Aqui é onde os sinais começam e nós escolhemos deliberadamente ignorar...
Capitulo 3 - A Parada
Dormi abraçada contigo, assim bem juntinhas, não tivemos muita opção, você tinha apenas um travesseiro. Saí dalí, sabendo que te veria em algumas semanas, cheguei na reunião e eu flutuava. Em determinado momento abri a rede social e você tinha postado uma foto das nossas pernas e do pôr do sol. Eu arrepiei, coloquei a mesma foto com a musica disritma, versão do Zeca.
Tudo o que eu queria era manter aquela imagem de nós, ou a sua para sempre no meu inconsciente, fotografia dos olhos, do olhar. Eu já estava perdidamente apaixonada. Nunca foi tão rápido, tão violento, mal conseguia prestar atenção na reunião, meus pensamentos voltavam ora para teus olhos, ora para nossas peles se encostando.
E assim se passaram as semanas até você voltar e assim que chegou, fui te visitar. Levei roupa, levei uma lembrancinha, não lembro mais o que era. Eu passei o final de semana todo lá com você, repetimos a dose de sex*, repitimos a dose de carinho. Rolávamos no sofá, na cama, onde fosse.
Eu acordo tão cedo, desde sempre, você acorda mais tarde. Eu levanva e ia ler na garagem, pegando o sol da manhã, com o café fumegante e esperava você levantar. Um dia coloquei um som do Chico César, baixinho na sala, para eu não me sentir só enquanto você dormia.
Você disse que foi muito gostoso acordar ouvindo o show. Eu fazia café, preparava as coisas. Logo em seguida lançou Rei Leão no cinema e eu fiz questão de te levar. Vimos dublado. Eu chorei de emoção, literalmente. Com certeza esse foi o desenho que eu mais assisti na vida, inclusive, fui uma criança pobre porém privilegiada por ser branca e filha única, meu primeiro cinema foi com meu pai, para assistir o filme. Eu lembro até hoje. Nunca mais assisti nenhum cinema com meu pai, nem com minha mãe.
Logo veio a Parada LGBT+, fomos juntas. Inclusive, nesse ponto da minha vida, eu passava de sexta à domingo com você. Eu saía da aula e dirigia quase uma hora para tua casa, chegava exausta mas era o melhor momento da minha semana, saber que eu chegaria e você estaria lá.
Para ir no evento, nos produzimos, pegamos a sua bandeira de arco íris e fomos. Chegamos um pouco tarde, você não é muito fã de chegar cedo, sempre acabávamos nos enrolando. Caminhamos horrores até o palco, eu, que amo show, música, aglomero, logo já achei um canto com boa visibilidade e espaço suficiente para eu dançar. Você queria fumar, nessa fase eu fumava vez sim, vez não somente com você. Já não queria mais fumar com os amigos, sozinha ou para produzir qualquer coisa.
Eu falei aquilo que sempre falo… No meio da galera não é legal, bora pro canto. Assim fomos numa ponta, bem isolada, na beira do mar. Já tava bolado o baseado e fumamos. Demos algumas risadas e voltamos para o point da dança. Você ficou rígida, olhava para os lados e séria. Eu já tava jogando a raba do chão. Olhava para os lados, encontrava as travas e já fazia passinho. Eu sempre fui assim. Se for pra ir curtir música, que seja com dança, que seja pra suar, que seja para no outro dia não conseguir nem caminhar.
E então você disse para mudarmos de lugar ou algo assim, você tava séria. Eu fui atrás de ti e logo uma adolescente viu que eu andava e fazia um passo engraçado e ela começou a me imitar, eu dancei com ela um par de passos, rindo, ela rindo, pura magia da parada, assim, na amizade mesmo, só por diversão. Olhei para frente e você tinha sumido.
Olhei novamente e te vi há uns 15 metros a frente, andando quase correndo. Fui atrás de ti, sem entender. Você falou que eu tava dando mole para a menina, que eu queria ficar com ela, que os amigos dela tudo apoiaram a gente e eu tava fazendo você de corna.
Eu tentei explicar o que tinha acontecido, que tinha a ver com a dança e nada a ver com o flerte. Você zombou de mim. Eu tentei novamente te mostrar que você tinha visto errado, que não era isso que você imaginou. Não adiantou, você falou para eu ir lá com ela, já que queria ficar lá. Que não queria mais dançar.
Propus que comêssemos um lanche, que nós duas já estavamos com fome. Comemos, mas não passou. Alguém passou por nós e falou que éramos o casal mais lindo que já viu. Sorrimos, mas o clima tava pesado demais.
Sugeri irmos embora e assim fomos, era tão longe o carro. No caminho tentamos pegar um patinete elétrico de aluguel para agilizar, nós duas no mesmo, não deu certo, desistimos, ainda bem. No dia seguinte chegou noticia de um cara que tinha morrido por causa desses patinetes. Eu tentei levantar o clima, vi uma luz bacana na rua e tentei tirar foto nossa, você não quis, saiu emburrada em todas.
Silêncio até sua casa, era um domingo e eu já tinha dito que eu podia fazer um esforço de dormir lá, mesmo sabendo que eu teria que acordar muito cedo para chegar na hora do trabalho. Deitei na cama com você, mas você nem me abraçava, nem falava comigo. Eu não aguentei, levantei alterada, disse que ia embora. Peguei minhas coisas com fúria e saí.
No dia seguinte você me mandou mensagem que não tinha ido trabalhar, que foi no psiquiatra. Que começou a tomar remédio para depressão e que ia ficar um mês fora do trabalho. Meu estômago revirou, não entendi nada, você não tinha me falado em nenhum momento que estava se sentindo deprimida. Levei um susto. Eu tenho histórico de depressão, já tive uma vez na lama e lidei anos a fio com uma mãe bipolar em fase depressiva.
Não era o que eu esperava de você. Você tinha se afirmado com tanta ênfase, falava sobre seus gostos e desgostos, não tinha relatado desânimo, enfim. Disse que o que aconteceu no dia anterior mexeu com você, por isso foi ao médico.
Por um lado, fiquei feliz de não ser algo normal, aquela sua reação, por outro lado fiquei mal por estar entrando em um relacionamento com quem não estava bem resolvida. Fiquei uns quatro dias em dúvida sobre o que eu deveria fazer, se deveria me afastar e deixar você se curar ou se continuava ficando e te dava suporte, mesmo não tendo capacidade para tanto no momento.
Conversei com minha psicóloga e cheguei a conclusão de que você tinha ido atrás do tratamento sozinha, reconheceu seu quadro sozinha e já estava em processo de cura, assim eu achava, então a principio eu não teria que ter medo de ter que cuidar de você, pois, só porque vivi algo intenso com a minha mãe com a depressão, não necessariamente eu viveria com você.
Um mês do teu afastamento, diversas perícias do INSS reagendadas, você estava ansiosa com medo de não conseguir a perícia e perder dias trabalhados, receber menos salário. Eu te acalmava, dizia que ia dar certo. E deu.
Nessa primeira semana, quando decidi que ficaria contigo e te daria suporte, eu fui te visitar. Faltei a aula, não me importei. Fiquei preocupada e queria ter certeza que você estava bem. Cheguei na sua casa e você estava chapadíssima. Olhos cor de sangue, falava arrastado. Eu lembro até hoje o que você me disse: “sabe, eu acho que quero parar de fumar maconha, não tem porque eu ficar chapada o tempo todo, não sei, parece que deprime mais”.
Claro que era a afirmação que eu mais queria ouvir, porque você era meu único vínculo atual com a droga e eu já estava em processo de afastamento. Ficar contigo me dava vontade de fumar, por espelhamento. Por vício mesmo. Por costume. Que esperança vã que você me deu.
Naquela mesma semana, quando cheguei na sexta-feira na sua casa, levei uma surpresa incrível: você tinha comprado um travesseiro para mim e uma TV para você. Tinha reoganizado toda a sala, as coisas agora tinham lugar.
Não sei se foi neste final de semana ou no próximo que eu reservei um chalé simples na praia, para sairmos um pouco da casa e curtimos nós duas, como casal recém formado que éramos. Levamos um monte de comida, a Air Fryer que você também tinha comprado nova e mais um monte de coisa. Chegamos de mala e cuia para só uma noite… Subimos a trilha para ver o sol se pondo, mas tava ventando demais, só tiramos umas fotos e voltamos. Fiz janta para nós, o bacon era salgado demais, ficou horrível, mas demos nosso jeito. Vimos dois filmes, fizemos amor, trememos de medo do vento no chalé, mas nada saiu do lugar. A noite a luz do chalé me incomodou, ela era amarela na varanda e branca na sala. Não hesitei e troquei a lâmpada amarela da varanda do chalé vizinho pela da sala. Depois coloquei um pano na frente para não pegar nos nossos olhos, vimos aquele filme sensível e envolvente “Bem Vindo a Marly-Gomont”. No dia seguinte fomos à praia, encontramos um canto sem vento. Não fumamos o final de semana inteiro.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
olivia
Em: 17/02/2021
Bom dia Autora, estou gostando do seu romance mas,, também gosto de nomes ! Romance narrado parece monólogo! É muito estranho me faz lembrar dos meus sonhos que , tem princípio meio e fim . . ! É como se eu tivesse assistindo um filme! Talvez seja por isso a empatia com o romance! Você caiu no meu coração ! Difícil desenvolver qualquer romance na primeira pessoa é, muito clássico! Parabéns!!????????????????????????????
Resposta do autor:
Bom dia Leitora!
A intenção é justamente ser aplicada a quem quiser, sem nomes, sem personalismos... Foi dificil resistir a tentação de nomear, colocar em terceira pessoa, narrar os dois lados, mas venci! kkkkk
Espero que goste do fim, também!
Um gde abraço!
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