestou arregalando um pouco os olhos, surpresa. 一 Não precisa!
一 Não se preocupe... 一 Dei-lhe um beijo na bochecha. 一 Me deixa feliz ver você com ela. 一 Pisquei antes de ir em direção ao quarto, mas parei na metade do caminho e segurei o riso.
一 O que foi? 一 ela perguntou curiosa.
一 Talvez isso espante pessoas que gostam de dar em cima da mulher dos outros. 一 Virei meu corpo o suficiente para poder analisar sua reação caracterizada pelas sobrancelhas franzidas e um bico enorme, e é claro, os braços cruzados que não poderia faltar. 一 Mas ele entendeu que eu só tenho olhos para uma pessoa. 一 Desviei meu olhar para o chão brevemente, ainda com um pequeno sorriso nos lábios, voltando a fitá-la novamente instantes depois.
"Encantadora." Pensei ao vê-la abrir um sorriso brilhante que fez minhas pernas bambearem.
~x~
Eu estava parada diante do meu guarda-roupa tinha em torno de uns dez minutos. Eu realmente não sabia o que vestir, e sei que pode parecer bobo da minha parte, mas Stephanie estava tão graciosa, eu simplesmente não podia decepcioná-la. Movimentei os cabides com calma até que decidi pegar uma blusa social que tinha comprado há pouco tempo, mas nunca havia usado. Ela era preta e tinha pequenos pontos em branco, como se uma pessoa tivesse encharcado o pincel e atirado nela de longe, então confesso que tinha um grande carinho por ela. Tirei-a do cabide e a coloquei em cima da cama, voltando a procurar minha calça branca e minha jaqueta preta, que estava cheia de strass e correntes nas laterais dos bolsos.
Peguei uma toalha seca e segui rumo ao chuveiro, deixando com que a água quente caísse pelo meu corpo por uns minutos, quem sabe assim eu conseguia me tranquilizar, já que estava ansiosa. Eu não parava de pensar para onde iríamos e o que faríamos ao chegar lá, mas acho que todo mundo fica nervoso no primeiro encontro, o que é engraçado vendo que já estávamos praticamente em um relacionamento sério. Eu sei, totalmente contraditório e fora do clichê, mas não é como se gostássemos muito disso também, além de que nossas vidas estavam bem longe desse estilo.
Saí do chuveiro alguns minutos depois e fechei a porta do quarto, assim poderia ter meu tempo para tentar surpreendê-la também. Joguei a toalha em cima da cadeira e comecei a me vestir. Coloquei a blusa por dentro da calça tentando deixar o menos folgada possível e dobrei um pouco as mangas para deixar à mostra meu antebraço, visto que eu tinha agonia. Deixei também com que três botões da blusa ficassem desabotoados e em V. Olhei brevemente para o espelho para tentar imaginar como eu queria meu cabelo e cheguei à conclusão de que preferia que ele ficasse em seu estado natural, ou seja, um tanto quanto ondulado e volumoso. E por fim, mas não menos importante, coloquei um pouco de maquiagem, nada muito extravagante, apenas o básico já era o suficiente.
Fui em direção à cômoda e me sentei na ponta da cama, puxando uma pequena gavetinha responsável por guardar uma foto, um envelope e uma caixinha que continha dentro um colar desde que me mudei pra cá, e essas eram as únicas coisas que eu ainda tinha da minha mãe, e que as tornavam ainda mais preciosas para mim. A foto é de quando eu tinha uns três anos. Estávamos brincando em um balancê que eu julgava ser da nossa antiga casa ou de um parque na redondeza, não tenho certeza, só sei que ela estava absurdamente feliz, totalmente diferente do que tinha se tornado por conta das drogas. Também havia uma carta que ela me escreveu e disse para que eu a lesse somente quando fizesse dezoito anos, e até hoje descobrir o que havia nela mudou minha vida em diversas formas, tanto boas quanto ruins. Falar sobre o conteúdo dela ainda é um assunto sensível para mim, e como eu disse anteriormente, não é como se eu não tivesse marcas do passado também.
Eu sempre fui uma pessoa insegura em muitos sentidos, mas com certeza o que mais se destacava era sobre relacionamentos, para ser mais específica, eu ainda não tinha completa noção de como é amar alguém, por isso nunca coloquei isso como prioridade na minha vida. Eu não sabia como criar laços e nunca fui de ter muitos no passado, não algo realmente próximo ou íntimo como o que estou tendo agora com ela. É difícil você acreditar no amor quando chega à conclusão de que ele não é o suficiente para manter sua família unida, e ainda mais complicado quando você acaba perdendo um desses integrantes. Todas essas vivências fizeram com que eu me tornasse essa pessoa desconfiada, fechada e um tanto quanto cética, pelo menos até Samuel aparecer e me ajudar nesse processo, embora ele também estivesse machucado. Não é como se eu estivesse completamente transformada, mas, sem dúvidas, ele fazia tudo se tornar mais leve e divertido, além de me ensinar a ser corajosa e lutar pelos desejos que meu coração anseia, tendo sido um deles a própria Stephanie.
Respirei fundo, peguei a caixinha em mãos e a abri, e por Deus, ele era tão lindo! Tão fino e delicado, realmente elegante. Permaneci pacata, apenas contemplando aquela joia e imaginando como seria se ela ainda estivesse aqui.
Será que estaria bem?
Com uma saúde melhor?
Orgulhosa de mim...?
É... talvez, mas infelizmente isso não há como saber, não é mesmo?
Uma lágrima caiu involuntariamente em cima da minha coxa e eu não fiz esforço algum para limpá-la, apenas levei um pequeno susto quando escutei duas batidas discretas na porta.
一 Entra! 一 falei elevando meu tom de voz com certa dificuldade, e em poucos instantes pude perceber ela se sentando ao meu lado, pousando seus olhos sobre mim.
Eu não conseguia dizer mais nada, absolutamente nada, muito menos desviar minha atenção do colar. Meus olhos estavam carregados, mas ainda assim não queria chorar. Lastimar era algo que eu realmente não gostava de fazer, pois foi exatamente isso que me ensinaram quando ela faleceu.
"Você não pode chorar, precisa ser forte e continuar vivendo, o tempo não irá parar."
Sabe... acho que esse tipo de coisa não se diz para uma adolescente que acabou de perder a mãe, entendem? Pode ser que não tenha sido intencional, mas a gente nunca deve pedir para alguém ser forte sem ao menos tentar ajudá-la, pois nem todos conseguem, mesmo que queiram.
Mais uma lágrima.
Outra.
E em poucos segundos, senti meu rosto ser inundado por elas.
Acariciei a caixa com os dedos, apreciando o seu forro de veludo vermelho até perceber que eu estava realmente chorando um rio. Senti ela se aproximar de mim vagarosamente, apoiando uma mão em meu ombro e a outra em minhas costas, acariciando-a.
一 Você não tem que ser forte o tempo todo. 一 sussurrou baixinho perto de mim. 一 Está tudo bem não estar bem...
A dor que eu carregava dentro de mim deixou tantas cicatrizes, não daquelas que alguém possa ver a olho nu, mas sim as que estão impregnadas na alma. Eu queria poder ter tido mais tempo com ela, aprender mais, vivenciar mais, ou criar memórias boas que hoje poderiam ser lembradas de uma maneira diferente, talvez alguma que não me trouxesse angústia e sofrimento seria uma boa opção. Meu corpo estava entorpecido pelo meu passado e meu coração aprisionado. E da mesma forma que eu tenho tentado fugir dele quando eu procurava achar o motivo para tanto medo e insegurança, ele fazia questão de me puxar para trás, tentando mostrar as causas, mas eram todas pinturas em branco com pontos que eu não sabia por onde começar a conectá-los. É, digamos que infelizmente nunca obtive muito sucesso em achar as respostas. Confesso que no começo foi bem frustrante não saber o porquê de ter reações diferentes comparada às outras pessoas quando se tratava de relacionamento amoroso, todavia, bater na porta do meu subconsciente seria um ato suicida já que ele tinha todas as respostas, e é por isso que eu tive tanto medo quando comecei a ver Stephanie com outros olhos.
一 Me desculpe... 一 lamentei entre as lágrimas que ainda insistiam em cair. 一 Me perdoe por ser tão fraca, eu não queria que isso acontecesse... 一 Apertei a caixinha com força.
一 Ei... 一 Stephanie percorreu sua mão por todo meu braço até chegar às minhas mãos, acariciando-as. 一 Do que está falando?
一 Eu não sei o que significa amar alguém dessa forma como você disse... E se... E se eu nunca puder te amar? 一 Abaixei minha cabeça e logo desviei para o lado contrário da onde ela estava. 一 E se um dia isso nos magoar, eu...
Minha voz falhou por uns instantes, como se o ar tivesse sido tomado de mim por um buraco negro imaginário.
一 Clara... 一 ela me chamou. 一 Olhe pra mim, por favor... 一 Sua mão agarrou a minha, levando minha mão de encontro ao seu peito para que em segundos eu conseguisse sentir as batidas de seu coração.
Elevei minha cabeça lentamente, tentando direcionar meu olhar para ela, mesmo que ainda estivesse me odiando naquele momento. Ela apertou minha mão contra seu peito e então percebi sua intenção. Sorri de canto ao me lembrar do incidente do festival 一 no qual eu tive uma crise de ansiedade e ela me acalmou exatamente desta forma 一, acho que essa ação causava um efeito positivo perante o meu corpo, pois ele sempre respondia.
一 Como pode dizer algo assim? 一 Seus olhos estavam marejados. 一 Eu não sei o que houve e não espero que me conte agora, mas quero que entenda que independente do que tenha acontecido, você deu o seu melhor e isso é mais do que o suficiente. 一 Sua outra mão que estava em minhas costas subiu em direção ao meu rosto, e assim ela enxugou todas as minhas lágrimas. 一 Pare de se torturar...
一 Steh... 一 soprei seu nome com o resto de oxigênio que sobrou em meus pulmões. 一 Por quê?
一 Como por quê? 一 Ela sorriu inclinando a cabeça para o lado. 一 Porque eu amo você, Clara, eu sempre te amei.
一 O que... 一 Eu fechei os olhos totalmente entretida nas batidas de seu coração. 一 O que eu sinto por você? 一 Tentei procurar resposta em seu olhar logo após abri-los, mas ela ainda mantinha a mesma expressão, como se minha confusão não a afetasse.
一 Isso é algo que você tem que descobrir sozinha... 一 Ela acariciou minha bochecha. 一 Vai saber quando chegar a hora.
一 Mas... 一 Alternei meu olhar entre sua boca e seus olhos. 一 E se eu não puder te dar o que deseja? E se esse amor que eu desenvolva um dia não for o suficiente?
O silêncio pairou sobre nós por alguns longos segundos, até o momento em que ela soltou minha mão, desceu da cama e se ajoelhou diante de mim, onde eu aproveitei para segurar seu rosto e colocar alguns fios de cabelo atrás de sua orelha, tentando achar através de seus olhos a resposta que eu tanto queria.
O amor não salvou minha família de se dividir e também nunca foi uma forma de manter o resto unida. O amor que eu tinha pela minha mãe não foi o bastante para ajudá-la a se livrar do que a matava todos os dias. O amor que eu ainda sinto pelo meu pai não é mais tão abundante quanto quando eu era criança, época em que eu passava perguntando sobre ele, mas nunca havia alguém para me responder, e não é como se fizesse diferença hoje também, visto que mal temos contato, somos praticamente estranhos um para o outro, é um mero laço de sangue na minha humilde opinião. O amor significa sofrimento para mim, apenas uma palavra que me transformou em uma fiel companheira da solidão, submissa do medo e me fez assinar um pacto com a dor, é isso o que ele me proporciona.
一 E se eu não conseguir te amar? Eu quero poder te amar, mas eu tenho tanto medo! 一 Depositei a caixinha na cama e me ajoelhei de frente pra ela, passando a segurar em seus ombros. 一 Sempre quando alguém tenta criar um laço comigo eu fujo e me selo por temer que algo ruim venha a acontecer. Eu não sei exatamente o motivo, mas eu não quero correr de você, eu preciso de você!
Ela deixou que algumas lágrimas caíssem, mas ainda assim mantinha um sorriso no rosto. Como pode alguém que sofreu tanto conseguir ainda amar? O que ela enxergava em mim que a fazia querer estar comigo? Isso é tudo tão confuso!
一 Escute... 一 Ela erigiu seu corpo e me puxou delicadamente para fazer o mesmo, ainda de joelhos, segurando meu rosto com ambas as mãos por fora das minhas e colou nossas testas, fitando-me profundamente. 一 O que eu sinto por você não é frágil, seja lá quais forem as barreiras que você tiver, nós iremos derrubá-las juntas, da mesma forma como você me ajudou com as minhas mesmo sem ter consciência disso... 一 Sorriu antes de beijar minha testa.
一 Eu não quero te machucar... 一 Fechei os olhos com força tentando conter minhas lágrimas que insistiam em querer voltar.
一 E quem disse que você está? 一 Ela voltou a me fitar. 一 Você é a responsável por eu ter vontade de viver, e eu não quero te ver sofrer por achar que não me faz bem!
Ela continuou com seus olhos cravados nos meus, como se quisesse me assegurar de que o que estava dizendo era verdade e eu apenas permiti que continuássemos apreciando esse momento por um tempo, tempo suficiente para acalmar as vozes que gritavam desesperadamente dentro da minha cabeça e tentavam me ferir.
一 Obrigada por ficar... 一 agradeci ainda com a voz trêmula enquanto permitia me perder dentro da imensidão de suas íris.
Stephanie enlaçou meu pescoço e colou nossos corpos em um abraço caloroso. Ter ela em meus braços fazia com que inúmeras sensações preenchessem meu peito, mas a melhor delas era a calmaria que me invadia, conseguindo tranquilizar os meus pensamentos turbulentos, todos eles fruto dos meus medos e traumas do passado que eu ainda não conseguia superar.
一 Você está bem? 一 perguntou após eu me afastar dela aos poucos.
一 Sim... 一 respondi ajudando-a a se levantar junto comigo. 一 Isso era da minha mãe. 一 Peguei a caixinha na mão e a abri.
一 Ele é lindo! 一 sorriu contemplando o objeto, e eu a observava com um sorriso. 一 Quer que eu coloque em você? 一 Seu olhar caiu sobre mim, me pegando de surpresa.
Respirei bem fundo e encarei a caixinha na minha mão, entregando-lhe logo depois, assentindo. Ela sorriu e pegou a corrente com cuidado, girou meu corpo e puxou meus cabelos, deixando-os cair na lateral do meu pescoço. Seus braços me envolveram e rapidamente senti aquele objeto frio entrar em contato com a minha pele, momento que ela aproveitou a chance para me abraçar, como se quisesse me dizer que estava tudo bem de alguma forma.
一 Você é uma pessoa maravilhosa... 一 Notei seu queixo encostar em minha nuca. 一 Nunca deixe que o medo te diga o contrário.
Entrelacei nossos dedos, aconchegando seus braços ainda mais em volta da minha cintura, e ficamos assim por um tempinho, até eu beijar suas mãos e me virar para lhe dar um abraço.
一 Você está pronta? 一 perguntei envolvendo-a em meus braços enquanto ela apoiava suas mãos em meus ombros.
一 Sim, podemos ir! 一 disse animada ao abrir um sorriso ladino e me dando um selinho. 一 Quero ver alguém dar em cima de você agora!
一 Estou presenciando uma cena de ciúmes? 一 brinquei em meio a risos, já ela fez o contrário e fechou a cara. 一 Boba! 一 Cutuquei seu nariz com o dedo indicador, fazendo-a rir.
Stephanie Riley era com toda certeza uma mulher indagadora, e mesmo que qualquer dificuldade, obstáculo e até mesmo uma crise surgisse, nós estávamos sempre ali uma pela outra para dizer que iria ficar tudo bem.
Depois de retocar a maquiagem que tinha ido por água abaixo literalmente, eu vesti um cachecol e minha jaqueta que se encontrava em cima da cama, em seguida, ajudei-a com a cesta, que estava bem pesadinha, por sinal. Peguei as chaves do carro e as entreguei na mão dela, momento em que ela ficou toda animada, logo tranquei o apartamento e descemos pelo elevador. Ela assumiu o volante enquanto eu colocava a cesta no banco de trás, e em segundos, ela deu a partida para seguimos para o nosso destino.
一 Esse lugar... 一 eu a chamei ajeitando o retrovisor. 一 Ele é especial por alguma razão? 一 perguntei direcionando meu olhar em sua direção.
一 Oh sim! 一 enfatizou mudando a marcha. 一 Você quer saber o motivo?
一 Eu gostaria, se estiver tudo bem pra você, é claro... 一 falei tentando confortá-la, não queria que se sentisse mal ao lembrar de algo desagradável só porque eu estava curiosa.
一 Bom... 一 Ela respirou fundo, mantendo uma expressão no rosto um tanto quanto serena e até um pouco apática. 一 Minha mãe nos abandonou quando eu tinha seis anos e infelizmente não consigo me lembrar de muita coisa, então boa parte do que eu sei é por fotografias e pelo que meu pai me dizia.
Eu a fitava com atenção, ora meus olhos pousavam sobre ela, ora no trânsito.
一 Você deve estar se perguntando o motivo que a levou a fazer isso, e bem... 一 Stephanie engoliu em seco. 一 A resposta era porque meu pai batia nela, mas eu era muito pequena para perceber ou muito menos entender o que acontecia em casa.
一 Eu lamento... 一 Minha mão foi até a sua, acariciando-a superficialmente para não tirar sua atenção, e ela sorriu com isso, tão bela.
一 A única coisa que eu me lembro é de sempre vê-la com os pulsos roxos e machucados, e por conta disso ela começou a usar blusas de manga comprida para cobri-los. 一 suspirou. 一 Acho que ela acabou ficando traumatizada de alguma forma, e esse lugar acabou se tornando um refúgio pra mim, digamos que é meu favorito.
一 Deve ter sido difícil pra você... 一 Um gosto amargo subiu pela minha garganta após perceber como éramos carentes quando o assunto era sobre amor maternal.
一 Eu queria realmente saber sobre ela, mas pensar nisso me deixa ansiosa... 一 murmurou entredentes com um semblante caído. 一 Talvez seja melhor não saber, acho que não saberia lidar se...
Ela prendeu a respiração e olhou brevemente para o retrovisor tentando conter as lágrimas, e isso partiu meu coração. Era incrível como nossas histórias eram parecidas em algumas coisas e totalmente distintas em outras. Stephanie teve uma infância tão dura que eu realmente não sei como ela ainda mantinha um sorriso no rosto todos os dias, enquanto eu parecia estar sobrevivendo. É, acho que eu preciso aprender mais com ela do que imaginei, e isso me deixava aliviada e orgulhosa por tê-la.
一 Steh... 一 chamei-a colocando a mão em sua coxa, atraindo sua atenção. 一 Encosta. 一 Sorri tentando confortá-la.
Ela engoliu em seco e fez o que eu pedi, ligando o pisca-alerta em seguida.
一 Me desculpe... 一 disse ao enxugar as lágrimas. 一 Eu só...
一 Não está forte ainda. 一 completei sua frase procurando seus olhos, os quais rapidamente foram ao encontro dos meus. 一 Está tudo bem não estar bem... 一 suspirei fundo e estendi minha mão em sua direção.
一 Conheço essa frase... 一 Ela deixou uma risada gostosa escapar ao colocar sua mão sobre a minha e eu não pude deixar de sorrir.
一 Se for de sua vontade, eu posso te ajudar a encontrá-la. 一 sugeri acariciando o dorso de sua mão e ela arregalou os olhos surpresa.
Stephanie estava comovida e chocada, tanto que piscou seus olhos algumas vezes, talvez querendo se certificar de que realmente tinha ouvido aquilo.
一 Será que é uma boa ideia? Ela pode estar em qualquer lugar do mundo... 一 Seu semblante se desmanchou um pouco, porém eu ergui seu queixo delicadamente. 一 E se ela estiver...
一 Escute... não podemos pensar no pior, embora seja uma possibilidade. 一 Tentei tranquilizá-la mesmo sendo realista. 一 Você mesma me ensinou isso!
一 Eu sei, mas... 一 Ela encostou a cabeça no banco, virando-se de frente pra mim. 一 Deus, queria tanto vê-la novamente... 一 Seus olhos fecharam e uma lágrima escorreu pelo seu rosto, porém eu a enxuguei rapidamente.
一 Não vamos falar sobre isso agora, ok? 一 Acariciei sua bochecha. 一 Pense com carinho, e se precisar de mim eu estarei aqui.
Seus olhos pregaram nos meus de uma forma única e encantadora, e não pude deixar de sorrir por entender o que ela queria dizer com aquela expressão.
一 O que eu posso fazer? Tu trincou a armadura que protegia meu coração, mulher! 一 Eu dei risada e puxei sua mão de encontro ao meu peito. 一 Ele sempre vai responder quando o assunto for você.
Stephanie sorriu de uma forma tão radiante que imediatamente senti meu rosto esquentar.
一 Agora sai daí, não quero que dirija assim... 一 Brinquei cutucando seu nariz, tirando o cinto. 一 Você me ensina o caminho, madame. 一 Desci do carro e ela pulou para onde eu estava.
一 Estamos perto já... 一 disse checando no celular. 一 Mais um pouco à frente e estaremos lá!
一 Que maravilha, porque eu tô morrendo de fome! 一 Sorri animada antes de dar a partida.
Se eu dirigi por mais de quinze minutos, foi muito, tanto que me surpreendi ao me dar conta que estávamos perto da Universidade, mas mesmo assim não tinha ideia de onde ela queria ir ou se tinha algo legal por perto.
一 Temos que descer aqui. 一 Pulou animada. 一 Vamos a pé!
一 Onde estamos? 一 questionei após desligar o carro em uma rua pequena e abrir a porta.
一 Praça pôr do Sol! 一 Sorriu ao ver que havia alguns casais que estavam caminhando em direção ao local. 一 Um dos lugares favoritos dos casais.
一 Não sabia da existência desse local, porém imagino que a vista seja maravilhosa... 一 admiti enquanto pegava a cesta para depois bater a porta do carro e ligar o alarme. 一 Quer dizer então que ficaremos aqui para ver o Sol se pôr?
一 Exatamente! 一 Abriu um sorriso de orelha a orelha ao se aproximar de mim e pegar uma das alças. 一 Vamos!
Caminhamos por alguns minutos até chegarmos no centro da praça e fiquei surpresa com a vista que meus olhos estavam prestigiando. O local era aconchegante e tinha uma extensão coberta com um gramado que parecia bem cuidado para que as pessoas pudessem deitar e contemplar a vista, além da brisa e das sensações gostosas que aquele ambiente transmitia por si só.
一 Até que não está cheio... 一 comentei ao deixar a cesta no chão, vendo-a tirar um fino cobertor de casal de dentro dela, e rapidamente me prontifiquei para lhe ajudar.
一 Ainda... 一 Ela sorriu ajeitando tudo e se sentando. 一 Aos poucos vai enchendo, esse lugar é muito bom.
一 Percebi! 一 Ajeitei-me ao seu lado sorrindo ao vê-la toda contente. 一 Então, o que você fez de bom?
一 Ah! Eu perguntei para o Samuel qual era a sua comida favorita, mas ele me disse que você comeria até pedra se deixasse... 一 confessou segurando a risada e eu rolei os olhos enquanto a observava tirar alguns potes de dentro. 一 Então fiz uma torta, sanduíches, salada de frutas e brownies!
一 Caramba... 一 Um sorriso escapou dos meus lábios ao vê-la feliz daquela maneira. 一 Deve ter dado um trabalhão!
一 Não foi nada! 一 Seus olhos foram ao encontro dos meus e rapidamente senti um calor invadir meu corpo ao vê-la arrumar seus cabelos que pareciam dançar com o vento. 一 Agora vamos comer!
Stephanie e eu estávamos tendo um dia incrível, mesmo que às vezes eu fosse invadida por uma sensação estranha, provavelmente por conta do nervosismo. Nós conversamos sobre nossos cursos e consequentemente nossas pesquisas, falamos sobre nossos sonhos e objetivos, receios e medos e também sobre nós. Ela me deixava fora de órbita, o modo como ela enxergava tudo ao seu redor me intrigava e me fazia imaginar como que ela tinha essa áurea tão bela, mesmo tendo passado por coisas tão ruins, mas creio que aos poucos eu estava conseguindo entender.
Nós comemos bastante enquanto ouvíamos algumas músicas pela caixinha de som que ela trouxe, apreciando aquele dia e vendo aos poucos a praça se encher por mais alguns jovens casais que pareciam estar ansiosos pelo pôr do sol assim como a gente.
一 Samuel me disse que você é uma ótima cantora... 一 comentei com os olhos fechados, desfrutando do conforto do seu colo e tentando não pegar no sono pelo cafuné que ela fazia em meus cabelos. 一 Quando que você vai cantar pra mim? 一 Fitei-a esperançosa.
一 H-Hey! Não me olhe assim! 一 protestou me dando um tapa de leve no braço.
一 Ah, qual é! Eu gostaria de te ouvir um dia! 一 Acariciei sua mão. 一 A faculdade adora fazer festivais e feiras, um dia quero ver você se apresentar!
一 Acho que eu surtaria ao ver uma multidão! 一 Ela fitou o horizonte com um pequeno sorriso.
一 Bobagem... 一 Tentei lhe encorajar. 一 Eles seriam sortudos por poder te prestigiar e ver o quão maravilhosa e talentosa você é!
Stephanie buscou meus olhos e abriu um sorriso, como se quisesse me agradecer através deles.
一 Um dia quem sabe... 一 sussurrou antes de me roubar um selinho. 一 Falta meia hora para o pôr do sol...
一 É, acho que todos estão na expectativa! 一 falei ao me deitar de lado e observar a paisagem ao fundo que aos poucos ia transformando o céu azul em um tom mais alaranjado. 一 Olha! Tem um rapaz tocando violão ali! 一 Virei o corpo para poder encará-la e ela logo sorriu de nervoso por entender minhas intenções.
一 Clara, não inventa! 一 Stephanie repousou a mão no meu ombro.
一 Ah, por favor! 一 Fiz bico e juntei as mãos. 一 Só uma música!
一 Ai, meu Deus... 一 Ela revirou os olhos e balançou a cabeça, dando de ombros em seguida. 一 Uma parte só!
一 Isso! 一 Comemorei me sentando rapidamente. 一 Hey, moço! Moço!
Um rapaz moreno e de cabelos cacheados que até então estava em uma pequena rodinha de amigos um pouco mais abaixo de nós me olhou confuso, acompanhado por seus amigos. Ele não devia ser muito mais velho que eu e parecia ser alguém tranquilo pelo sorriso singelo que tinha.
一 Você pode me emprestar seu violão rapidinho? 一 perguntei esperançosa e ele logo se levantou trazendo o instrumento em mãos.
一 Você toca? 一 Ele parecia curioso ao entregar um violão branco pra ela que sorriu sem jeito.
一 Sim, e canto também... 一 Stephanie estava com as bochechas vermelhas, e acredito ter sido a primeira vez que a vi tímida assim. 一 Obrigada! 一 Sorriu pegando o violão e o ajeitando embaixo do braço enquanto o rapaz observava em pé, além de seus quatro amigos que também pareciam estar na expectativa.
Ela passou os dedos pelas cordas algumas vezes, como se estivesse estudando-as e tentando se conectar com o instrumento de alguma forma, ao mesmo tempo em que eu me sentava e cruzava minhas pernas a fim de contemplá-la. Percebi ela me olhar de canto e abrir um sorriso acanhado antes de tomar fôlego e de meus ouvidos serem envolvidos por uma melodia suave. Ela fechou os olhos e começou a cantarolar baixinho, mas em poucos segundos sua voz foi tomando força, assim como as batidas do meu coração que pareciam surtar com o que estava contemplando.
Stephanie estava cantando "I need you", do Reynard Silva, uma música calma e suave que fala de um rapaz que deseja alcançar o coração da garota por quem está apaixonado. Assim como a maneira que ela parecia totalmente conectada com aquela música, por milésimos de segundos, senti que ela cantava aquilo pra mim, pois não desviava os olhos dos meus, alternando momento ou outro para buscar as cordas, mas não ousou desviar de mim quando chegou a parte do refrão. Ela tocava de uma forma graciosa e eu não conseguia desviar os olhos dela nem por um instante, pois me encontrava completamente atraída. Tudo nela era fascinante, sua voz, sua postura, suas expressões, seu dom de encantar e, é claro, seu sorriso, que nunca deixava de perder o brilho. E que com o passar do tempo tornava-se cada vez mais elegante e me deixava mais envolvida, com os batimentos acelerados, fazendo-me perder o ar cada vez que ela fazia questão de checar se eu estava ali.
Fiquei perdida no tempo enquanto deixava com que sua voz invadisse meu corpo ao entorpecê-lo, relaxando cada parte dele, envolvendo meu ser por completo em um véu de prazer. Por mais que eu estivesse feliz em como ela tem se tornado uma mulher mais forte e segura de si, às vezes penso que na realidade quem mais tem amadurecido sou eu, e por conta dela, e se tem uma coisa que eu nunca fui de fazer é mudar por alguém, ainda mais por livre e espontânea vontade.
Olhei ao nosso redor e pude perceber que todos estavam a observando com um sorriso nos lábios, absolutamente encantados e fascinados com seu dom, e rapidamente uma onda de orgulho invadiu meu peito, que só aumentou quando ela atingiu uma nota mais alta antes de finalizar alguns instantes depois, ainda dentro de seu próprio mundo, com os olhos fechados e um sorriso singelo. Após ela abrir os olhos lentamente e me fitar, comecei a bater palmas, vendo-a surpresa ao perceber que todos me acompanhavam.
一 Uau! Você é incrível! 一 exclamou o dono do violão estendendo a mão para lhe cumprimentar. 一 Meus parabéns!
一 O-Obrigada! 一 disse ela sem graça e com as bochechas ruborizadas, já que sua pele era quase no mesmo tom que a minha. 一 Seu violão é lindo!
一 Não foi nada! E eu agradeço, ele tem sido meu fiel companheiro desde que me entendo por gente. 一 respondeu pegando-o de volta. 一 Sua namorada deve estar orgulhosa, não tirava os olhos de você! 一 comentou com um sorriso no rosto antes de se despedir e voltar para o seu grupo, deixando nós duas envergonhadas para trás.
一 Não acredito que você me fez cantar em público! 一 Ela deu um tapa na minha coxa. 一 Que vergonha!
一 Que mané vergonha o quê! Você foi incrível, todo mundo adorou! 一 Sorri ao me aproximar e envolvê-la em meus braços por trás, onde ela escondeu sua cabeça entre meu pescoço. 一 Tô orgulhosa de você... 一 Acariciei suas costas.
一 É a primeira vez que escuto alguém dizer isso pra mim...
Eu a fitei por alguns instantes e não pude deixar de me emocionar ao ver que ela se encontrava com os olhos fechados e com um lindo sorriso no rosto.
一 Pois quero que saiba que eu sempre te admirei. 一 Suspirei fundo antes de a abraçar com um pouco mais de firmeza. 一 Perdi as contas de quantas vezes me perguntei como você conseguia sorrir perante todas as coisas que passou e ainda passa, eu não conseguia entender e confesso que ainda não entendo...
Stephanie virou o rosto para o lado e eu acompanhei o trajeto que seus olhos percorriam, até me dar conta de que o Sol já estava se pondo, deixando o céu em um tom mais alaranjado, sendo envolvido pelas nuvens que pareciam estar em um tipo de contraste 3D de tão ressaltadas que pareciam perante todos nós.
一 Sorrir sempre foi a alternativa que encontrei para combater aquilo que queria me ferir... 一 Ela soltou um suspiro pesado antes de tomar fôlego. 一 A gente não pode evitar que coisas ruins aconteçam com a gente, pois são elas que nos deixam mais fortes, e sei que a frase parece clichê, mas é a realidade. Eu prefiro enfrentar o mundo com um sorriso no rosto do que ter raiva de tudo e não conseguir dar valor às pequenas coisas que fazem meu coração entrar em arritmia e a adrenalina percorrer pelas minhas veias, senão... Qual seria o sentido de viver? 一 Ela voltou a pregar seus olhos nos meus de uma forma que eu jamais havia visto antes.
Stephanie conseguiu me deixar sem palavras mais uma vez, e a sensação que tive era como se eu tivesse acabado de levar um soco no estômago, fazendo-me pensar nas coisas que deixei de valorizar porque estava muito ocupada lamentando pelo meu passado. Definitivamente eu precisava começar a dar relevância para tudo que está acontecendo ao meu redor, sem ter tanto medo do amanhã e daquilo que meu subconsciente adorava projetar em minha mente toda noite antes de dormir, é, sem dúvidas, eu havia aprendido algo muito valioso hoje.
一 Que foi? 一 ela perguntou inclinando a cabeça para o lado, tirando-me dos meus devaneios.
一 Nada... 一 Deixei escapar um riso ao passar meus dedos pela sua longa franja com um pequeno sorriso ladino. 一 Talvez o destino quisesse que eu te encontrasse mesmo.
Stephanie piscou, ainda me olhando com uma expressão confusa.
一 Pensei que não acreditasse em destino... 一 Seus olhos pareciam procurar respostas nos meus.
一 Eu retiro o que disse. 一 proferi antes de levar minha mão ao seu rosto e trazer seus lábios até os meus.
E contemplando aquele lindo pôr do Sol eu a beijei de uma forma completamente diferente comparada às outras vezes. Sentia em meu coração que o que estávamos tendo aqui não era algo que eu desejava ser passageiro ou momentâneo, não queria cogitar um fim, não queria vê-la em outros braços ou beijando outros lábios que não fossem os meus e, definitivamente, não queria que ela acordasse todos os dias e direcionasse seu sorriso que fazia minhas pernas fraquejarem para outra pessoa que não fosse eu. Sendo assim, a matemática aqui era simples, eu não queria perdê-la. Posso não compreender ainda o que realmente significa amar alguém, mas se a sensação de sentir como se fogos de artifícios estivessem saindo do meu peito fosse algo parecido, então eu não me importava em senti-los todos os dias.
Afastei-me dela um tempo depois e não pude deixar de rir ao vê-la com o rosto vermelho, já que normalmente eu que era a mais envergonhada.
一 Parece que você não é tão durona assim, não é mesmo? 一 brinquei ao beliscar seu nariz.
一 Vai ter volta! 一 respondeu astuta ao arquear uma sobrancelha antes de se aconchegar entre as minhas pernas e buscar meus braços, envolvendo-os em sua cintura.
Presenciar esse efeito da natureza me fez pensar no quanto os olhos dela durante o dia tinham o mesmo efeito que o Sol ao se pôr, tão brilhantes, aconchegantes e belos, enquanto à noite eles cintilavam mais do que todas as constelações juntas que se escondiam sob o céu de São Paulo. Apoiei minha cabeça na sua e ali fiquei, de olhos fechados, apenas sentindo meu coração bater forte contra seu corpo, apreciando o vento gélido batendo em meu rosto, bagunçando nossos cabelos e fazendo com que seu perfume me envolvesse com seu doce aroma de rosas, até a hora em que o Sol finalmente se escondeu e a noite chegou, e junto dela a nossa vontade de ir embora, já que logo Samuel estaria em casa. Sem dúvida, esse dia tinha sido incrível, e acho que deveríamos fazer isso mais vezes. Ah, sim, com toda certeza deveríamos.
Fim do capítulo
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