Aquela noite foi muito tensa para as noivas e também para o tio de Belle. Ele ficou sabendo de tudo que tinha acontecido na vida da Belle depois que se assumiu como lésbica. Ela contou todo o detalhe que Willas Jacob fizera outrora, toda a armação e perigo posto por ele. As noites de choros e medo. O preconceito, xingamentos e encrencas fornecidas a elas.

O tio de Belle ficou tomado pela cólera ao saber de tudo isso e prometeu um fim mortal a Willas. Independentemente da sua localização, exceto se fosse ele o detento morto, não iria precisar sujar sua certidão de antecedentes criminais. Mas aquela história de fato mexeu com seu íntimo.

Belle estava num misto de medo e felicidade; ora Willas, ora Natila. Pesadelo e sonho cercavam a mente ansiosa dela. Toda aquela situação atormentava não somente a ela, mas a todos que lhe cercavam. De maneira especial a Natila, porque ela vivera todo o drama ao lado da sua amada. Belle teve todo o apoio possível que Nati podia oferecer, além de proporcionar uma equilibrada atenção e alegria que há tempos Belle não sentia. Longe de ser um relacionamento abusivo. As duas tinham seus momentos para seus próprios egos. Era uma visão de companheirismo, afeto, sinceridade, compaixão e, acima de tudo, respeito.

Com o decorrer do tempo, uma não foi à outra uma espécie de âncora, onde uma se amparava na outra na tentativa de resolver dramas particulares. Emocionalmente não exauriam ou espoliavam uma a outra. Ao contrário, elas tinham uma reciprocidade de sentimentos e ideais, determinação para seguirem juntas e muita empatia uma com a outra. Isso graças aos diálogos e conversas propostos por Natila. E por falar em Natila, ela também tinha seus dramas obviamente! Quem não?

Ela vivia numa casa onde o barulho simultâneo ocasionava a perda da concentração e, com isso, seus problemas com as disciplinas da faculdade só aumentavam, chegando até mesmo a assustá-la com uma possível repetência. E a pressão aumentou. ́

Para completar a desgraça na sua vida, ela descobriu que seu pai biológico, que não conhecera, estava se tratando de uma cirrose hepática. Consequência da vida desenfreada. Bebia muito, gastava todo o salário do mês com sua vida desmesurada, deixando todos os filhos de “barriga ôca “que nem um coco seco e estragado. O fato de as crianças passarem fome não incomodava sua consciência. Ademais, ele espancava muito a mãe da Natila. Em um dos espancamentos, perdeu um bebê...

Depois da descoberta do pai biológico, Natila recebeu uma carta, com o seguinte conteúdo:

P.N. – Oi, filha. É o papai. Sei que estou em falta com você, não te procurei antes por diversos motivos. Só quero que você saiba o quanto amo você e seus irmãos. A sua mãe foi o grande amor da minha vida. Nunca parei de pensar em vocês. Estou muito arrependido. Estou internado e adoraria sua visita. Antes de morrer quero pedir perdão.

Endereço: Hospital do arrependimento

                     Leito 28, ala amarela.

                     Rua Dos Afogados-Centro

                     Guarulhos-São Paulo     

Com amor ...

 Jhosefe Kindow

Aquela carta não passava de uma medíocre estratégia para manipular a consciência de Natila e persuadi-la a doar sangue que tanto precisava, pois Nati era a única que tinha sangue compatível com o dele.  

De imediato ela recusou, pois lembrou da infância toda de um pai que estava presente no mundo, mas estava ausente para os filhos. Todo o sofrimento que causara, a violência física, simbólica e acima de tudo psicológica. Em suma, num primeiro momento ela teve os piores sentimentos por Jhosefe. Mas logo depois ela se recompôs e pensou novamente.

Sem nenhuma dúvida da sua ação, ela resolveu ir ao hospital. Chegando lá a conversa com seu pai, foi rápida e concisa. Ele estava bastante consciente, mas o problema no fígado era incontestável. Então ele disse:

P.N. – Que bom que você veio.

N – Pois é. Fale o que queria.

P.N. – Apenas te pedir perdão por toda a ferida que te causei.

N. – Ferida não. Cratera.

P.N. – Tudo bem. Eu sei que te magoei muito, mas você sabe que é minha preferida.

Natila deu um sorrisinho irônico e disse:

N. – Você está perdoado, não se preocupe. Espero que você melhore, que saia dessa cama e aprenda com seu erro. Preciso ir.

P.N. – Espera!!! Sei que não estou em condições de pedir nada, mas preciso do seu sangue para minha recuperação ser eficaz. As coisas estão muito difíceis e só seu sangue pode reverter a situação.

N – Huuum. Muito interessante!!! Me abandonou por décadas e agora pede sangue.

Considerando que Natila é uma pessoa pura, boa e sagaz, ela decidiu pensar. Depois de muito analisar a questão, ela cedeu e doou a tão almejada bolsa de sangue. Mas, não adiantou, pois o fígado já estava muito debilitado e havia o diagnóstico de um câncer maligno. Depois de muito sofrimento, Jhosefe foi a óbito.

Com todo esse transtorno acontecendo, Natila Kindown e Belle Ximenes estavam juntas nessa. Toda a tempestade e tribulação serviram para unir ainda mais o casal.

O relacionamento delas era frenético. Tudo ali era exaltado desde o sex* a conversas bobas. Era comum uma completar a outra e sempre havia concordância. Era um amor alicerçado na cumplicidade.

O casamento era só um valor simbólico para elas, pois já estavam casadas, numa ligação e virtude recíprocas.

Um sentimento profundo e imerso num mar de realidade, que nem mesmo os dramas do dia-a-dia tinham relevância plausível para cortar essa força surreal que havia entre elas. O amor era tão forte que uma vez Belle recitou o seguinte poema:

B – Todas as coisas que me dão emoção,

                    Você está nela.

               Abertamente o meu coração,

               Para você cinderela.

               Imagino a imensidão,

               Você imersa nela.

              Ama preta e eu azul,

              Mas nosso amor é aquarela.

(Silêncio e troca de olhar apaixonado)

N – Que lindo!!! De quem é?

B – É de Jessica Cantanhede.

N – Calma, aí. Já ouvi falar dessa autora.

Nesse momento Belle virou os olhos desdenhando e disse:

B – Claro que já. A Rose é louca por ela e por você! hahaha!

N – Nem começa com gracinhas. Por falar em Jhennyffer, será que ela está bem?

B – Por que diz isso?

N – Tem gente comentando que ela terminou o namoro. A menina era abusiva demais. Teve até violência física no corredor da faculdade. Ai já sabe, né. Comentários atrás de comentários.

B –Nooooossaaaaa!!!! Pelo amor de Jah!!!

N – Pois é, amor foi o que fiquei sabendo.

B – Longe de mim fazer fofoca, mas sempre achei essa menina estranha e fora que ela parecia com a Annabele – hahaha

N – Para amor – hahaha

B – Liga para a Rose, afinal ela será nossa madrinha. Só assim ela te olha sem malicia.

N – Ai Deus!!!

Contudo, Natila Kindow ligou para a futura madrinha do casamento relembrando da importância do dia seguinte, mas a preocupação com o bem-estar de Jhenny era o assunto predominante.

Ao desligar o cellphone Nati deitou-se com sua amada e adormeceram com a ansiedade ardente para o tal esperado casamento.

Jessica Cantanhede

Fim do capítulo