Mãos suadas ao acordar, coração palpitante nos primeiros raios de sol e embrulhos no estômago não eram os melhores sinais de que aquele dia iria render. Catarina estava uma pilha de nervos e seu corpo não fazia questão de esconder esse fato. O dia do vestibular chegou.

Levantar da cama parecia um carma irremediável, uma sentença da extenuante maratona que a aguardava dali a algumas horas. De nada adiantaria mais travar lutas internas quanto ao seu sentimento verdadeiro em relação ao temido teste: "Uma prova, ora, um pedaço de papel para começar a definir a carreira das pessoas, não há outra maneira de lidar com nossas vidas adultas e ser bem vista pela família e pela sociedade? Por que mesmo existe a alcunha ‘profissional de sucesso'?''

Olhou-se resignadamente no espelho; a resposta para seus questionamentos era mais óbvia que a água que sairia da torneira. Quase dezoito anos de uma vida confortável financeiramente serviam como uma afirmação tatuada dizendo que tudo tinha que dar certo na vida adulta de Catarina. Não haveria desculpas para um fracasso tendo sempre as melhores escolas à disposição, os mais atualizados materiais didáticos, tutores de renomados cursos de idioma e privilégios em cima de privilégios. Aquele era o dia de fazer tudo valer a pena.

O jeito era realmente se acalmar e aliviar o estresse antes do momento chave. Catarina ligou as caixas acústicas do quarto e retornou ao banheiro para um banho e cuidados com a pele que realizava diariamente. Despiu-se, pôs um roupão preto com as iniciais de seu nome bordadas em dourado, prendeu o cabelo e já estava abrindo a embalagem de loção facial quando ouviu batidas na porta do quarto.

-  Cate? Já está no banho?

- Um momento, papai. Ainda não entrei no banho, estou abrindo. "Chegou dez minutos mais tarde do que imaginei" - pensou ela, já sabendo que seu pai viria, cedo ou tarde, prestar um encorajamento matinal pré-vestibular.

- Como está, bebê? O estômago já começou a embrulhar?

- Nossa, desde ontem à noite, eu acho. Nem sei como consegui dormir.

- É normal. Papai irá te levar até a entrada da universidade, tudo bem? Quando terminar, não esqueça de me ligar para ir buscá-la, não importa o horário!

- Obrigada, papai. Pode deixar que farei isso.

O pai passou gentilmente a mão nos cabelos de Catarina e depositou um beijo carinhoso em sua testa na sequência. Ele se preparava para sair quando resolveu dizer mais algumas palavras de apoio:

- E, Cate, sei que é um dia importante, mas não se cobre tanto. Tudo bem se as coisas não saírem como você espera. Estaremos sempre te apoiando, minha filha. Tenho certeza que você passará em 1º lugar! Não duvidamos do seu potencial em ser aprovada, mas também não duvidamos de sua maturidade em enfrentar um obstáculo inesperado - terminou o discurso, emocionado.

- Ah, pai! Agora, além de nervosa, estou aos prantos! Obrigada, vocês são maravilhosos! Estou confiante, vai dar certo!

Não podia mesmo se queixar daquela vida. No andar de baixo um farto café da manhã esperava a ansiosa candidata. Débora, a mãe, estava sentada à mesa, tão nervosa quanto a filha. O pai desceu as escadas já recomposto do discurso emocionado:

- Ela está bem, um pouco aflita, mas confiante na medida certa!

- Que ótimo, Rodolfo! Nunca duvidei da sua capacidade de inspirar jovens que estão em apuros! Eu estava à beira de um colapso nervoso quando você me ofereceu aquele chocolate derretido na fila do cinema, se bem me lembro.

- Você adora essa história, não é?

- Claro. A história de como a gente se conheceu e de como você roubou o encontro de um desconhecido...

- Bendito seja esse pobre rapaz que te levou para ver Beleza Americana no mesmo dia em que eu!

- Ahahah, bendita seja a sua cara de pau!

- Eu não tive culpa que a porta do banheiro masculino emperrou, você sabe, né?

- Sei sim, meu príncipe do chocolate derretido... vem cá!

Trocaram um beijo apaixonado, como se os dezoito anos da convivência de casados fossem apenas um dia, o dia do primeiro encontro dos dois.

                                                       *****

Catarina saudou a mãe com o maior sorriso que seu aparelho ortodôntico e seu nervosismo permitiam. Rodolfo saíra para dar a tradicional caminhada com Bruce, o cachorro da família. Era um momento, portanto, entre mãe e filha:

- Cate, seu pai já me contou que você está confiante! Nós também, meu amor!

- Mãe, ainda sim quero um abraço de boa sorte ­- disse, estendendo os braços para Débora.

- Darei sete abraços. Sete é...

- Seu número da sorte! Será o meu também, a partir de hoje!

A sala de refeições irradiava a claridade da manhã pelas suntuosas janelas de vidro. Naquele momento, a sala parecia brilhar com mais intensidade diante do abraço maternal entre as duas mulheres.

Um pouco mais distante da bela cena de amor familiar, Rodolfo segurava a guia firmemente enquanto o cão farejava um montante de capim. O homem pensou que talvez Bruce estivesse com algum desconforto intestinal. Pensava quando iria conseguir ir ao veterinário quando seu celular tocou. Sorriu ao observar o visor, foi o primeiro a falar:

- Tão cedo? Será que sonhou comigo? Não, não me diga agora... estou no meio da rua e com as mãos ocupadas... iria só me emocionar...

- Nossa, como você é sujo! Sorte que minhas mãos estão livres, leves e soltas. Você quase acertou! Não sonhei, mas pensei em você a noite toda, meu amor... até dormir, acordar e ver que não estava aqui...

- Érika, você sabe que meu trabalho não me dá trégua, cheguei de uma viagem e em breve estarei indo para outra.

- Entendo, isso quer dizer que já está na cidade. A gente pode se encontrar no seu apartamento antes da Catarina fazer a prova?

­- Uau, lembrou do vestibular da Cate, atenciosa como sempre, meu amor. Infelizmente não podemos, a prova é agora pela manhã e mandei instalar câmeras de segurança no apartamento, lembra? Disseram que, porque esperei muito e estouraram o prazo, iriam instalar hoje mesmo, daqui a pouco.

- Esqueci das câmeras! Mas ei, será rapidinho, vamos matar a saudade logo, o restante do meu dia estará muito ocupado. Podemos nos ver enquanto Catarina faz a prova.

- Meu Deus, não dá para dizer "não" pra você... Também estou morrendo de saudade. Espere, acho que dá certo sim, mas não podemos passar mais do que quatro horas, ok?

- Mais do que suficiente, amor. Deixe-me pensar onde vamos nos encontrar...

Resolveram ir para um motel próximo à universidade onde Cate prestaria vestibular. A ideia era arriscada, mas a vontade entre ambos não aguentaria esperar mais. Eram necessárias as loucuras para evitar a monotonia, então tudo pareceu encaixar-se como uma luva.

Bruce terminou a inspeção no capim ao mesmo tempo em que a ligação se encerrava. Rodolfo estava animado, nem lembrou mais da ida ao veterinário ou do nervosismo pré-vestibular de Cate. Iria ver Érika, depois de semanas distantes um do outro, o encontro não poderia esperar mais e a excitação do perigo  o deixou com a respiração ofegante, mesmo sem realizar movimento algum.

Fim do capítulo