1. O pirata metropolitano
Era uma vez um mar bravo infestado de piratas que não sabiam remar. Ou nadar. Sabiam ancorar e desancorar, se preciso, guerrear, mas ainda não dominavam o manejo do leme, do vento, confundiam bombordo com estibordo e eram românticos demais para mapearem o céu e aí avançavam pouco, além de onde todos já haviam chegado. E tudo foi assim por anos, e ninguém sabia ser diferente porque achavam que inovar os poria de alguma forma diante de algum risco, expostos a perigos ainda mais temíveis que as sereias do mar avançado, ou aos peixes das histórias que comiam gente como se tivessem dentinhos de humano crescido. Até a chegada de Navegantes, que já nasceu com nome no plural.
Desde menino o menino com nome de adulto queria saber o que havia lá. Além da linha que seu olho o convencia que existia, no horizonte. Haveria mais água? Terra? Histórias novas para desbravar, sabia que existiam, sentia, e Navegantes nasceu para ser marujo, capitão, mas só poderia ser pirata, então pirata foi.
Dotado de uma capacidade incrível de boiar, e de não sentir medo de tempestades em alto-mar, Navegantes navegou por dias, e noites, e foram muitas madrugadas avançando, mar adentro, longe das bordas. Minúsculo naquela vastidão de águas salgadas e onduladas, solitário com seus pensamentos, anos a fio. Se fosse em outra época ele tiraria proveito da experiência, viraria coach, palestrante, ficaria rico no Youtube. E ele mirou nisso. Na era do conhecimento. Da comunicação fácil. Achou que 2021 era futuro e zarpou.
As histórias de pirata nunca contam as histórias das famílias dos piratas, dos que ficam em terra, cientes de que aqueles que embarcam são seres do mundo, cidadãos de suas jornadas. Navegantes não deixou saudades. As pessoas o amavam, lembravam dele do aniversário, mas tem filho que nasce desgarrado, o que se pode fazer? Trabalhamos o desapego desde épocas que não tínhamos o conceito da coisa.
Dizem que quando chegou aqui, Navegantes de imediato abandonou o tapa-olho que usava só de charme, porque era de costume, parte do traje, e adotou a máscara usada pelas pessoas de bom senso. Soube que há vários mundos, no mundo, inclusive no sentido de que algumas pessoas enxergam por óticas distorcidas, por uma lente torta que os deixa igualmente tortos, num mundo à parte, quase paralelo – surreal.
Hoje em dia ele é visto no semáforo, carrega um papelão escrito à mão onde se diz pirata, que sente fome. As pessoas ajudam porque acham graça. Antes da pandemia até paravam, tiravam foto (quase uma atração turística). Navegantes é acessível, acha graça, afirma saber com quantos paus se faz uma jangada.
Um dia alguém descobre ele.
Fim do capítulo
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