A Última Rosa -- Capítulo 1

 

Jessica pegou a mochila e desceu as escadas correndo, dois degraus de cada vez, fechou a porta sorrindo e saiu para a rua. Ela sentia que sua vida estava voltando a ter cor e a felicidade bem ali, ao alcance de suas mãos.

Passou na floricultura e comprou uma rosa. Fazia isso todos os dias desde que conheceu Maya.

Maya era atraente, feminina, amável, irresistível e em menos de um mês, ela a amava mais que a tudo no mundo. 

-- Bom dia, seu Pedro -- foi um cumprimento distraído, seus pensamentos obviamente estavam em outro lugar.

-- Bom dia, Jessica -- respondeu o segurança da escola -- Ainda é cedo, porque tanta pressa?

 Ela se virou, sorrindo, para o homem.

-- A Maya está me esperando. Ela me pediu para chegar um pouco mais cedo hoje.

-- Hum -- ele deu um sorriso leve e estendeu as mãos num gesto divertido -- Então, corre lá. Não a deixe esperando.

Jessica nem respondeu. Ela caminhava ansiosa, pisando forte no chão de concreto. No início ela andou devagar, depois ela acelerou o passo. Sabia muito bem aonde encontrá-la. 

-- Maya -- ela chamou de longe.

A garota estava sentada num banco do pátio, ela brincava distraidamente com a alça da mochila.  A voz de Jessica tirou Maya de seu devaneio, e ela se virou para a moça. Os olhos cintilando com uma emoção que Jessica não conseguiu definir.

Encontravam-se todos os dias antes das aulas e sua chegada era sempre recebida com alegria por Maya. Porém, naquele dia, sentia-se tomada pela estranha sensação de que algo muito ruim estava acontecendo. Ela vestia uma blusa de malha e sua calça jeans preferida. Aproximou-se dela e entregou-lhe a rosa.

-- Obrigada -- Maya agradeceu, encantada.

Jessica sentou-se ao seu lado e beijou-lhe o rosto.

-- Você é linda e o seu sorriso é um encanto, minha morena iluminada -- disse perto dos lábios dela.

Uma névoa cinza nublou a mente de Maya. Ela se afastou do toque de Jessica, querendo mantê-la distante.

-- Maya, eu não entendo -- Jessica se moveu na direção dela, estreitando os olhos, confusa -- O que está acontecendo?

Maya se levantou e contornou o banco, colocando-o por segurança entre elas.

-- Eu quero terminar o nosso namoro -- Maya encolheu-se, mas manteve o olhar fixo no de Jéssica -- Eu sinto muito. De verdade.

O chão pareceu sumir sob os pés de Jéssica.

-- Não -- ela olhou para Maya, espantada, sacudiu lentamente a cabeça -- Você é o meu amor e estávamos tão bem até ontem -- ela parou por um momento e, então, falou: -- Não acredito que deixou de me amar de uma hora para outra.

Maya desviou o olhar.

-- Você é uma companhia maravilhosa, mas me apaixonei por outra pessoa -- os maxilares dela se contraíram -- Já faz algum tempo. Aconteceu.

Jessica se sentou, passou a mão pelos cabelos com os dedos trêmulos.

-- Como vou continuar? -- um soluço surgiu, mas ela se recusou a se render e o engoliu de volta -- Você é tudo pra mim.

Maya fechou os olhos e respirou fundo. 

-- Infelizmente não mando no meu coração, acho que ninguém manda, na verdade -- ela cheirou a rosa de olhos fechados -- Fomos unidas pela dor da perda dos seus pais e pelas maldades dos meus. Em circunstâncias normais, não teríamos nos aproximado. Não vou mentir sobre isso. 

Com as mãos cruzadas sobre o peito, Jessica ergueu seu olhar esverdeado estonteante para ela.

-- É isso que nosso namoro significou para você? Um ombro amigo, uma companhia para desabafar? Mal consigo acreditar que você pudesse ser tão cruel.

-- Só quero que você saiba a verdade, Jessi.

-- A verdade. Sim, especialmente quando você disse que me amava profundamente e fizemos juntas tantas juras de amor -- ela engoliu em seco -- Agora sei claramente que aquelas palavras foram da boca pra fora, não significavam nada para você. Você devia ter me dito desde o começo que estava comigo só como amiga. Teria sido melhor se você simplesmente tivesse falado a verdade -- uma lágrima teimosa escorregou do canto dos olhos de Jessica e fez uma trilha quente por sua face -- Certamente teria sido melhor para mim!

-- Quando disse que te amava estava sendo sincera. Infelizmente o tempo e uma enorme dose de realidade me mostraram que estava errada -- ela murmurou -- Só percebi isso quando conheci essa outra pessoa. Sei que estou sendo egoísta, mas, como já te disse, não mando no meu coração.

-- Sim, está sendo, Maya. Está sendo egoísta e cruel. Provavelmente, tudo que você queria era ter uma pessoa para te paparicar sem qualquer vínculo emocional inconveniente -- Jessica abraçou o próprio corpo, como se estivesse se defendendo de mais golpes -- Você sabe que acabou de me matar por dentro, não é mesmo?

-- Você deve seguir seu caminho, Jessi, e fazer o que quer que seja melhor para você. Deixe todo esse episódio para trás e seja feliz. Este é o meu conselho -- ela disse, virando o rosto -- Logo, logo você me esquecerá.

Simplesmente esquecer? Fácil assim? Ela desejou estar tão certa disso como Maya parecia estar.

-- Jessi.

-- O que?

-- Obrigada, por todas as rosas.

-- E você está agradecendo de coração, não é? Perdoe-me Maya se não consigo acreditar.

Maya piscou várias vezes e engoliu em seco antes de pronunciar a palavra mais difícil de dizer:

-- Adeus!

Com um último olhar, Maya se virou e foi embora. 

Ela estava se retirando. Desligando-se dela com confissões devastadoras. Apesar da frieza do tom, Jessica pensou ter ouvido tristeza e pesar também. 

-- Como sou tonta, meu Deus. Diante de tudo que acabei de ouvir, ainda busco resquícios de um amor que nunca existiu  -- comentou melancolicamente, para si mesma.

Jessica voltou para o apartamento completamente atordoada, não estava com cabeça para assistir às aulas. Tinha perdido Maya, ela era a pessoa mais importante em sua vida. A única que havia sobrado.

Abriu a porta com as mãos trêmulas e viu que sua prima estava ali, com algumas amigas. Ah, como queria estar sozinha para curtir sua dor! Foi direto para o quarto. Mas pensar em ficar sozinha também a deixava deprimida. 

Uma leve batida na porta. Samanta, sua prima, entrou, fechando a porta atrás de si silenciosamente.

-- O que há com você, Jessica? Parece tão desanimada!

Jessica sentou-se na beira da cama e olhou-a inexpressivamente.

-- Maya terminou o namoro -- murmurou ela, fazendo o possível para se controlar -- Estou tão arrasada, prima -- A única outra vez que tinha se sentido assim; tão arrasada, fora ao saber da morte dos pais em um acidente de carro.

Samanta lançou-lhe um olhar de compaixão. Ela se aproximou da cama. A prima estava pálida, o cabelo normalmente impecável todo desgrenhado, os olhos vermelhos. 

-- Ela não merece que sofra desta forma. Você dedicou todo o amor do mundo a ela, prima.

Era um relacionamento repleto de juras de amor eterno que chegou ao fim de repente. Foi um choque enorme, ela sentia que nunca mais seria a mesma. 

-- Pensei que eu fosse importante em sua vida. 

-- Você acha que conhece as pessoas, e depois elas te surpreendem. Pretende continuar a ver Maya?

-- Não -- a respiração de Jessica estava pesada e rápida -- Vou pedir transferência para outra escola.

-- E se eu lhe pedir que não faça isso?

Ela não respondeu imediatamente. Ficou em silêncio por alguns segundos, para depois falar em tom firme:

-- Não vou conseguir esquecê-la estudando na mesma escola. Concorda?

-- É, você tem razão -- Samanta teve que reconhecer. A melhor maneira de se esquecer um amor enganoso é não manter mais nenhum contato, não vendo mais

a pessoa que se ama. 

-- No começo pode ser difícil, mas sobreviverei -- Jessica sorriu um pouco sem graça e acrescentou: -- Vou aceitar o convite da tia Inês. 

-- Sério? Ela mora no fim do mundo.

-- O fim do mundo é bem o lugar para onde quero ir agora -- disse com um sorriso triste.

Samanta pensou em tentar fazê-la mudar de ideia, mas a convicção em sua voz desestimulou-a prosseguir.

-- Quer que eu fique com você?

-- Claro que não! Suas amigas estão na sala. Não precisa se preocupar comigo. Não sou a primeira nem a última garota a sofrer uma desilusão. Ficarei muito bem aqui -- mesmo falando com animação, as lágrimas escorriam pelo seu rosto -- Desculpa prima. Estou sendo muito tola.

Samanta abraçou a prima.

-- Vou ficar com você, Jessi. Podemos assistir um filme, ou, se preferir, vamos encher a cara com tequila.

-- Nada disso, prima. Você já foi  muito legal ficando comigo até agora. Mas, realmente, prefiro ficar um pouco sozinha. Não quero parecer ingrata, mas preciso pensar.

Samanta sabia o que Jessica queria dizer. Quando seu namoro tinha terminado, também sentiu necessidade de se isolar para refletir sobre seus problemas.

-- Compreendo, Jessi. Mas, caso mude de ideia, estarei na sala com as meninas.

Jessica deu um abraço apertado na prima. Ela era uma pessoa incrível, uma amiga maravilhosa e uma parceira para todos os momentos.

-- Obrigada.

Assim que Samanta saiu do quarto, Jessica reuniu forças para começar a se vestir e arrumar os cabelos.

Quando estava pronta, se olhou no espelho.

-- Até que estou bem -- comentou para si mesma. A calça jeans justa e a camiseta preta a deixava muito bonita -- Em compensação por dentro, estou horrível -- ela deu um suspiro desanimado e saiu.

 

Precisava ficar a sós por uns instantes para refletir. Mudar-se para a casa da tia era uma decisão difícil. 

Jessica caminhava pela praia deserta, imersa em seus pensamentos. Sua tia morava do outro lado do país, provavelmente nunca mais veria Maya. Isso não era para doer, não era para fazê-la sentir-se vazia e infeliz. Mas era o que estava acontecendo.

À margem da praia, altos coqueiros faziam sombra sobre a garota. Maya havia terminado o namoro há apenas algumas horas e uma parte dela já desejava que as coisas voltassem a ser como antes. 

-- Supere isso, Jessica. Ela não é a garota certa para você, nunca foi. Ela apenas te usou como um brinquedinho -- disse para si mesma. Ela andava lentamente, com o rosto sério e pensativo. Sentir a areia sob seus pés, geralmente tinha o poder de acalmá-la. Mas nesse dia, pelo jeito, nada conseguiria tranquilizá-la.

Suspirou e olhou para o céu sem nuvens. "Preciso ir embora", pensou, e prendeu uma mecha dos cabelos loiros atrás da orelha. Começou a andar rapidamente de volta ao apartamento, determinada. 

-- Adeus Maya -- disse Jessica, decidida. Sentindo como se essas palavras tivessem selado a própria sepultura.

Uma hora depois Jessica estava arrumando a mala.

-- Tem certeza?

Jessica se virou, sorrindo, para a prima com quem dividia o apartamento.

-- Vou para a casa da tia -- anunciou, sem hesitar -- Já conversamos pelo telefone. Ela ficou muito feliz.

-- Ela mora sozinha, deve ser bem solitária. A sua companhia vai fazer muito bem à  ela -- Samanta sentou-se na cama -- Você vai hoje? 

-- Não -- Jessica riu -- Hoje não. Vou sair amanhã bem cedo. 

Samanta suspirou. Jessica fechou a mala e fitou-a com profundo carinho.

-- Está bem, desembucha? -- Jessica a observava com atenção, consciente da fisionomia triste da prima.

-- Não é nada não -- Samanta se levantou e começou a andar pelo quarto -- Apenas sinto-me infeliz e inquieta -- ela encolheu os ombros, fazendo uma pausa -- Vou sentir a sua falta, Jessi. Não sei se vou conseguir continuar morando neste apartamento.

Jessica a segurou pelos ombros, descendo as mãos depois por seus braços.

-- Este apartamento é o único bem deixado pelos meus pais. Por favor, cuide dele com muito carinho. Traga alguém para morar com você, mas fique aqui. Promete?

-- Prometo.

Jessica deu um abraço forte em Samanta e levantou o rosto para fitá-la nos olhos.

-- Eu te amo, prima.

Samanta segurou o choro, pois não queria entristecer ainda mais a prima.

-- Eu também te amo, meu anjo.

 

 

Samanta ouviu a campainha tocar e pousou a xícara na mesa para atender a porta. Um rápido olhar para o relógio de parede mostrou-lhe que eram seis da manhã. A campainha soou novamente, de modo insistente. Olhou pelo olho-mágico. Não era ninguém menos do que Maya.

Samanta destrancou a porta e seus lábios se abriram para cumprimentá-la, mas não conseguiu articular as palavras. Ao ver Maya, ficou chocada demais para conseguir falar alguma coisa.

Maya engoliu em seco e sorriu sem graça.

-- Bom dia, Samanta. Posso falar com a Jessica?

-- O que é que você está fazendo aqui? 

Passando por ela, Maya entrou no apartamento, olhou ao redor e então se voltou para fitá-la.

-- A Jessi já acordou?

Intrigada e sem entender, Samanta fechou a porta e encostou-se nela.

-- O que você quer com ela?

-- Tenho um assunto muito importante para conversar com ela.

Samanta cruzou os braços e enfrentou o olhar ansioso de Maya com uma expressão apalarmada.

-- A Jessica foi embora.

Maya arregalou os olhos, incrédula.

-- Como assim foi embora? --  ela passou a mão pelos cabelos, num gesto de desespero -- Embora para onde?

-- Sinto muito Maya, mas, se depender de mim, você nunca saberá -- Samanta abriu a porta com raiva -- Vá embora.

 

 

 

 

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Fim do capítulo