Aguenta coração, e vamos descobrir a origem do relacionamento de Janine e Alice...
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Música do capítulo de hoje:
>Moday, Monday - The mamas & The papas https://www.youtube.com/watch?v=h81Ojd3d2rY
Capitulo 7 - Ditadura nunca mais...
A história de Alice & Janine
Alice deu uma volta pela cidade para afugentar as lembranças de Bruna e não precisar responder nenhuma pergunta, já era noite quando chegou em casa indisposta e contrariada, deu um abraço em Chocolate, jogando com força a chave do carro em cima da mesa, indo direto a cozinha, avisando a Zefa que já tinha chegado mas não ia querer comer nada por enquanto, cumprimentou Sâmia com um aceno, deu um beijo na cabeça de Maitê que estava tomando uma sopa, a menina apenas subiu os olhos e sorriu, para logo depois piscar os olhos sonolentos em direção a Alice e falar bocejando "boa noite tia", voltando a se concentrar nos bichinhos coloridos feitos de macarrão que boiavam no seu prato, ninguém reparou que eles giravam em sentido anti-horário, devagarinho, apenas com a força do pensamento de Maitê.
A loira passou a mão diversas vezes em sua nuca para aliviar a dor que estava sentindo e entrou no quarto, pegando a toalha que estava em cima da cama para tomar banho, tirou o blazer, o scarpin, calçou o chinelo e dobrou as mangas da camisa, depois respirou e chegou à conclusão que se tomasse banho relaxaria e não ia conseguir estudar com Annick, puxou o ar de uma forma ainda mais forte e se encaminhou para o quarto da avó, levando apenas o seu Grimório na mão, queria aprender um pouco mais sobre magia, e neste dia em especial estava pensando em como iria elaborar um forte feitiço para manter Bruna o mais longe possível de si, ainda chegou a mencionar a ideia com Annick, mas, a Spirit Doll explicou que não se faz nenhum tipo de feitiço com mágoa ou raiva no coração.
Depois dessa conversa inicial Alice seguiu dispersa, esquecia facilmente os feitiços e o nome das ervas, e principalmente como usá-las, por isso foi aconselhada a descansar, a loira se despediu de Annick pedindo desculpas por não estar concentrada, voltando rapidamente para a casa principal.
Sorriu aliviada bastante aliviada ao escutar o silêncio que pairava na casa inteira, só assim tomou um banho demorado, vestiu apenas um roupão amarelo com seu nome bordado nas costas e foi até a cozinha, pegou um prato e esquentou a sopa que havia sobrado de Maitê e partiu um pãozinho, sentando para comer aliviada pois estava sozinha, até Chocolate já havia se recolhido, indo dormir com Maitê.
Olhou a sopa cheia de legumes e macarrão colorido e lembrou que essa era a sua preferida quando criança, e sentiu que estava mesmo precisando descansar. Pela janela do WhatsApp ainda viu vários recados de Bruna, mas, não estava com paciência nem de ler e muito menos de responder, logo desligou o celular, não sem antes boquear a ex e após comer, foi deitar, estava precisando.
Alice secou os cabelos que já estavam crescendo, ajeitando a franja atrás da orelha, estava muito indisposta para cortar ou fazer qualquer coisa em relação a vaidade, tudo que antes considerava imprescindível hoje achava uma grande bobagem. Após colocar seu pijama, deitou puxando a coberta, fechou os olhos e ouviu de longe uma música "Monday, Monday, so good to me, Monday mornin', it was all I hoped it would be, Oh Monday mornin', Monday mornin' couldn't guarantee...".
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Flashback on...
Era janeiro de 1968, a Ditadura militar estava enraizada fortemente no Brasil, milhares de pessoas desesperançadas com o endurecimento do regime contra o que os militares chamavam de "levante comunista" fundaram grupos de luta armada que se formaram principalmente após o golpe denomidado de Ato Institucional Nº 5, o AI-5, ocorrido no final desse mesmo ano, trazendo assim, algumas das mais sórdidas medidas arbitrárias que acabavam não apenas com a liberdade, mas, com a vida de muitos, pessoas eram presas e condenadas sem nem mesmo saber o motivo.
A ditadura militar, que é negada e até comemorada pelo atual Governo, deixou pelo menos 434 mortos e muitos outros desaparecidos, houve tortura de muitos e com as técnicas mais desumanas que se possa imaginar, foram ultrapassados todos os limites do sadismo e maldade ao extremo, eram meios de torturas vis como choques nas partes íntimas, ratos inseridos nas v*gin*s das torturadas, e pau de arara, neste tempo foi instituída a censura na imprensa e na arte, tudo isso levou artistas, intelectuais e outras pessoas ao exílio, foram cassados políticos, aumentou a desigualdades social e cercearam a liberdade de expressão como puderam. É nesse cenário de caos que a história ou o fim da história de Janine aconteceu.
Janine tinha uma vida estruturada, era casada há cerca de cinco anos com Renato, um engenheiro dono de uma famosa construtora e de caráter bastante duvidoso, mas, sua beleza e polidez conseguia esconder muito bem seus desvios. Janine estava bem, apesar da sensação de vazio que a acompanhava, só se sentia mais feliz quando estava em sua academia de ginástica, era formada inicialmente em Educação Física e marido havia realizado seu sonho, mas, não era suficiente, por isso havia voltado aos bancos da faculdade para cursar Jornalismo, um sonho antigo seu, lá conhecera Anna, moça de olhos verdes penet*antes que sentava na última fileira na sala de aula e não falava com ninguém. Anna nos intervalos se reunia com amigos do curso de Filosofia, e nesse meio não havia lugar para outros amigos.
Um dia, nesses acasos da vida esbarrou de frente, distraída que era em sua "colega silenciosa", um pedaço de papel caiu do caderno de Anna direto nas mãos de Janine, lá estava um endereço, Janine devolveu sorrindo, Anna sequer agradeceu, pegou o papel de volta e girou os calcanhares e foi embora, deixando Janine sem entender nada, no entanto, a educadora física já havia decorado o endereço, mesmo sem entender o que estava embaixo, o que seria um "aparelho"?, não entendeu nada, mas, tinha resolvido ir conferir, a colega não lhe dava a menor atenção, e sua reação normalmente seria deixar para lá, mas, não conseguia simplesmente.
Estacionou o carro, e conferiu o endereço que anotou em um caderno para não esquecer, pegou o elevador e chegou no apartamento certo. Uma moça séria atendeu, olhou rapidamente no corredor e perguntou baixinho:
- Qual é a senha?.
- E eu lá sei, senha?, que senha?.
- Pode entrar...
- Oi, sou Janine...
- Entra logo!!
Assim que entraram no apartamento, a moça pode respirar e falar com mais traquilidade em um quase sorriso.
- Prazer companheira, sou Camilla, não podemos ficar a toa fora do aparelho, vamos, a reunião vai começar
- Hã?, é o quê, aparelho?, companheira? - Falou Janine segurando o riso.
- Do aparelho...do apartamento por assim dizer, ah, quer saber?, tanto faz, é cada uma que me aparece...
Janine entrou e olhou a todos, procurou Anna com os olhos e viu que ela estava sentada em uma poltrona anotando algumas coisas. Enquanto isso a moça que atendeu a porta começou a falar.
- Gente, mais um companheiro nosso foi preso na tarde de ontem, o Luiz Alexandre, bicho, ninguém sabe onde ele está, viram um dos urubus trancando o Luiz dentro de um camburão, tenho medo que tenha algum dedo duro entre nós, vocês sabem que eles colocam pessoas deles o tempo todo dentro das faculdades para dedurar, temos que nos organizar melhor ou vamos ter outras vidas pedidas, precisamos sequestrar alguém, sei lá, trocar alguém pelos nossos companheiros, o grupo vai precisar ser reestruturado posteriormente com outras orientações...
Anna pediu a vez levantando a mão.
- A companheira Camilla tem razão, só precisamos dar mais um passo à frente, tivemos que partir para a luta armada, depois, nós do MR-8 estamos na frente de algumas ações, então precisamos nos reorganizar.
Anna falava firme até observar Janine encostada em uma parede, encolhida ouvido as falas.
- Ei Camilla, o que essa ai está fazendo na reunião? - Falou apontando para Janine.
- A companheira Janine sabia a senha Anna, eu disse que era uma péssima senha, bom, mas, já que ela sabia, fazer o que?, deixei entrar.
Anna foi até Janine, ficando na ponta dos pés para encarar o rosto da outra, devido aos centímetros a mais que a separavam.
- Quem te deu a senha?.
- Ninguém, eu disse que não sabia de senha alguma...ou algo assim.
- Bom, eu voto para apagarmos ela, quem sabe essa criatura não seja a dedo duro.
- Espera ai baixinha, não sou dedo duro nada, eu nem estou entendendo o que que estão falando, o que é MR-8, luta armada, senha, aparelho...eu só decorei o endereço que caiu no seu caderno, menina.
- Ai céus, por Osíris, em que mundo você vive?, eu não acredito nisso...você me seguiu?.
- Não, né?, quer dizer, sim, mais ou menos, sei lá...o fato é que estou por aqui e não pretendo ir embora até entender tudo.
Anna era contra, mas, Camilla achou que ela já ouvira muito mais do que devia, então, só haviam duas soluções, uma era explicar a situação, e com isso obrigatoriamente Janine entraria para o movimento, a outra seria matá-la, mas, não queriam agir igual aos que estavam lutando contra, assim, passaram o resto da tarde explicando a real situação do Brasil, o peito de Janine tremia, primeiro de medo, depois de raiva por tudo que não sabia que estava ocorrendo, e por fim, bateu em seu peito a coragem junto com a revolta, e um sentimento diferente de tudo que já sentira por alguém, olhou firme nos olhos de Anna, e teve certeza que com ela encontrara o verdadeiro amor.
Entre passeatas, reuniões e ações do movimento, Janine seguia cada vez mais envolvida tanto na luta contra a ditadura, quanto em sua relação com Anna, quando não estavam planejando algo, estavam juntas namorando e esperançosas de viver o amor que as unia em um outro país, nessa altura o marido de Janine já havia desconfiado e não demorou muito para colocar um dentetive no encalço da mulher, assim conseguiu com muita facilidade descobrir que a mulher estava participando do MR-8, Depois de alguns meses, Janine pediu a separação, que aliás, foi negada cada tentativa, Renato, alegava que queria reconsquistar Janine, mas, na verdade queria ganhar tempo para traçar uma vingança mais ardilosa, dessa forma, tramou tudo friamente e por baixo dos panos, fingindo que não percebia nada. Renato era aliado ao governo militar, fato totalmente desconhecido pela esposa, e a partir de um aluno infiltrado no movimento ficou sabendo de tudo o que precisava, não apenas do relacionamento da esposa com uma das comunistas, quanto do plano de fuga das duas para o Chile. No fundo tinha certeza que estava sendo traído, mas, pensava que Janine o traia com outro homem, ser uma mulher feriu sua honra e a cada vez que Janine negava um beijo alegando milhões de coisas diferentes, mais ódio sentia e arquitetava a cada minuto algo diferente.
Era 22 de dezembro de 1968, Janine e Anna estavam em um quarto de um pequeno hotel em Copacabana, suas malas estavam organizadas, e estavam prontas para deixar o país, amaram-se pela última vez antes da viagem e resolveram tomar um rápido banho, pois partiriam em duas horas. Anna deu um beijo na namorada, vestiram roupões do hotel e Anna olhou ao seu redor para conferir se tinham esquecido algo, inclusive as passagens, olhou novamente pensando que ainda teriam que jantar, quando dois policiais invadiram a porta do quarto com um grande chute, na frente entrou Renato, o marido de Janine, que gaguejou um "o que-e?" muito assustada, enquanto o marido sorria de forma debochada.
- Ora ora...por favor se vistam, essa cena está patética. Rapazes, sejam educados e entreguem as roupas das senhoritas.
Os policiais puxaram os roupões expondo a nudez das duas, enquanto isso, se deliciavam com a cena. Sabendo o que poderia acontecer por relatos ouvidos de outras mulheres, Janine e Anna se vestiram o mais rápido que conseguiram, evitando um possível estupro e causando ainda mais risos em Renato.
- Então, agora podemos ter uma conversinha honey, você pensou mesmo que não descobriria seu casinho Janine?, achou mesmo que te deixaria partir assim tão facilmente, querida?.
- Renato, você sabia de tudo, que ardiloso, eu já tinha pedido a separação não sei quantas vezes nesses meses todos, no ultimo mês sai de casa, devolvi a academia, o que mais queria?.
-Agradeça Janine, eu até pensei em experimentar um pouco a sua namoradinha e me disvertir um pouco com você, fazer uma despedida, mas, acordei sem vontade, sei lá, essa ai é muito sem graça. Policiais, cansei da conversa, podem levar as duas...
Tanto Renato, quanto os policiais, não faziam ideia que Anna e Janine haviam sido treinadas fortemente no MR-8, e por isso, foram pegos de surpresa. Janine conseguiu girar o braço do policial com toda sua força, puxando sua arma enquanto o mesmo gritava de dor, com isso atirou no policial e em seguida no marido. O outro policial que segurava Anna, a soltou para ajudar os parceiros, e com isso Janine conseguiu atingi-lo também. As duas fugiram com relativa facilidade e se esconderam por dois meses na região serrana do RJ, de lá seguiram para São Paulo, levando uma vida na clandestinidade, se engajando na ALN, a Ação Libertadora Nacional, grupo político clandestino criado por Carlos Marighella, que combatia através de Grupos Táticos Armados (GTA).
Apesar da fuga vitoriosa, ambas foram mortas anos depois em numa emboscada no bairro da Mooca, na capital paulista, em junho de 1971, metralhadas pela polícia quando saíam de um teatro junto com Camilla, o marido e mais quatro outros companheiros de organização.
A última coisa que Anna ouviu foi um "eu te amo" de Janine, que fechou os olhos para abri-los novamente no mundo espiritual. Anna se revoltou e ficou muito tempo presa a seus algozes obsidiando-os.
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Flashback off
Alice acordou sobressaltada, foi até o banheiro, um grito ecoou por todo o quarto quando viu o rosto de Anna no espelho, havia tido uma visão de sua última encarnação...
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E por muitos que se foram eu dedico esse capítulo e digo : Houve Ditadura sim...Ditadura, nunca mais!
Fim do capítulo
e ai, o que acharam?
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florakferraro
Em: 08/12/2020
Nossa, eu achei demais mesmo, muito interessante essa capítulo, e bem político se pensar bem.
Capítulo emocionante demas.
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brinamiranda Autora da história
Em: 13/07/2020
Pois é Marta, foi uma maneira de protestar e deixar registrado para que não volte mais a acontecer...
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Marta Andrade dos Santos
Em: 13/07/2020
Com certeza tive parente perseguido que conseguiu fugir e só retornou com a anistia.
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