Quando entrei em casa, já na porta senti o cheiro de cigarro, Cris estava na sala vendo televisão, um cinzeiro do lado cheio de bitucas e tomando cerveja. Fui até a cozinha e tinha uma pilha imensa de louça suja, pratos, várias xícaras, talhares...O fogão estava sujo, o chão grudando de tanta sujeira. Respirei fundo, troquei de roupa e limpei tudo, não ficou nada fora do lugar.

Tomei um banho e fui para o escritório, depois de muito tentar, consegui falar com Helena.

- Saudades Má, como você tá?

- Bem e você?.

- Finalizando algumas coisas contando os dias para minhas férias. E sua amiga?

 Suspirei desanimada, contei sobre tudo, inclusive a viagem que Silvinha faria.

- Vocês precisam entender o lado dela, a Silvia está aproveitando o quanto pode, essa doença é muito cruel, não a levem a mal e sempre apoiem as decisões dela, por mais que não concordem.

- Você tem razão, mas é tão difícil vê-la nesse sofrimento.

- Sinto muito Má, se eu puder ajudar, é só me dizer.

- Obrigada Helena.

- Conte as novidades do trabalho, da sua casa, da sua vida...

Falei de tudo, da decisão em terminar o casamento, da minha promoção no trabalho.

- Poxa que legal, fico feliz por você ...Helena deu um suspiro e prosseguiu:

-  Má sei que piso na bola, sou intempestiva, mas gosto muito de você...Até mais do que deveria.

Prendi a respiração, como assim ela gosta de mim?

- Também gosto muito de você. – Respondi bobamente.

Helena deu uma risada gostosa, continuou:

- Sério Má, é difícil de admitir, mas você é muito importante pra mim, sempre que nós conversamos, me sinto leve, esqueço dos problemas...Você tem o dom de me fazer sorrir nos piores momentos.

- Nossa Helena, nem sei o que dizer.

- A verdade é que tenho medo de me envolver, já fui muito machucada e por isso criei essa casca, mas por dentro sou um doce, acredite.

Dei risada da última frase e pensei:

“Um docinho de limão.”

- Eu acredito, só você sabe das dores que passou...

- Mas não tenho o direito de descontar em você ou qualquer outra pessoa, hoje mesmo minha assistente pediu demissão.

- A Luciana?

- Ela mesmo, disse que cansou de levar patadas o dia todo.

Fiquei muda, mas desde que conheço Helena, ela já teve umas três assistentes, todas pediram demissão, por não aguentar seu temperamento forte.

- É isso Má, preciso mudar tem temperamento ou vou acabar afastando as pessoas que eu gosto.

- Já pensou em voltar para terapia?

- Já sim, tenho consulta em janeiro com um psiquiatra e com minha terapeuta também.

- Faz muito bem.

Ficamos em silêncio por um tempo, até que perguntei:

- Quando podemos marcar alguma coisa?

- Vou ficar no litoral até o dia quatro de janeiro, podemos jantar no dia que voltar, o que você acha?

- Vou marcar aqui, mas dessa vez não pense em fugir. – Disse brincando.

- Claro que não, tudo o que não desejo é fugir de você.

Ainda bem que Helena não podia me ver, senti minha pele pegando fogo. Nos despedimos e sentei na cadeira, há muito tempo não tinha uma conversa tão leve como essa com Helena, ela estava serena, parecia sincera em suas palavras...Vamos aguardar.

Antes de ir dormir, fui até o quarto e falei umas verdades para Cris, deixei claro que ela tinha obrigação de ajudar nas tarefas de casa, avisei que não ia tolerar cheiro de cigarro dentro de casa, ela que fumasse na rua, na sacada, em qualquer lugar, menos dentro de casa. Claro que ela surtou, disse que eu era folgada, que a tratava como empregada, que não dava atenção e sabia que ia passar o Natal sozinha, quis chorar...Foi um show completo.

- Cris para de drama, a Silvinha faz questão da sua presença na ceia de natal, mas pelo amor de Deus, não leve esse cigarro.

- Não vou levar, que saco Duda!

- Amanhã vou atrás de advogado para dar entrada no divórcio...

- Apressada hein? Quem é a outra. Aposto na sonsa da Lara.

Dei um sorriso dos mais debochados e falei:

- Vai à merd* Cris!

Bati a porta e deixei ela esbravejando no quarto, deitei no sofá e logo peguei no sono.

A semana foi produtiva, com a ajuda da Bia, consegui uma ótima advogada, doutora Lucélia Barros e foi dada entrada no pedido de divórcio, como casamos em regime de total separação de bens, segundo ela, o processo seria rápido e se Cris colaborasse, seria tranquilo também.

Nessa semana fui à ONG e me desculpei com Laís pela minha saída do jantar sem se despedir de ninguém.

- Não há culpo, meu genro fez do palco um palanque eleitoral.

Estávamos na sala dela e tomávamos um delicioso café, acompanhado de bolo de baunilha.

- Como assim palanque?

- Ele tem pretensões políticas, disse que nas próximas eleições vai sair candidato à deputado federal. Tenho medo sabe? Ele tem ideias bem arcaicas, mas uma boa lábia, sabe levar as pessoas na conversa, capaz de ganhar.

- Meu voto ele não tem.

- Nem meu e nem da Marina, minha filha não gostou nada do que ele fez na festa.

“Duvido, estava bem empolgada com o beijo.”

- Pessoas como ele, com ideias tão retrógadas, muitas vezes conseguem arrebanhar muitos seguidores.

- Torço para que isso não aconteça, não imagino Marina esposa de um parlamentar ultraconservador.

Mudamos de assunto, pois falar de César não era nada agradável, consegui com Laís o telefone de Janine, quando ia saindo Marina chegou:

- Como vai Marina ? Vim aqui me desculpar com sua mãe pela forma como saí da festa e pegar o contato da DJ.

- Estou bem, confesso que também fiquei curiosa por você ter fugido.

- Ei não fugi, é que...que...

Droga não soube o que responder, não podia dizer que estava levemente enciumada.

- Já era tarde filha e o César não parava de falar. – Laís me salvou.

- Foi isso Duda? Marina me olhava com expectativa.

- Si...Sim...Me preparei pra sair, logo depois do discurso da sua mãe, mas aí seu marido pegou o microfone.

- O César é inconveniente às vezes.

“Inconveniente é pouco.”

Conversamos mais um pouco, e me despedi das duas, deixei Marina com uma carinha tão desanimada, queria ficar, mas precisava trabalhar.

Logo que cheguei fui a sala de Lara e entreguei o telefone.

- O que é isso?

- O telefone da Janine, agora para de besteira e ligue pra ela, tenho certeza de que ela está ansiosa esperando por um contato seu.

- Ela nem deve se lembrar de mim. – Disse desanimada.

- Qual é Lara ? Você é a maior gata, gostosa pra caramba, que medo é esse?

Lara me olhava divertida.

- Já disse sou velha demais pra ela.

- Para de besteira, você é linda e muito delícia...Tem noção do quanto é gostosa?

- Dudinha assim eu acredito, pare viu?

- Mas é verdade e questão de idade não tem nada a ver, você sempre me disso isso.

- Eu sei, mas acho Janine muito areia pro meu caminhão.

- Deixa de besteira, liga ou eu ligo. Disse olhando para o papel jogado na mesa.

Lara guardou o papel e falou:

- Vou pensar, mas agora me deixe trabalhar.

Fui até a cadeira dela, me abaixei e fiquei na altura de seu rosto, Lara prendeu a respiração e eu a puxei para um beijo, que prontamente foi recusado.

- Tá maluca Duda?

Dei uma gargalhada e respondi:

- Você está mesmo afim da Janine.

Lara não respondeu, ficou me olhando vermelha feito um pimentão.

- Deixa de bobagem, liga e conversa com ela. Você merece.

Fui até Lara e sem ela esperar, dei um selinho e saí correndo.

Os dias passaram voando, nesse meio tempo estreitei meu laço com Helena e acabei me afastando de Marina, não que paramos de conversar, mas as mensagens eram mais formais, a convidei algumas vezes para um café e ela educadamente recusou, César estava de férias e não dava muita abertura para conversamos, questionei se não pretendiam viajar, mas ela disse que não mas  passariam o ano novo em Fernando de Noronha.

Lara ainda não tinha ligado para Janine e percebi que ela estava gostando mesmo da DJ, a chamei para uma conversa, e perguntou o motivo de não ter ainda ligado.

- Medo da rejeição, Duda passei anos esperando uma chance de sua parte, mas você sequer me olhava, sempre deixou muito claro, que eu era sua amiga... Quando conheci a Janine, primeiro ficamos conversando, achei ela inteligente, linda e bem humorada. Ela me perguntou se você era minha namorada e eu disse que não e foi a primeira vez que disse isso sem pesar, foi quando ela me puxou para um beijo, naquele momento só pensava nela, em quanto era bom...Aí ela teve que sair e pediu pra falar com ela depois, só que viemos embora antes.

- Desculpa Lara, é culpa minha! Daqui o telefone, eu ligo pra ela e me desculpo.

- Que isso Dudinha, não se preocupe.

Por mais que insistisse, Lara se recusou a passar o número, fiquei chateada e pensei em como resolver essa questão.

Por intermédio de Flavinha, descobri a casa noturna onde Janine trabalhava e na sexta-feira arrastei Lara pra lá, quando chegamos, falei que ia pegar uma bebida e fui atrás da DJ, depois de muito esforço consegui que ela me notasse e falei rapidamente de Lara, ela ficou animada e disse que daria um jeito de descer, pediu que eu levasse minha amiga, atrás do palco. Arrastei Lara até lá, ela reclamou, esbravejou, mas quando viu Janine descendo as escadas, ficou toda boba. Saí de fininho e deixei as duas conversando. Fui direto pra casa, o dia seguinte era véspera de natal e tinha muita coisa para fazer.

Fim do capítulo