CAPÍTULO 21 - Rolando os dados...

Eu estava cheia de ansiedade quando peguei o celular e liguei para ela, não sabia ao certo o que dizer e muito menos a resposta que ouviria, mas, sabia que precisava encerrar esse ciclo.

- Helena?, é o seguinte...precisamos conversar.

Segundo um querido amigo quando falamos "é o seguinte", antes de dizer algo importante somos impulsionados pela coragem de continuar a nossa fala, mas, a frieza de sua resposta ajudou ainda mais.

- Oi Milena, o que foi?, não tenho muito tempo.

- Então, tem mais de dois meses que estou aqui e nesse tempo todo eu pensei muito, acho mesmo que todos os meus sentimentos acomodaram no peito e eu percebi dentro dessa distância que tudo que sentia por você mudou completamente, não foi de agora, foi algo que foi acontecendo, quero deixar bem claro que não tem ninguém de concreto em minha vida, apenas não acho certo seguir em um relacionamento acomodado e sem amor, não sei o que aconteceu com aquela paixão que sentia, ela apenas se foi, não sei se você vai me entender e se vai me perdoar algum dia, mas, saiba... essa semana mesmo pretendo sair da casa de praia, depois vou buscar minhas coisas e voltar para a casa dos meus pais...

- Está tudo bem Milena, eu vou passar essa casa para o seu nome, também vou deixar o Jeep e uma boa quantia para que possa abrir algo para você, bom, só vou pedir que recolha tudo que é seu lá de casa, quer falar mais alguma coisa?.

- É assim Helena?, para você tudo se resume em dinheiro, estou falando de sentimento, de algo que vai muito além disso, e você está preocupada apenas em deixar bens...

- Não entendi, se você não quer continuar comigo, o que quer que eu faça, que chore?, eu estou sendo prática, não vou deixar de te dar algumas coisas, simplesmente por que não gosto de problema com a justiça, vai que me processa ou vai atrás dos seus direitos?, bom, essa casa de praia vale muito, o Jeep da mesma maneira, daqui a pouco deposito uma gorda quantia de dinheiro em sua conta e acho que já está ótimo, quer mais alguma coisa?, algum objeto de arte, algum móvel que goste na casa?.

- Helena, eu jamais...não era isso que estava falando, queria encerrar nosso casamento da melhor forma possível, sem sofrimento, sem dor, sem mágoa...e a sua única preocupação é a bosta do dinheiro?.

- Bom, já falei tudo o que precisava, você quer dizer mais alguma coisa?, tenho que visitar meus pacientes, por mim já está tudo acertado, aproveite sua vida Milena, você é jovem, até mais.

Eu desliguei o celular sem acreditar, todos esses anos pensei que ela tivesse me amado, nem que fosse minimamente, lógico que eu não queria que ela insistisse, que chorasse, nada disso, eu já estava decidida, para mim estava mesmo encerrado esse ciclo, mas, queria finalizar na certeza que em alguma época, mesmo que de uma maneira torta, havia sido amada por ela, e pelo visto isso nunca foi uma realidade, me senti um objeto, algo descartável, muito pior do que o breve período que dançava em boates para conseguir pagar a minha faculdade, que aliás deixei para me dedicar totalmente ao casamento.

- Filha...está tudo bem?.

- Terminei com Helena, e estou entre aliviada e triste.

- Todos os finais são tristes minha filha, a gente casa querendo que dê certo, ninguém casa querendo se separar, mas, nem sempre é assim, enfim, o tempo vai curar tudo o que está sentindo, e nós, quando voltamos para casa?.

- Mãe, a Helena deixou essa casa para mim, amanhã cedo um advogado vem resolver tudo, também vou ficar com o Jeep e  vi por um aviso do banco que ela acabou de fazer uma transferência enorme para a minha conta.

- Essa eu não entendi, pensei que ela fosse te deixar sem nada.

- Não foi por carinho, nem pelos bons tempos, ela tem medo que eu entre com um processo na justiça, é só isso mãe...

Minha mãe passou a mão suavemente em meu rosto, me abraçou ao mesmo tempo que ficou afagando meus cabelos, como eu gostaria de simplesmente deitar em seu colo e chorar, mas, o seu colo já não me cabe e seus afagos não fecham esse tipo de ferida que carrego. Sai devagar do seu abraço e avisei que iria dar uma volta na praia, precisava pensar um pouco.

Peguei uma toalha e segui em direção à praia, levando apenas o protetor solar e água, estiquei minha toalha e vi quando a mergulhadora apareceu, ela fez a mesa coisa de sempre, catou as algas e recolheu uma amostra da água do mar, vê-la me transmitia paz, nunca havíamos trocado uma palavra, mas, quando ela estava lá parecia que o cenário estava completo, sabe?.

Fiquei mais um tempo observando, até que percebi que quando ela voltou para areia estava apertando o tornozelo, fazendo uma expressão de dor, deixei minhas coisas para trás e fui atrás dela.

- Oi, está tudo certo?, posso te ajudar?.

- Oi, torci o pé...mas, acho que não quebrei, estou conseguindo mexer, mas, dói demais para pisar.

- Quer que eu chame a sua...

- Não, minha prima não está em casa, ela e o marido viajaram ontem.

- Passa o braço no meu pescoço, vou te ajudar.

- Obrigada.

P assei a mão em sua cintura e a levei até a minha toalha, coloquei sua perna por cima da minha coxa e fui apalpando seu pé para ver se estava muito machucado.

- Nossa, você tem mãos de fada, até está passando a dor, obrigada.

Nesse instante meu sobrinho apareceu.

- Oi tia, ela é sua namorada?.

Eu senti o rosto ficar de um tom de vermelho até o roxo, olhei aquele pequeno travesso com a boca toda lambuzada com um sorvete na mão e um sorriso de quem tinha aprontado. A mergulhadora sorriu e perguntou.

- Oi lindo, qual seu nome mesmo?.

- Dimitri e o seu?.

- Rain...olha, que delícia esse seu sorvete.

- Você quer tia?, é de morango, aquela família ali que me deu.

- Não querido, obrigada, mas, não devemos aceitar nada de estranhos, viu?, por sorte eu conheço os dois e seus filhos, são boas pessoas, mas, se quiser algo peça a um adulto da sua família.

- Ué, ninguém nem sabe que eu vim aqui.

Eu olhei séria e Dimitri voltou de cabeça baixa para a casa.

- Seu nome é Rain?.

- Sim, e tenho um irmão chamado River, sou bióloga marinha e moro aqui há uns sete meses. Uma graça de menino o seu sobrinho.

- Sim, mas, se der muita bola para ele, você já viu...prazer me chamo Milena, estou morando naquela casa.

- Que legal, então somos vizinhas, moro naquele chalé duas casas depois da sua, ah, tenho uma amiga que toca em um barzinho pertinho daqui, se quiser eu te busco mais tarde, pode ser lá pelas 19h?.

- Claro, vai ser muito bom.

- Até mais tarde então.

.

...

Dominique estava animada quando cheguei, ela havia comprado um caraoquê e cantava "I say a little prayer for you" com Nicolle, Nilcéia e Fabinho, um outro colega da federal.

- Amor, vem cantar com a gente.

- Dessa vez eu topo, não tem ninguém para atrapalhar nossa música, parece que a Pierrô desistiu de atuar, talvez tenha desistido até de concluir o seu plano.

O sorriso de Nicolle esvaiu, ela pegou o controle e desligou o som.

- Um psicopata nunca desiste Paty, nunca...só existem dois finais possíveis nessa história, ou conseguimos captura-la, ou ela vai dar um tempo até voltara a atuar e concluir o que começou.

Nilcéia olhou com um ar de julgamento, apoiou uma mão no sofá, para logo depois dizer:

- Ontem falei com a Mariana, ela está bem melhor, parece que os pesadelos estão diminuindo, coitadinha ficou tão traumatizada que cismou que havia escutado a voz da Pierrô no aeroporto.

Nicolle deu um pulo irritada.

- Como assim Nil?, conta essa história direito, você não fez nada?.

- Claro que fiz, fui atrás da pretensa suspeita, era apenas uma médica a caminho do plantão em Belo Horizonte.

- Nil, você percebe que pode ter deixado a Pierrô escapar?.

- Ora, o maior erro foram dos hotéis, como eles não perceberam que ela havia desligado as câmeras dois dias antes de tudo?, eram hotéis de luxo.

- Mas, um erro não justifica o outro, ela é hacker, e geralmente os hotéis só conferem as câmeras no final da semana, enfim, você tinha que ter me chamado, ou feito alguma coisa, tinha que ter investigado melhor.

- Estava tudo certo, eu conferi, o que eu ia fazer?, dar uma voz de prisão arbitrária?, não podia ser ela, Mariana estava nervosa, e ainda sob o efeito do que inalou para desmaiar, com certeza não havia como a médica ser a assassina.

-  Pensa comigo, por maior que seja o trauma, se a pessoa está sendo ameaçada de morte por uma mulher insana vestida de Pierrô, sem ver o seu rosto, você esqueceria essa voz, Nil?.

- Tem razão, não esqueceria.

- Então Nil, não pode deixar passar nada em branco...

- Mas, Nicolle, somos seres humanos também, não somos máquinas, somos humanos. Erramos todo dia, poxa, mas, também acertamos,  tomamos decisões certas e erradas, e tudo bem.

- Você sabe...

Quando vi que a história ia seguir adiante, cortei o assunto da forma enfática que consegui.

- Meninas, isso é discutir o sex* dos anjos, não está na hora de apontar o dedo, está na hora de nos unir e prender essa assassina, não concordam comigo?.

Após algumas ligações, Nicolle recebeu por e-mail a lista de passageiros com destino a Belo Horizonte, Dominique imprimiu e levou até a sala.

- Nil, como é o nome da passageira?.

- Não lembro direito Dominique...Eunice, Helen?, Helena?...isso, era Helena.

- Tem duas Helenas na lista, Helena Soares e Helena Mandavitaque.

- É essa última, tenho certeza, vamos jogar seu nome no Google.

Encontramos rapidamente várias indicações, Helena Mandavitaque Jasmim, neurocirurgiã, pelo visto era uma excelente médica, haviam inúmeros elogios a ela no seu site de trabalho, era mencionada por seus pacientes de forma respeitosa e carinhosa, também aproveitamos para entrar em sua rede social, na foto de perfil estava elegantemente vestida e sorria de forma descontraída, também vimos seus prêmios e indicações, estava sempre participando de eventos e na companhia de famosos, ao abrirmos as inúmeras pastas de fotos, vimos que em uma delas estava escrito "Onde tudo começou", eram inúmeras fotos de Helena quando criança, nada demais, vi apenas uma menininha linda, com os cabelos pretos escorridos e olhos azuis, estava segurando uma boneca pelo pescoço ao lado de uma mãe sorridente, era uma criança linda, mas, muito estranha e não sorria em nenhuma das fotografias, o que contrastava com a felicidade e o evidente orgulho dos pais.

A Delegada Nicolle olhava detalhadamente as fotografias com os seus olhos de águia, e sorriu ao perceber que havia uma bastante peculiar entre elas, não disse nada e apenas apontou com seu dedo comprido e vi que havia uma pintinha marrom nele "que bonitinho, ela tem uma pintinha no dedo", pensei e voltei a olhar a foto, Helena devia ter uns nove anos, era a única foto em que estava sorrindo, ao seu redor estavam várias bonecas com a cabeça separada do resto do corpo e um castelo construído de peças de lego.

Conversamos um pouco mais e voltamos ao ponto inicial, nos assustamos ao ver a pasta "Artes Plásticas", era Helena em sua primeira faculdade, estava sorrindo enquanto esculpia uma mulher siamesa, estava entre várias esculturas humanas gigantescas, como artista ela era capaz de captar as mais íntimas expressões do rosto humano, de forma que parecia mesmo se tratar de pessoas reais em suas ações do cotidiano, nessa mesma pasta, haviam também as estruturas de suas obras inacabadas e em todas elas, Helena estava misturada as posições.

Na pasta "Meus livros Preferidos", não podemos deixar de reparar na foto central, nela Helena estava abraçada sorridente com o livro "A Divina comédia" de Dante.

- Nicolle, nós conseguimos, pegamos ela...a médica...é a Pierrô.

- Não seja ingênua Patrícia, essa foi a maneira que ela fez de se revelar para nós, abra a pasta onde está escrito filme.

Abri e o primeiro dos filmes era "Prenda-me se for capaz".

- O que vamos fazer agora?.

- Vamos ter que nos dividir, mande umas três viaturas para casa de Helena, por favor Patrícia, escolha os melhores, ela é perigosa, preciso também de uma equipe que vá aos hospitais que ela trabalha, e por fim, vou ligar imediatamente para o Delegado Francisco Paredes, Chicão é meu amigo de faculdade e atualmente mora em Belo Horizonte...

Segui com Dominique e mais três viaturas, estávamos preparados e com armas pesadas. Cercamos a casa com todo cuidado, e avançaram em busca de Helena, quando entraram, no entanto, apenas encontraram uma casa vazia e no meio do quarto principal um corpo em estado avançado de decomposição em um caixão branco, deixado ali no mesmo cenário construído para Mariana. A Pierrô havia conseguido completar, o "Sexto círculo - O Cemitério de Fogo".

.

...

Estava em casa perdida no meio de tantas caixas, já havia terminando de arrumar algumas coisas que havia comprado, mas, ainda haviam as caixas que Helena havia mandado pelo advogado. Rain estava ajudando bastante com a decoração, e principalmente, na recuperação do meu coração e autoestima.

- Que bom que sua ex mandou todas as suas coisas para cá, assim, não precisou ir lá buscar, já imaginou que desagradável?.

- Sabe, Rain, eu não ia me importar, Helena está onde deveria estar, no passado.

Rain foi até o jardim e voltou escondendo algo por trás das costas, carinhosamente colocou meus cachinhos atrás da orelha e de forma cuidadosa colocou uma florzinha.

- Espero não ficar apenas no presente, mas, que te acompanhe em seu futuro...

A puxei pela cintura, mas, Dimitri chegou gritando.

- Tão namorando, tão namorando.

Coramos e peguei meu sobrinho no braço convidando a todos para tomar banho de mar, sorri feliz, como há muito tempo não era.

Fim do capítulo