France
Isabel
Carmen partiu meu coração em mil pedaços. Tudo que planejei naquela viagem para Petrópolis deu errado. Ela não aceitou meu pedido de casamento e pediu para que nunca mais voltasse ao bordel. Me disse que não era mulher para mim e não poderia ser a futura baronesa. Tolices. A vida era minha e se dependesse de mim, Carmen seria minha esposa e que se dane o que essa corja da alta sociedade falaria. Eu tentei colocar isso na sua cabeça, mas ela estava decidida, eu percebia que não estava certa do que falava, mas decidida a renunciar o que tínhamos.
Depois que ela foi embora, eu juro que tentei entender seus motivos, repassei toda a nossa conversa na minha cabeça e ainda assim não conseguia me conformar. Porém, estava feito. A sua decisão foi tomada. Eu podia não concordar, mas deveria respeitar sua vontade. Era o mínimo que poderia fazer pela mulher que amava, já que o meu pedido ela recusou. Eu deixaria Carmen em paz, não voltaria ao bordel, como me pediu e seguiria minha vida.
Passei mais alguns dias em Petrópolis, não queria voltar para a fazenda com aquela cara de arrasada.
Decidi que me mudaria de vez para Águas Claras. Manteria a outra, mas ficaria de vez na casa em que sonhei um dia tê–la comigo. Era uma espécie de masoquismo, eu sei. Mas já que não teria mais Carmen comigo fisicamente, pelo menos nos meus pensamentos e ilusões ela permaneceria.
– Mas por que se mudar para a outra casa? – Lucília andava atrás de mim enquanto arrumava minhas roupas na mala.
– Porque eu decidi que assim será! – Respondi curta e grossa.
– Não entendo, Isabel! Você voltou mudada da casa da serra… O que aconteceu? – Disse preocupada. Eu parei de arrumar as malas e respirei fundo. Doía lembrar daquele dia.
– Se quiser ficar na nova casa comigo, será bem–vinda! – Disse fechando a mala e ignorando sua pergunta. Peguei a mala e abri a porta para sair do quarto.
– Foi aquela mulher não é?! Carmen? – Lucília disse seu nome e na mesma hora eu paralisei.
“Como ela sabia de Carmen?”
– Tu não sabes de nada, Lucília! – Disse ríspida.
– E é aí que tu te enganas, menina! Sei de mais coisas que imagina! – Virei para Lucília e a olhei curiosa.
– Do que está falando?
Ela sentou na cama e respirou fundo.
– Tu e teu pai são iguais nisso… – riu fraco e triste. – Ele agiu da mesma forma que quando Madame Margot o recusou…
Arregalei meus olhos surpresa.
– Ele começou a sumir a noite e depois foi ficando diferente… Rebelde, não queria de jeito nenhum aceitar o casamento que seus avós planejaram para ele…
– Com a minha mãe…
– Isso mesmo! Eles estavam prometidos desde crianças, um acordo entre as duas famílias, que uniria os negócios dos Albuquerque de Castro com uma família importante do Sul. Seu pai seria um dos Barões mais ricos do Vale. Assim como a senhorita é hoje! – Disse sorrindo. – E agora estou aqui viva presenciando a história se repetir…
– Meu pai teve um caso com Margot?! – Disse ainda surpresa.
“Bem, isso explica o porque de tê–la achado tão familiar na primeira vez que a vi…"
– Teve e me disse que ela foi a mulher de sua vida! Mas ela não aceitou seu pedido de casamento – Lucília pareceu viajar no tempo e, pela sua cara, desconfio não ter sido uma boa viagem. – E eu aposto que está assim porque a mulher que ama também não aceitou.
Sentei ao seu lado e abaixei a cabeça triste.
– Não fique assim, menina! – Ele acariciou meu rosto. – Eu conheço muita gente na capital, me contaram há algum tempo do seu envolvimento com aquela mulher do bordel! Depois foi só juntar as peças e rever tudo acontecer. – Ela sorriu triste. – Por isso estava insistindo tanto em seu casamento com Amanda, eu sabia que isso aconteceria.
Me permitir chorar e Lucília me puxou para seu colo.
– Eu amo Carmen… Faria tudo para tê–la aqui comigo! Mas ela insiste na ideia de que não é a mulher certa para mim! – Disse com raiva.
Lucília puxou meu rosto e olhou bem para meus olhos.
– Isabel, essa foi a maior prova de amor que ela poderia lhe dar! Ela nunca será uma mulher a tua altura, entenda isso!
Deitei em seu colo e me neguei novamente a aceitar aquilo.
– Não me conformo com isso!
– Um dia encontrará uma boa mulher e será feliz ao seu lado! Seu pai foi feliz ao lado de sua mãe enquanto ela esteve aqui nesta casa! – Suspirou. – E depois achou essa felicidade em ti, Isabel! Não se preocupe, isso vai passar.
Chorei mais alguns minutos em seu colo. Respirei fundo e enxuguei as lágrimas. Carmen agora era passado, por mais que me doesse essa era a realidade. Eu seguiria em frente e torceria para aquele amor se tornar só uma lembrança.
Um mês se passou. Eu coloquei toda a minha atenção nos negócios, todo meu tempo livre era dedicado a fazenda e aos poucos, as duas se tornaram uma só, era meu maior orgulho, andar por toda aquela extensão de terra e ver o sonho do meu pai se realizando. Isso me satisfazia e tapava um pouco o buraco e o vazio que estava na minha vida.
Infelizmente tive que retornar à Capital para fechar alguns acordos. Chegamos a noite na casa de Botafogo e subi direto para o quarto. Em outro tempo, eu sairia correndo até o bordel para vê–la. Me aguentei o quanto pude, até que minha curiosidade me venceu. Já era madrugada quando chamei o cocheiro para me levar até a Pensão de Luxo de Madame Margot. Chegamos na rua e pedi para ele parar em frente a casa. Desci e andei alguns passos até a porta. Fiquei ali parada, escutando o som alto e as risadas. Ela devia estar se divertindo. Carmen adorava a vida que levava. Senti raiva. Ela amava mais a vida de puta, do que a mim. Isso satisfazia a ela, não o nosso amor. Então que fosse feito sua vontade.
Virei as costas e entrei na carruagem.
– Vamos embora! – Disse ao cocheiro.
Olhei pela janela a casa ficar cada vez mais distante e me doeu o coração saber que não voltaria mais a vê–la. Eu e Carmen começamos um jogo perigoso quando nossas noites de prazer viraram amor. Era um jogo em que eu não ganharia nunca e como uma boa perdedora eu aceitaria de vez aquela decisão.
Depois daquele dia, não retornei mais aquela rua e deixei de procurei saber do bordel, através de conversas com amigos. Eu tentei fingir que nada daquilo aconteceu.
Organizei um sarau na minha casa para receber alguns amigos que chegaram da França e outras pessoas influentes da Capital. Apesar de odiar tudo isso, eu sabia o quanto era importante esses eventos sociais. Ajeitei minha roupa, antes de sair do quarto e do alto da escada escutei as vozes e música no andar debaixo. A casa estava cheia. Quando apareci na ponta da escada todos me olharam e bateram palmas. Me lembrou o dia que vi Carmen pela primeira vez e fechei os olhos tentando afastar aquela lembrança. Ela era passado. Uma página virada, por mais difícil que fosse.
Forcei um sorriso e desci as escadas com todos aqueles olhares atentos para mim. Eu odiava aparecer. Era tímida demais. Mas eu sabia que na posição em que estava, eu precisava começar a me acostumar com toda essa atenção e bajulações falsas. No pé da escada Lucília me olhava orgulhosa. Pegou em minhas mãos e sussurrou no meu ouvido.
– Seu pai certamente estaria orgulhoso, Isabel! – Apertei delicadamente suas mãos e sorri.
Caminhei até o meio da sala e todos se calaram.
– Boa noite a todos! – Falei alto. – Quero agradecer a presença de vocês e dar as boas vindas aos meus amigos franceses! – Balancei a cabeça em um cumprimento para os homens a frente. – Bienvenue, mes amis! Aproveitem a festa e divirtam–se! – Aceitei uma taça de champanhe que estava sendo servida e levantei sendo seguida por todos. As pessoas voltaram às suas conversas e eu fui ao encontro dos franceses simpáticos.
– Louis, mon grand ami! (Louis, meu grande amigo!) – Ele veio ao meu encontro e me abraçou forte.
Louis era meu amigo de infância. Nossos pais sempre estavam em festas e eventos juntos, na França ou no Brasil. Crescemos e viramos grandes amigos, mesmo com a esperança de nossos pais de que aquela amizade virasse um casamento futuro. Na adolescência, Louis passou um grande período no Brasil, mas especificamente na fazenda do meu pai. Seu pai, um grande Duque Francês, queria que seu filho aprendesse a viver no campo e na simplicidade, longe dos pecados e tentações da capital francesa. Ele poderia ter enviado o jovem para qualquer lugar do interior da Europa, mas não confiava em ninguém além do meu pai, fora que os dois armavam para que eu e Louis ficássemos juntos.
O tiro saiu pela culatra, pois eu já havia conhecido Marie na França e já sabia que minha vida amorosa não seria com homens. Louis não se abalou por isso, quando contei para ele sobre Marie. Me confessou que também não era como os meninos de sua idade e era perdidamente apaixonado pelo rapaz que era cocheiro de sua família, desconfiava de que seu pai já sabia de sua paixão e por isso o afastou da França. Rimos muito naquele dia e nunca mais nos largamos. Quando tínhamos dezessete anos, Louis me levou à toda Paris e suas damas mais bonitas, nos divertimos muito naquela época. E hoje ele tinha voltado ao país, com o título do seu pai e uma grande responsabilidade. Expandir os negócios da família para além da França. Empreendedorismo como ele chamava. Seu pai era dono de grandes indústrias e visava construir uma sede aqui no Brasil. O velho Duque morreu no ano passado e Louis assumiu o título. Agora era dono de todo aquele patrimônio. Era para isso que tinha vindo ao Brasil e ao meu encontro. Queria ajuda com os "espertos brésilien" como ele chamava.
– Ma chérie, Isabel! – Disse me abraçando forte. – Que falta, toi moi a fait! (que tu me faz) – Ele sorriu e puxou pela mão um cavaleiro bonito. – Quero que conheça, René! – O rapaz pegou minha mão e a beijou. Nós dois rimos. – Não se preocupe, cher! Isabel, não é uma dame comum! – Fingi ser insultada e deu um leve tapa em Louis que riu.
– Teu humor continua ácido! Muito prazer, René! – O rapaz sorriu.
– Ele não é lindo?! – Disse no meu ouvido me fazendo rir. Eu sabia bem o que René era de Louis, não precisava de muita explicação. Emendamos uma conversa sobre negócios até que a voz de uma mulher nos interrompeu.
– Louis! – Olhei para a dona da voz e fiquei encantada com tamanha beleza. Ele reparou em minha reação e nos apresentou.
– Isabel, essa é minha prima, Héloïse! – A mulher se aproximou e me deu um largo sorriso.
– Ravi de vous rencontrer, Héloïse. (Muito prazer, Héloïse) – Peguei em sua mão beijando.
– Te disse, ma chérie. Isabel, não é como as outras damas… – Riu para René.
Héloïse me olhava curiosa, mas voltou sua atenção para Louis.
– Estou cansada, primo! Acho que vou me recolher até o hotel! – Seu português era perfeito.
– Fala muito bem a minha língua, Héloïse! – Ela sorriu.
– Meu pai era brasileiro, Baronesa Isabel!
– Minha prima aqui é uma mistura perfeita do Brasil com a France! – Disse nos fazendo rir. – Minha tia casou com o pai de Héloïse, em uma de suas viagens para cá.
– Papai é médico! Estudou medicina em Paris, foi quando conheceu minha mãe e alguns anos depois ela fugiu para o Brasil para casar com ele!
– Ousada sua mãe! – Falei com admiração.
– É de família, Isabel! – Louis disse, fazendo referência a ele.
Revirei os olhos e rir. Ele era sempre foi cheio de si.
– Eu ficarei honrada se ficassem aqui na minha casa! – Disse aos três que se entreolharam.
– Não precisa, Isabel! – Héloïse disse educada.
– Mas eu insisto! Louis é quase como um irmão para mim e ficarei muito feliz de receber todos vocês aqui!
Héloïse sorriu e fez um aceno de cabeça em agradecimento.
– Já que insiste, querida Isabel! – Louis também agradeceu. – Vou me sentir muito mais à vontade em ficar aqui com Renné do que em qualquer hotel.
Os três aceitaram meu convite me deixando bem feliz, seria muito bom ter companhia na Capital, no período que passaria a ali. Me ajudava a não pensar tanto nela. O sarau terminou quase pela manhã e meus amigos foram até o hotel buscar suas bagagens.
Os três alegravam a casa, sentiria falta quando voltasse a fazenda.
Eu e Louis passamos semanas em busca de locais para a fábrica e investidores, estávamos voltando de uma dessas visitas quando vi Carmen de longe. Ela entrava em um prédio acompanhada de Margot. Eu paralisei e me permitir admirá–la de longe. Suspirei e Louis reparou.
– Quem é aquela mulher linda? – Disse me tirando do transe.
– Ninguém… – Disse secando uma lágrima disfarçadamente. Ele tentou continuar a andar mais parei ele. – Por favor, vamos ficar aqui mais um pouco… – Louis não entendeu mas acatou meu pedido. Quando finalmente Margot e Carmen sumiram para dentro do prédio eu soltei a respiração.
– O que foi isso, Isabel?! – Louis perguntou curioso.
– Longa história! – Falei voltando a andar. Ele me seguiu e insistiu.
– Sou bem paciente, ma cherie! – Revirei os olhos e puxei Louis para um cafeteria ali perto. Contei tudo a ele, não escondi nenhum fato da história de amor que tive com Carmen e ele ouviu tudo sem me interromper.
– E foi isso, levei um pé na bunda da mulher que amava… – Disse bebendo meu café.
– Depois de como ficou ao vê–la, duvido que deixou de amá–la! – Louis sempre me decifrava.
– Você é irritante sabia?! – Disse fazendo ele rir alto.
– Que belíssima história, ma cherie! Um belo romance, não? E já sei até o nome, “A Cortesã e a Baronesa”! – Disse exagerado me fazendo rir. – É lindo e trágico o amor de vocês. Me lembrou Marie! – Louis foi comigo atrás dela anos depois e juntos descobrimos que ela havia falecido de tuberculose, ele me consolou na época e hoje fazia a mesma coisa. Segurou na minha mão. – Je suis désolé, chère Isabel! (Eu sinto muito, Querida Isabel) – disse me consolando. Sorri fraco.
– Obrigada…
– E o que pensa fazer agora?
– Sobre Carmen? – Ele balançou a cabeça que sim. – Farei o que ela me pediu… Ficarei afastada e assim cada uma segue o seu caminho. – Bufei encolhendo os ombros.
– Não fique assim! Se ela não te quer, conheço uma bela dama que está de olho na Baronesa – Disse rindo.
– Quem? – Perguntei curiosa.
– Sério que não desconfia?
Claro que sim, pelos olhares e sorrisos todos esses dias.
– Héloïse? – Ele concordou.
– Está totalmente encantada com você desde a primeira vez que a viu! – Disse revirando os olhos.
– E por que nunca me falou nada?!
Revirou os olhos de novo impaciente.
– Héloïse costuma ser uma mulher de atitude, mas não sei o que a Baronesa, fez com a minha prima! – Disse rindo.
– É muito bonita, educada! Gostei bastante dela também. – Louis concordou e saímos dali direto para casa.
Depois daquele dia passei a convidar Héloïse para passeios, era uma mulher adorável e Louis tinha razão sobre ela, tinha atitude e como aquilo me encantou. Os dias foram passando e eu precisava voltar, nunca fiquei tanto tempo longe da fazenda.
Louis, René e Héloïse embarcariam para a França naquele dia, mas com a promessa de voltarem em breve. Abracei meu amigo e seu companheiro que logo embarcaram deixando eu e Héloïse para trás. Ela me olhou por alguns instantes e me puxou pela gola da camisa.
– Volto logo, ma Cherie! – Me puxou para um beijo ali mesmo no porto com todos olhando.
Ela saiu do beijo e correu na rampa até encontrar Louis e René que riam da minha cara de surpresa. O navio partiu e meu coração se aqueceu com o beijo de Héloïse. Esperava vê–la em breve. E da próxima vez a levaria até a fazenda. Não pude deixar de pensar em Carmen, com aquele beijo. Não se comparava aos seus lábios, mas eu não podia passar a vida em busca dela em outras mulheres. Não encontraria ninguém como ela. Carmen era única. Sorri triste e voltei para casa.
Passei mais de um mês na Capital e dias depois deles embarcarem para a França, finalmente voltei a fazenda e a me entregar de cabeça ao trabalho. Não tinha superado, mas já estava mais conformada. Eram mais de dois meses sem Carmen e já fazia semanas que havia visto ela com Louis.
Eu sempre voltava para casa quase anoitecendo. Cansada e pronta para dormir e não pensar. E assim eu faria hoje, novamente. Quando desci do cavalo entrei em casa e Lucília me esperava na porta com um misto de aborrecimento e preocupação. Parei quando a vi.
– O que houve, Lucília? – Disse preocupada.
– Tu tens visita, Isabel! – Antes que ela pudesse continuar meus olhos focaram na mulher sentada no sofá. Entrei e deixei Lucília ali parada na porta.
– Margot?! – Disse surpresa e imediatamente fiquei tensa.
“Carmen…”
Ela parecia aflita o que me deixou mais nervosa.
– Carmen precisa da tua ajuda, Isabel!
Fim do capítulo
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