Capitulo 5 - O treino
Naomi
Segunda, 5:50 da manhã, já estava no parque Ibirapuera esperando por Isabela. Meu corpo ainda estava pesado, fui dormir mais tarde do que deveria no domingo. Curvei as costas levando os dedos das mãos até encostar sobre os meus pés, precisava alongar bem para soltar meu corpo. Um tempo naquela posição e já sentia um relaxamento incrível na região lombar. Esperaria mais alguns segundos para retornar quando sinto uma mão quente pressionando levemente minhas costas e uma voz aveludada próxima ao meu ouvido.
- Precisa baixar mais. - falou Isabela com um sorriso lindo nos lábios.
Seus olhos estavam mais fechados do que costumava lembrar, devido ao horário da manhã, possivelmente. Mesmo com cara de sono era impossível deixar de notar a beleza daquela mulher. Retribuí o sorriso e endireitei meu corpo vagarosamente. Aproximei-me dela e beijei sua face rapidamente, enquanto Isabela prontamente levou a mão até minhas costas fazendo um leve afago. Aquela atitude dela, aparentemente despretensiosa, me deixou encabulada.
- Que carinha de sono. - falei puxando assunto.
- Estudei até tarde. Deveria ter dormido mais cedo.
- Eu também, mas nem sempre é possível, né.
Ela assentiu com a cabeça ainda me encarando com um olhar, digamos, acanhador. Sim, ela me deixava acanhada, um pouco nervosa. Continuei me alongando sem saber muito bem o que conversar com ela, afinal, mal nos conhecíamos.
- Você veio de carro? - perguntou ela.
- Sim.
- Posso deixar as minhas coisas no seu enquanto treinamos? Estou sem carro. Na sexta deixei na revisão e só pegarei hoje no final da tarde.
- Claro, vamos lá.
Imediatamente parei o meu alongamento e seguimos caminhando de forma lenta até o meu carro. Não estava longe de onde estávamos, mas foi tempo suficiente para se instalar um silêncio um pouco constrangedor, pelo menos para mim. Percebi que ela estava com duas mochilas, então aproveitei a oportunidade para puxar assunto e quebrar aquela tensão que eu não sabia explicar.
- Porque você veio treinar com tanta coisa? - perguntei de forma divertida. Ela riu.
- Saindo daqui vou direto para o estágio. Então trouxe coisas para tomar um banho rápido quando chegar lá. E depois ainda vou para a universidade, então preciso andar carregada.
- Realmente, precisa mesmo.
- Você faz medicina, né?
- Sim. Viu no Instagram? - perguntou com um sorriso nos lábios. Ela queria saber se a havia investigado.
- Sim. Sou curiosa. Olhei mesmo. - Ela riu alto.
- Que bom. Também olhei o seu e gostei. Realmente inspirador.- brincou, possivelmente relembrando a conversa sobre as publicações de treinos.
Apenas ri e balancei a cabeça. Fiz mais um alongamento, enquanto ela soltou os cabelos e amarrou melhor antes de iniciarmos. Arrancou a regata e enfiou parcialmente dentro do short, ficando apenas de top. A barriga era sarada, tinha linhas de músculos bem delineadas, mas suaves, extremamente feminina. A cintura era fina e parecia firme ao toque. Segundos após esse pensamento me repreendi, mas foi inevitável. Que Fernanda me perdoe, mas não sou cega, era uma loira e tanto.
Começamos a corrida em um ritmo mais lento para os nossos corpos aquecerem. Seguimos naquele ritmo por dois quilômetros e depois disso começamos a estabelecer um aumento progressivo na velocidade das nossas passadas. Os nossos treinos para aquele dia eram parecidos e constatar isso durante o treino me fez lembrar do dia que ela mentiu que ainda teria mais quilômetros a percorrer para me acompanhar até o final do treino. Não sei se seria uma boa ideia perguntar porque ela fez aquilo, mas estava morrendo de curiosidade. Por outro lado, dependendo do teor da sua resposta, fazer esta pergunta poderia me colocar em caminhos perigosos.
- Porque você mentiu no outro dia sobre o seu treino? - perguntei em um fôlego só. Ela me encarou e pareceu mais vermelha ainda. Mordeu o lábio. Parecia sem graça.
- Queria correr com você por mais tempo.
- Poderia só ter falado a verdade.
- Poderia, mas você não acharia estranho? Não está achando agora e por isso fez essa pergunta?
- É, sim. No mínimo, inusitado. Não é todo dia que as pessoas mentem para ter a minha companhia durante uma corrida. resolvi brincar com a situação.
- Ah é. Gente, sinto que contribuí para o aumento de um ego talvez já bem inflado. Uma grande inspiração.
Gargalhamos juntas.
- Porque acha que tenho o ego inflado?
- Fiz umas pesquisas bem intensas e prolongadas no Insta, já consegui desenhar o seu perfil e, se quiser, tenho até uns gráficos para te mostrar. O resultado tem baixíssima margem de erro. - fez graça e me olhou por mais tempo. Parecia decidida a fazer provocações.
- Futura médica, analista de perfil comportamental e estatística, é isso mesmo? - ela riu alto com o comentário.
- Posso ser isso tudo e mais tudo o que eu quiser.
- Sou eu mesma que tenho o ego inflado. Ah esqueci, você faz medicina, é pré-requisito né?
- Para outras pessoas pode ser. Não é o meu caso, garanto pra você.
Isabela respondeu a pergunta com um tom mais sério e talvez um pouco triste. Realmente estranha a mudança repentina com uma única pergunta. Não tinha intenção de ofendê-la, mas talvez tenha exagerado na fala um tanto crítica jogada a pessoas que escolhem essa profissão.
- Desculpe se exagerei, era para ser uma brincadeira. - Ela me encarou e sorriu. Dessa vez não foi aquele sorriso grande e iluminado que ela costumava usar e abusar.
-Não. Tá tudo bem. Eu sei que médicos tem o ego inflado e nem todos são pessoas decentes. É que tocar no assunto me faz lembrar o motivo de ter escolhido a medicina e algumas lembranças tristes voltam com tudo.- respondeu respirando fundo e olhando para o chão.
- Desculpa mesmo. Não vou dizer que não fiquei curiosa com esse comentário, mas não vou perguntar nada a respeito. Não temos essa intimidade.
- Tá tudo bem. Uma hora eu te conto, quando tivermos mais intimidade e você tiver tempo, porque a história é longa e eu costumo falar muito. - sorriu parecendo agora mais tímida.
- Combinado. - respondi apenas. O assunto parecia delicado.
Continuamos a corrida por mais uns 40 minutos, fechando o percurso de 11 km. Assim que terminamos, sentamos embaixo de uma árvore para descansar, enquanto nos hidratamos. Ela me olhava de canto de olhos, mas nada dizia. Começou a mexer no celular e eu, sem saber o que fazer ou falar, fechei meus olhos e encostei a cabeça na árvore. Estava começando a ficar mais quente e meu corpo estava fervendo. Esperava que alguns minutos naquela posição acalmassem meus batimentos e reduzissem minha temperatura corporal.
As pessoas já lotavam o parque naquela hora. Isabela continuou em silêncio concentrada no celular e em observar as pessoas que passavam correndo por nós. O céu estava azul, o sol brilhando, o dia estava lindo e embaixo daquela árvore batia um vento fresco e gostoso. O barulho dos pássaros, dos galhos balançando e das passadas das pessoas no asfalto tomava conta do lugar. Era relaxante. Adoraria ficar mais tempo naquela posição, mas ainda precisava voltar para casa, tomar um banho e partir para o trabalho.
- Estou indo embora, senão vou me atrasar para o trabalho.
- Ok. Vou pegar as minhas coisas. Adorei a companhia de corrida. Foi muito bom.
- Também gostei, não costumo correr com o pessoal do grupo. Geralmente faço a maioria dos treinos sozinha, no máximo, passo rapidamente na tenda.
- Talvez por isso nunca nos vimos antes. - falou Isabela me encarando enquanto caminhávamos em direção ao carro.
- Possivelmente. Também passei um tempo machucada e fiquei afastada da assessoria durante quase 1 ano. Retornei a alguns meses, mas faço treinos geralmente em horários que não tem tenda.
- Então está explicado. Os meus treinos sempre foram no horário que tinha tenda. Porque não vinha treinar junto?
- A corrida é uma terapia. Quando você corre com outras pessoas, inevitavelmente precisará conversar, logo acabará com o meu momento. Não passo muitas horas do dia sozinha, então a corrida funciona como o momento de conexão comigo mesma.
- Nossa, me desculpe. Estraguei totalmente o seu momento, por três vezes já. - sorriu divertida e levou as mãos ao rosto, visivelmente envergonhada.
- Olha, das duas primeiras vezes eu concordo. Hoje não, eu tinha a opção de dizer não, mas às vezes é bom ter companhia também. Eu sei que preciso me aproximar mais das pessoas. Saí com o pessoal no sábado justamente por isso.
- Até agora você não me falou como foi que rolou essa saída. Mas fica pra próxima, já estamos chegando no carro e não quero te atrasar.
- Outra hora te conto. Ou, se quiser uma carona, continuamos conversando.
- Não quero atrapalhar. O hospital fica há uns 20 minutos daqui e você vai pra casa. Nem sei onde você mora.
- No Pinheiros. Se for na mesma direção, não me custa te levar.
- É na mesma direção. Então eu aceito. - Abriu um sorriso enorme. Parecia animada outra vez.
Entramos no carro e Isabela continuava sorrindo. Mexeu na bolsa, pegou um pente, soltou os cabelos e começou a penteá-los. Olhou-se no espelho do carro e rapidamente começou a secar-se com uma toalha pequena. Enquanto isso eu manobrava o carro para sair do parque, sem prestar muita atenção a ela. De repente, sinto sua mão sobre a minha perna.
- Então me conta porque me deixaram de fora no final de semana.
Contei a história e fomos até o hospital conversando sobre a assessoria, os treinos, as provas. Ela parecia ser leve e divertida. O trânsito já estava pesado naquele momento e demoramos um pouco mais do que imaginava. Em alguns momentos ela parecia me observar e isso me deixava um pouco nervosa. Alguns minutos depois, encostei em frente a entrada do hospital e Isabela imediatamente veio em minha direção, beijou meu rosto e me encarou de novo com aquele olhar profundo e intenso que senti no dia do bar. Entreabriu os lábios parecendo querer dizer algo que não saiu. Fechou a boca, mordeu o lábio e se despediu após agradecer pela carona.
Liguei o carro e entrei na via seguindo em direção a minha casa. Meu celular apitou o recebimento de uma notificação. Imediatamente verifiquei que se tratava de uma mensagem dela no Instagram pedindo o meu número de telefone. Em seguida mandou o dela também. Sorri notando o interesse dela em continuar aquele contato, afinal, todos precisamos de amigos e companheiros tanto na vida quanto no esporte.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Dolly Loca
Em: 26/02/2021
Curtindo esse envolvimento leve e gradual entre as duas. Esperando pelos próximos capítulos ????
Resposta do autor:
Oi Dolly,
Que bom que está curtindo. O feedback de vocês é bacana para saber se está rápido ou lento demais.
Não gosto de apressar o desenvolvimento, afinal as melhores emoções são aquelas sentidas quando descobrimos o outro e nos descobrimos também.
Beijos e bom final de semana.
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