CAPÍTULO 32 - Estilhaços

         - Por favor Miguel, vista as suas roupas e venha ter a última conversa da sua vida comigo, depois disso, faça o grande favor de me esquecer. Flora, fique totalmente à vontade para ficar se quiser, pelo visto você tem intimidade suficiente com o alazão para poder ouvir tudo o que tenho para falar, prometo que o viado será bem rápido e logo mais vai poder cavalgar em seu cavalo ruivo.

         - Ora, mas, não seja ridículo Pedro!.

         - Ridículo??, tai que você tem toda razão, fui ridículo esses meses todos que me enganei achando que me amava, agora cala a boca Miguel, você não está em condições nenhuma de abrir o bico garoto, se toca.

         Devo ter falado com bastante ênfase pois Miguel não disse mais nenhuma palavra, vi que Flora estava visivelmente constrangida, talvez com medo de um escândalo, então, logo pediu licença e disse que ligaria no dia seguinte.

        Sentei no sofá e enquanto isso Miguel buscou uma copo d'água para tentar me acalmar, as lembranças voltaram como um filme em minha mente, olhei o copo vermelho do conjunto que Miguel mais gostava e arremessei na parede, ele apenas olhou, deu um suspiro entediado, juntando rapidamente os vidros que se espalharam, logo depois pegou uma cadeira e sentou bem na minha frente com os braços cruzados.

- Então Pedro, espero que seja breve para evitar ainda mais constrangimentos e mágoas para você, não tenho mais nada a dizer que você não tenha escutado e entendido muito bem.

        Apesar das lágrimas que desciam grossas no meu rosto, não titubeei, fui duro e direto como a situação merecia, e coloquei para fora toda a mágoa que estava sentindo durante todos esses meses. Miguel não ousou responder nada diante da seriedade das minhas palavras, apenas levantou a sobrancelha direita e soltou alguns suspiros de alívio por estar terminando esse arremedo de namoro, sinceramente, não sei como me submeti a ser feliz com tão pouco, quando esgotei todas as palavras que estavam presas na garganta, senti no peito uma revolta tão grande que antes de sair tirei a aliança que usava como símbolo do meu amor e joguei no seu peito, depois peguei a chave do loft que estava no meu chaveiro e acabei apenas deixando em cima da mesa, depois fui embora sem olhar para trás.

        Caminhei devagar até o carro, sim, eu vi que estava chovendo forte lá fora e mesmo assim não me importei com isso, apenas deixei que a chuva levasse minhas lágrimas, depois peguei lentamente todos os cds que me lembravam Miguel e deixei empilhado na portaria do prédio ao lado, esperando que alguém fizesse bom uso deles, depois olhei os que sobravam e coloquei Pitty para rolar, aumentei o volume em "Na sua estante" e sai sem rumo, não sei afirmar por quanto tempo dirigi, mas, quando vi estava na frente no prédio de Vicente e mesmo sem saber ao certo o que estava fazendo lá, estacionei e pedi para o porteiro me anunciar.

        Eu estava completamente molhado quando Vicente abriu a porta sem nada entender, ele estava só com a parte de baixo do pijama, eu olhei seu físico bem desenhado pela a academia e sorri tristemente dizendo.

- Desculpa, eu não sabia para onde ir...

- Entra Pedro, vou te emprestar um pijama, e colocar essa roupa na máquina para lavar e secar, depois vamos conversar com calma e vai me dizer o que aconteceu.

        Vicente saiu rapidamente, e voltou trazendo uma toalha e um pijama, indicando a porta do banheiro.

- Toma um banho Pedro, vai aliviar a sua dor.

- Esqueci meu celular em casa, posso avisar que estou aqui para as minhas mães?, elas devem estar preocupadas.

- Claro, avise também que vai dormir aqui, vou ajeitar o quarto de hóspedes para você, meu celular está em cima da mesa, está destravado, é só ligar.

        Me enrolei na toalha felpuda para não molhar o apartamento tão organizado de Vicente, fiquei feliz com o nome que ele tinha dado a mim do meu contado, estava Pedro seguido de um pequeno coraçãozinho, vermelho, mas, não deixei que o pensamento me levasse, apenas liguei para minha mãe Mariana, contando que ia dormir na casa de Vicente e que havia terminado com Miguel, ela não me pareceu surpresa e ficou aliviada que não estivesse sozinho nesse momento.

- Está tudo pronto, vá tomar um banho que vou preparar algo para você comer e tomar.

- Vicente...muito obrigado.

        Tomei um banho quente, depois pus o pijama que Vicente me emprestou e fui até a sala, em cima na mesa estavam duas enormes canecas de chocolate quente com deliciosos marshmallows torcidos por cima, dei um gole delicado e senti que havia algo diferente.

- Que delícia Vicente, muito bom, mas, tem algo diferente nesse chocolate quente, não é?.

- Sim, é o meu segredo...licor de creme irlandês, essa bebida me salvou quando estava com o coração quebrado igual ao seu. Agora me conte, o que o Miguel aprontou?.

        Expliquei tudo o que tinha acontecido, do ano novo até aqui, eu via que ele abria os olhos chocado com meu relato, mas, apenas respirava fundo sem emitir nenhuma opinião, no mínimo ele estava pensando que realmente fui um otário, mas, elegantemente não disse nada a respeito, apenas foi o ouvido acolhedor que estava precisando.

- Pedro, vou só buscar os pães de queijo recheados que deixei assando no forno, só um instante, ok?.

- Claro, fique à vontade...

       Comemos e depois que esgotei o assunto que tinha me levado até ali, passamos a conversar sobre outras coisas, músicas, livros, filmes, eu sabia que a gente tinha muita coisa em comum, mas, não que eram tantas coisas assim, já estávamos na segunda caneca de chocolate quando Vicente teve uma ideia.

- Que tal a gente ver um daqueles filmes antigos que citamos hoje?.

- Vamos sim Vicente, que bacana, Miguel nunca quis ver...

- Tudo bem Pedro, por algum tempo você ainda vai lembrar dele, não precisa ficar com vergonha, vou buscar um filme.

        Vicente escolheu o filme "Top Hat" de 1935, filme emblemático marcado pela canção "Cheek to Cheek", imortalizada na cena de Fred Astaire e Ginger Rogers dançando ao som dos versos cantados pelo próprio Astaire.

- Cavalheiro Pedro, você me dá a honra dessa dança?.

- O cavalheiro aqui não sabe dançar nada...

- Eu ensino, venha, se solte rapaz.

        Dançamos a música do filme e devo ter pisado umas três vezes no pé de Vicente, ele ria tentando disfarçar que doía, e tenho que confessar que foi muito divertido. Mesmo sem querer após lavarmos toda a louça, eu já tinha bocejado umas três vezes, na verdade,  estava caindo de sono, mas, fazendo de tudo para me manter acordado.

- Pedro, vamos lá, vamos dormir, amanhã temos que trabalhar às 9h, esqueceu?, já está bem tarde e temos umas poucas horas para dormir.

        Ele me levou até o quarto, me deu boa noite e o puxei pelo braço, já ia dar um beijo em Vicente, quando ele encostou suavemente a mão na minha boca.

- Assim não Pedro, quero que se um dia vier me beijar que esteja de fato consciente do que está fazendo, e principalmente querendo esse beijo, não quero que me beije por ter descoberto o que sinto por você, ou mesmo por agradecimento e pior, para tentar se vingar de Miguel, quero que venha inteiro, mas, por favor, não veja isso como rejeição, tá?.

- Tudo bem...me desculpe.

- Não precisa se desculpar, vai dormir garoto, amanhã tenho gatos para castrar, cachorros para vacinar e um parto de uma porquinha da índia para fazer, e você vai me auxiliar em tudo.

- Vi, me deixa ficar dormindo, eu te ajudo à tarde, prometo, vou acordar morto de ressaca, vai...

- Claro que não, estamos juntos nessa também, não estamos?,  Hahahahah...te chamo amanhã as 8h.

.

...

        Do meu quarto escutei os gritos de Malu no celular, estava na cara que ela estava falando com Miguel, as palavras mais suave que ouso repetir é escroto e boy lixo, ela estava completamente irada e pelo visto não podia tirar sua razão, bati na porta do quarto quando ouvi que tinham desligado e pedi para entrar.

- Oi Mãe Paty, entra ai, olha, estou morrendo de raiva do meu irmão, que vergonha de ser irmã do Miguel mãe!, que vergonha, acredita que ele estava traindo Pedro descaradamente, primeiro com Margot, a filha da dona do haras, depois com a própria dona, estou boba, como Flora fica com o peguete da sua filha, mãe?, é tudo tão nojento, o pior é que Miguel me confessou que tudo começou por causa de uma maldita aposta com os carinhas da faculdade, só que depois o cara de pau teve a cara lisa de dizer que passou a gostar do sex* oral que Pedro fazia nele, olha que piá lixo, e ainda roncou pra mim que nunca deu para o Pedro e muito menos fez oral nele, o resto nem vou repetir porque me dá até nojo, até xingar o menino em italiano ele fez, uma vergonha, queria falar com a Mãe Nick, mas, ela está no plantão, né?.

- Sim filha, pode deixar que depois converso sobre o que aconteceu, eu lamento muito que tudo tenha terminado assim, e o que você vai fazer sobre a sua viagem no mês seguinte?.

- Ora, eu continuo com a mesma vontade de ir, isso se Mariana, Stella e Pedro ainda quiserem me receber, não é?, mas, como eu os conheço, sei que não vão me desconvidar, no entanto, confesso, estou rachando a cara de vergonha, mas, preciso mesmo ver Renée, temos uma história mal resolvida a terminar.

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...

        Depois de tudo o que aconteceu, bloqueei meu irmão em todas as minhas redes sociais e principalmente no celular, eu não tinha nada mais a ouvir, também estava de alma lavada depois que a Mãe Dominique foi até Ilhéus e descascou Miguel, disse que só saiu de lá depois de ter dado a lição de moral que devia ter dado em seu primeiro erro, ela e Mãe Paty não me contaram detalhes, mas, soube que depois que a mãe saiu batendo a porta na cara do filho, deixou para trás o ruivinho chorando, quem sabe dessa maneira ele não cresce?. Eu sei que cedo ou tarde ela irá perdoá-lo, o tempo amolece o coração de qualquer mãe, e para ser sincera, vai amolecer o resto da família também, até Maria Clara que é muito mais compreensiva e sensível do que eu, ficou revoltada com sua atitude e pediu um tempo para o irmão, prometendo ligar depois, quando tudo estivesse acomodado em seu coração, é claro que em alguma momento vamos perdoá-lo, no entanto, sei que essa cicatriz irá permanecer na alma da mamãe Nick, seu príncipe ruivo era totalmente imperfeito e mimado.

        Julho chegou e foi com muita felicidade que vi Renée me esperando no aeroporto, ladeada por Pedro e um rapaz que não conhecia, mas, que achei um gato, se não tivesse focada em minha menina, não ia perder a oportunidade de conhece-lo melhor. Fui abraçada por Renée, recebi suas rosas e dei um beijão daqueles de novela, pensei que fosse ser vaiada, mas, que nada, tinha uma galera aplaudindo a cena, inclusive uma seleção feminina de vôlei que estava sendo recepcionada por várias fãs que se acotovelavam para tirar fotos com as jogadoras. Um luxo!.

        Depois do beijo dei um abraço em Pedro e perguntei baixinho.

- Humm, quem é o gatinho?.

- Amigo, ao menos por enquanto, tire o olho Dona Malu, ele é only gay....hahahaha.

- Sai fora que meu único interesse é Renée.

- Meu povo, agora a pergunta que não quer calar...cadê o casal mais gostoso desse mundo?.

- Ai amiga, para, minhas mães estão trabalhando.

- Aceita que dói menos, suas mães são gostosas pra caralh*...

        Todos riram e Vicente foi buscar o carro, fomos direto até a "Fazenda Aconchego", deixar minhas malas e arrumar as mochilas para o fim de semana, íamos curtir a casa de praia recentemente comprada por Stella, mas antes, precisava ter uma conversa com ela e Mariana, conversa essa que seria uma obrigação das minhas mães, mas, como elas não fizeram e bancaram as pêssegas, tive que ser a cabeça madura da família, e acho que eu consegui falar tudo o que realmente precisava, elas estavam magoadas com Miguel, mas, entendiam claramente que ninguém mais da nossa família tinha culpa do que aconteceu com Pedro, dessa forma, nossa amizade ficou ainda mais fortalecida.

        E foi com muito barulho e alegria que chegamos a "Praia do Pé de Serra", um lugar realmente maravilhoso, a mata nos arredores da praia é bem preservada e em algumas áreas ainda se junta à areia branca e fofa, estávamos em um cenário perfeito para quem busca por tranquilidade e gosta de lugares mais reservados, a Vila de Serra Grande, é uma praia é semi deserta, e por isso, conta com baixa estrutura de quiosques e cabanas, mas, tudo o que tem por lá, é mais do que suficiente para quem busca o aconchego de uma praia mais tranquila, depois, também havíamos feito uma grande compra no caminho e estávamos querendo amar e descansar, enfim, era tudo o que nós quatro estávamos precisando nesse momento.

       Após arrumarmos a casa de praia e os mantimentos, peguei o carro emprestado de Vicente, deixando-o sozinho com Pedro e subi a serra com Renée, eu já tinha lido tudo sobre o pontos turísticos do lugar, sabia que do cantinho escolhido por mim, era possível ter uma vista panorâmica das ondas batendo nas pedras e das diferentes colorações de água e foi nesse cenário que pedi Renée em namoro, dizendo que ela tinha me conquistado a cada dia, com suas mensagens e telefonemas, expliquei que  pela primeira vez meu coração sentia que tinha encontrado um porto seguro, ele estava preso por vontade e se aquilo não fosse estar apaixonada, nunca mais saberia o que é essa sensação, e foi lá naquele cenário lindo que ela disse sim, movida pela paixão que sentia, prometi que ia transferir a faculdade de Curitiba para Ilhéus, e assim, íamos poder construir a nossa própria história.

      Ah, em pouco tempo tudo foi acertado, meu irmão voltou a morar em Curitiba, assim poderiam acompanhá-lo melhor, e eu passei a ocupar o loft, depois de redecora-lo, é claro, e assim é a vida, andamos sempre por caminhos inesperados...

Fim do capítulo