Gabriela

As horas não passavam desde que minha morena foi embora sem nem me olhar na cara!

- Você acha o que Gabi?! – a voz da Letícia cortou meus preocupados pensamentos – Gabi?

Olhei confusa para as duas mulheres diante de mim e engoli em seco.

- Meninas – resolvi assumir minha impossibilidade – Sinto muito mesmo, mas não consigo me concentrar...

- Essa falta de concentração tem nome? – Letícia erguendo a sobrancelha em questionamento.

Pietra pousando a caneta sobre os documentos à sua frente encarou-me pensativa.

- Está tudo bem entre você e a Andréia? – perguntou encarando-me – Ela, de repente parecia querer fugir daqui! Até o apetite de cão que possui morreu, ela não tocou no lanche, perceberam?

Desviei os olhos culpada, porque eu imaginava o que deixou minha morena triste...

- Tutto bene, si – respondi nervosa esquecendo-me do português – Andréia è molto impulsiva! Cabeça quente como dizem vocês.

- Verdade! – Leti falou – Mas sua reação hoje foi muito estranha...

- Quer conversar? – Pietra – Talvez possamos ajudar.

Quando eu ia abrir a boca, Bianca abriu a porta sorrindo e chamando pra o almoço, todos nos esperavam à mesa posta.

Isso nos fez interromper a conversa e a seguirmos. Fiquei olhando os cuidados da Pietra com minha amiga. A mulher se derretia toda com a “cunhada” e Bianca não agia diferente. Era toda sorrisos e paparicos com a irmã do seu marido... Lhe serviu primeiro e estava sempre atenta às necessidades da outra que a olhava encantada. Percebi que em determinado momento o Matteo franziu o cenho observando a interação das duas e balançou a cabeça como se lançasse alguma suspeita fora.

Após o almoço retornamos ao escritório, pois precisávamos ajustar acertos para o haras e a compra de cavalos puro sangue pra reprodução. Eu, com esforço conseguir traçar planos pra nosso grandioso projeto envolvendo criação de caprinos e para o melhor cuidado das vacas leiteiras da fazenda pra aumentarmos a produção de leite e queijos pra começarmos a vender para todo país. Saímos da reunião às 17h50min; o sol lindo começava a se despedir. Deixei Matteo e minha mãe em casa e, antes de ligar o carro pra voltar ao chalé, consultei o celular pela enésima vez no dia buscando uma ligação da Déia e nada encontrei. Chateada acelerei, freando bruscamente em frente a casa.

As luzes estavam acesas. Entrei e me dirigi ao escritório, sem me anunciar escancarei a porta e fiquei estupefata com a cena que via: Andréia sorria, em uma vídeo chamada, para uma ruiva!  um maldito sorriso de comercial de pasta dental. Meus ouvidos queimavam ouvindo a conversa alegrinha entre as duas.

- Eva – dizia a disgraciata toda sensual, sem perceber a minha presença na porta – foi um prazer fazer negócios contigo, como sempre.

- Andréia, o prazer sempre é meu – a mulher oferecida – Lamentável que não tenha vindo pessoalmente desta vez, amei a última vez que viestes... Aquela noite na boate foi espetacular! Tâmara até hoje lembra do final da noite.

Ambas gargalharam certamente lembrando-se da tal noite. Eu fervia de raiva misturada no ciúme do mundo todo que me afogava; segurei-me no umbral da porta pra não entrar e jogar aquele notebook pela janela e a dona dele também.

- Eva, manda beijos pra Tâmara – la  fuorilegge falava alegre – Infelizmente, estamos abafadas com os trabalhos de sempre e ainda novos projetos que estamos desenvolvendo e dos quais terá noticias em breve e não pude me ausentar; mas, quando puder, faremos aquela farra de novo, ok?!

- Novos projetos? – a mulher sorrindo mais ainda e enviando uma piscadela – Não ouse me deixar de fora, amo ser sua “parceira.” E anotei sua promessa: assim que puder faremos aquela farra mais uma vez... Então, até mais lindona! Beijos.

- Até mais! – Andréia soprando outro beijo pra infeliz ruiva – Beijinhos!

Comecei a aplaudir aquele espetáculo que presenciara, fazendo a morena se dar conta de minha presença!

Ela olhou-me surpresa e assustada inicialmente, porém de imediato, vi seu queixo empinar e ela deu-me um olhar frio voltando sua atenção a papelada em sua frente ignorando-me.

- Estou ocupada agora! – deliberou fria me despachando.

- Aguardo terminar! – disse marchando pra dentro da sala e assentando-me na cadeira à sua frente.

- Vou demorar – caustica – Te aconselho a não esperar.

- Dispenso seu conselho – retruquei ácida ironizando sua conversinha com a ruiva– Esperarei o tempo que for necessário, mas iremos conversar ainda hoje, “lindona!”

Ela ergueu uma sobrancelha em sinal de insatisfação e eu cruzei os braços afundando na cadeira com determinação.

Meia hora depois de solenemente me ignorar, Déia se levantou saindo do escritório e eu indignada quase corri atrás da disgraziata, já que dava passos apressados e largos com aquelas pernas longas. Ela passou pela porta esperando ao lado a minha saída, trancou a porta e caminhou pra casa onde entrou como se não ligasse se eu a seguisse ou não.

Eu fervia de raiva e parei no meio da sala vendo ir até o bar e encher o copo de uísque encostando-se na parede.

- E então? – indagou sorvendo calmamente a bebida – Onde tem o incêndio, que não pode ficar pra outro dia eu apagar?

- Eu que pergunto! – esbravejei perdendo o pouco de controle que me sobrava – Você saiu sem se despedir, não atendeu uma das mil ligações que lhe fiz ao longo deste maledetto dia e ainda lhe encontro de conversa fiada com uma mulher numa chamada de vídeo que deveria ser de trabalho! Então io pergunto: Che cosa sta succedendo, Andréia?

- Quem quer saber o que está acontecendo sou eu Gabriela! – Andréia vociferou sem mover-se da parede onde se escorava – O que foi aquilo na casa de Pietra? Se afastou de mim diante das pessoas como se eu tivesse uma doença contagiosa. Tem vergonha de mim, por ser negra ou medo da opinião alheia por estar namorando uma mulher?!

Engoli em seco ao ouvir aquela tolice de cor! Caminhei até ela e tentei lhe tocar o rosto, mas ela esquivou-se. Deixei cair o braço ao lado do corpo magoada.

-Non sono razzista  Déia – falei calmamente embora muito magoada por ela pensar tal possibilidade – Nunca tive preconceitos de cor, acho sua pele bellissima!

- Se não é esse o preconceito, certamente é o outro sinalizado!! – Ela afirmou passando por mim num rompante dirigindo-se a porta de saída, escancarando– Não quer que saibam que está relacionando-se com outra mulher! Eu já passei por isso algumas vezes e jurei não mais passar. Assim, peço que vá embora...

- Eu não tenho vergonha disto – balbuciei com o coração na boca de medo – Está mesmo me pondo pra fora de sua casa?

- Da casa e da minha vida! – Ela dura evitando meu olhar – Não preciso e nem quero passar por isso! Não vou ser acariciada entre quatro paredes e empurrada pra debaixo do tapete sempre que estivermos diante da sociedade, dos teus amigos e parentes. Eu... eu nem sabia que ansiava por isso, mas quero uma relação séria. Quero ter alguém pra chamar de minha, ter uma família...

Sua voz quebrou e as lágrimas encheram-lhe os olhos.

- Pensei que esse alguém seria você – suspirou agoniada – Mas o que vivi hoje mostrou que me enganei, não encontrei ainda. Mas, vou encontrar alguém que me queira, não se envergonhe de querer a mim, outra mulher... Que tenha orgulho de me apresentar a sua mãe e ao homem que considera um pai como pensei que você faria. Mas, agora me dou conta que em todas as vezes que nos encontramos com eles, você se afasta e age como se fôssemos apenas conhecidas.

- Não é assim... – fracamente tentei dissuadi-la, mas me dando conta que era assim mesmo que eu agia – Eles ainda não estão prontos pra uma notícia assim! Eles são tradicionais, vivem me perguntando quando vou assentar e lhes dar netos.

- E como vai ser? – Andréia exasperada – Vai esconder nossa relação pra sempre?

- Um dia, no futuro podemos contar e...

- Saia – ordenou controlada – Saia agora!

- Me escuta – toquei seu braço e ela recuou – Não seja tão radical, não estou dizendo que não contarei, estou pedindo pra deixar isso pra o futuro...

- Não me faça de tola! – gritou em minha cara – Nem você mesma acredita neste: “no futuro.” Foi melhor assim, no inicio que dói menos! Vou superar isso logo, logo...

Minha mente ferveu de despeito!

- Vai superar logo se relacionando com a Eva e com a outra qualquer? – gritei invadindo o seu espaço pessoal – Pensa que não ouvi sua conversa descarada com sua parceira comercial e sexual? É isso Andréia?

- Isso não lhe diz respeito! – retrucou encarando-me com raiva – Elas pelo menos não têm medo do julgamento alheio, ficam comigo sem ter vergonha disto! Assim, é uma opção sim,  voltar a me relacionar com a ruiva, a morena ou as loiras que me queiram.

Antes que eu pensasse no que fazia, espalmei a mão com força no rosto dela!

Andréia virou o rosto com a bofetada e fechou os olhos como se buscasse controle pra não descontar. Voltou-se vagarosamente me encarando e falou entredentes:

- Retire-se da minha casa e da minha vida agora, antes que eu faça uma besteira!

Eu estava enlouquecida de pavor de perdê-la; o ciúme me fez cometer a mais condenável besteira: agredir a mulher que mandava em meu coração. Sai daquele estupor e me joguei em seus braços grudando-me nela.

- Scusa ragazza – implorei chorando enquanto ela tentava desvencilhar-se de mim – Eu não posso te perder Déia! Desculpa meu destempero, essa agressão... E-Eu não queria fazer isto, mas não suportei ouvir você dizer que ia se entregar a outras. E-Eu sei que errei, te tratei com indiferença... Me dá mais uma chance amore! Per favore...

- Vai embora, Gabriela – Andréia se afastando – Depois conversamos, agora não...

- Promete? – desesperada segurei-lhe o queixo – Promete que conversamos amanhã?

Ela olhou-me muito triste e acenou concordando. Tomei seus lábios num beijo apaixonado que ela inicialmente correspondeu, mas de repente, afastou-se quebrando o contato dando-me as costas.

- Boa noite Gabriela! – falou com voz chorosa.

Aos prantos sai da casa correndo pra o chalé onde me lancei na cama desolada enquanto balbuciava em desespero:

- O que eu fiz, Dio mio?! Ajuda-me Senhor, a não perder minha morena!

Enquanto isso na casa de Pietra...

Fim do capítulo