Sophie esperou o momento certo para falar com Quinn e sabia que ela tinha um horário livre no mesmo tempo que ela. Assim que o sinal tocou foi até a sala onde sabia que Quinn tinha acabado de ter aula. Viu que ela ainda estava arrumando seu material e entrou, caminhando em sua direção.

– Oi - cumprimentou Sophie sem graça.

– Por que está falando comigo? – perguntou Quinn fria.

Sophie não conseguiu deixar de pensar que a Quinn que encontrara sexta naquele banco da praça parecia completamente diferente da pessoa que lhe lançava aquele olhar frio.

– Eu só queria falar com você sobre sexta - disse ainda sem graça - Você sabe... - olhou em volta para se certificar que não tinha ninguém, mas todos já haviam saído da sala - O beijo...

Quinn não disse absolutamente nada. Não sabia o que falar. Não poderia se declarar para Sophie. Seria ridículo, no mínimo, ela estava apaixonada por Claire. As duas ficaram se encarando no silêncio por alguns segundos constrangedores.

Diante do silêncio, Sophie voltou a falar.

– Eu fiquei sabendo do que aconteceu com o Matt naquele dia e sinto muito. Eu não vou contar a ninguém...

– Tudo bem - concordou Quinn segurando a vontade de olhar para os lábios de Sophie e beijá-la novamente.

O silêncio constrangedor durou mais alguns segundos.

– Então está bem - falou Sophie nervosa sem saber mais o que falar.

Achou que Quinn no mínimo teria um diálogo com ela, nem que fosse para fingir que nada aconteceu, mas aquilo estava mais parecendo um monólogo e ela estava se sentindo muito idiota. Claramente o beijo não tinha sido nada relevante para Quinn, ela nem estava se dando o trabalho de negar ou desprezar Sophie.

– Eu vou ir embora agora – constatou Sophie nervosa, sem saber o que fazer com as mãos.

Assim que ela saiu da sala, Quinn sorriu. "Como ela conseguia ser ainda mais encantadora?".

Depois que Sophie lhe contou sobre o beijo trocado com Quinn, Kevin revivera em sua mente tudo que estava estranho naquela situação. Quinn implicava diariamente com Sophie fazendo comentários homofóbicos, mesmo ele sabendo que a ex-melhor amiga não tinha esse preconceito. E além disso já havia percebido seu olhar direcionado à Sophie. O beijo era apenas a confirmação do que ele já suspeitava.

Na terça-feira ele tinha um tempo livre na mesma hora que Sophie e Quinn, mas sempre o utilizava para estudar na biblioteca. Naquela semana ele decidiu ir para a sala de estudos, local onde Quinn sempre ficava.

Sentou-se numa mesa perto dela tentando tomar coragem para conversar com a ex-amiga, mas sentia-se um covarde, com medo do que poderia acontecer. Ela provavelmente o perguntaria sobre o passado e ele não sabia qual seria sua reação ao descobrir a verdade.

De repente Kevin percebeu que de onde Quinn estava, ela olhava quase que hipnotizada para Sophie treinando do lado de fora.

Riu internamente e foi até a mesa de Quinn esquecendo-se momentaneamente do nervosismo.

– Você gosta dela! - constatou falando baixo enquanto sentava-se de frente para ela.

– O que? - perguntou Quinn assustando-se e olhando para os lados.

Havia apenas mais cinco alunos espalhadas pela sala de estudos e eles estavam todos a uma distancia segura, compenetrados em seus livros.

– Você gosta da Sophie! - repetiu apontando a amiga que treinava do lado de fora.

– Você está maluco! - tentou disfarçar.

– Você esqueceu que eu te conheço muito bem e sei quando você está mentindo. Você gosta dela! Eu sei!

Quinn sabia que não conseguiria enganá-lo. Fechou os olhos culpando-se e respirou fundo antes de perguntar.

– Fui tão óbvia?

– Só para mim. Eu já estava achando estranha a sua implicância com ela, mas depois da festa de sexta que eu vi você sair correndo e o beijo que deu nela depois, eu não tive dúvidas!

– Ela te contou do beijo? - perguntou nervosa e quando ele assentiu com a cabeça, disparou: - O que ela disse? O que ela achou? Ela gostou?

Kevin riu do nervosismo de Quinn antes de responder.

– Ela gostou! Mas acha que você só beijou ela para se vingar do Matt por ter traído você!

– Que estúpida! - disse colocando as mãos no rosto.

– Você devia falar para ela! - ele incentivou.

– E falar o que? Ela ainda está apaixonada por aquela gorda esquisita! – falou enciumada.

– A Claire não quer nada com ela... Fala com a Sophie! Ela é muito legal! Ela vai entender.

Ela era mesmo. Ela era uma pessoa incrível e encantadora. Quinn ficou alguns segundos em silêncio e voltou seu olhar para Sophie se exercitando do lado de fora de sua janela. Naquele momento não escondeu seu olhar de admiração e até deixou um sorriso bobo escapar de seus lábios.

– Nossa! - comentou Kevin acordando Quinn de seus próprios devaneios - Eu não vejo você com esse sorriso bobo desde que tínhamos 5 anos e compramos aqueles chaveiros de unicórnio combinando - ele brincou e Quinn riu sendo carregada pela memória.

– Eu lembro disso! Você ficou tão grudado naquele unicórnio que até tomava banho com ele – ela disse e os dois riram.

Naquele momento parecia que nada havia mudado entre eles, que os dois ainda eram melhores amigos que dividiam segredos, vivências, alegrias e tristezas.

– Eu ainda tenho o meu unicórnio, acredita? - segredou Quinn - Fica na minha mesa de cabeceira.

Kevin sorriu e abriu a mochila.

– Eu também ainda tenho o meu - disse retirando dela o pequeno chaveiro com um unicórnio violeta já desgastado pelo tempo.

Quinn o pegou em suas mãos e sorriu mais uma vez com a lembrança, mas junto da boa memória, veio uma recordação muito ruim e ela desfez o sorriso. Lembrando-se de Sophie falando para ela conversar com Kevin uma última vez, lançou a pergunta que tirava seu sono há anos.

– Por que você parou de falar comigo? – perguntou séria e triste, enquanto colocava o chaveiro de volta na mesa.

Kevin também ficou sério e nervoso, mas respirou fundo e tomou coragem.

– Eu não queria – começou a contar e então narrou com detalhes o dia em que a mãe de Quinn o ameaçara para ficar longe dela.

Antes mesmo dele terminar, Quinn sentiu algumas lágrimas descerem de seu rosto de forma incontrolável.

– Claro que é culpa daquela bruxa! – falou Quinn com raiva, tentando segurar as lágrimas. Riu de forma ironicamente triste e completou - Eu devia ter imaginado.

– Eu sinto muito, Quinn!

– Por que você nunca me disse?

– Eu tinha muito medo! Desculpa, eu não queria ter te magoado!

– Mas você me magoou e muito! Eu fiquei maluca tentando pensar no que eu tinha feito de errado!

– Foi horrível, eu sei! Eu me sinto péssimo desde aquele dia! Foi a pior decisão que eu já tomei e não passa um dia que eu não me arrependa! Perder você foi a pior coisa que me aconteceu! - ele disse também chorando.

O sinal tocou e todos os outros alunos saíram da sala, mas nenhum dos dois se moveu. Quinn ainda processava a informação. Depois de alguns dolorosos segundos em silêncio, Kevin voltou a falar.

– Ela falou que ia te machucar e eu sabia que não estava blefando! Eu só queria te proteger!

– Não era sua escolha! - disse Quinn levantando-se repentinamente.

Naquele momento ela não mais conseguia esconder as lágrimas.

– Eu fiquei duas semanas sem nem sair do meu quarto! – seu choro aumentou e ela fechou os olhos como se tentasse fugir da lembrança dolorosa – Eu tentei me matar, Kevin!

Ele ficou sem chão ao ouvir sua confissão e não mais segurou as próprias lágrimas que caíam com culpa.

– Eu preferia ter apanhado dela todos os dias da minha vida do que ter perdido a única pessoa que realmente se importava comigo! - Quinn falou antes de sair correndo da sala, deixando Kevin sem saber o que dizer.

Os corredores estavam vazios e não havia ninguém para vê-la chorar, mas naquele momento ela não se importava absolutamente nada com o que os outros pensavam. Naquele momento ela não ligava em manter as aparências de Rainha de Gelo, muito pelo contrário. Ela queria apagar tudo que acontecera em sua vida depois daquele verão em que Kevin a abandonara.

Correu até seu carro e trancou-se lá deixando todas as lágrimas caírem sem medo e sem vergonha.

Ela não aguentou ficar ali por muito mais tempo, sentia uma enorme vontade de sumir do universo, mas como isso não era possível, ela poderia ao menos sumir daquela escola. Nem se importou que as aulas ainda não haviam terminado e muito menos com o treino das líderes de torcida que ocorreria logo depois.

Ela ligou o carro e tentou secar as lágrimas conforme caíam para poder enxergar o caminho que fazia. Finalmente chegou ao seu destino e quase correu depois de estacionar o carro. Foi até um de seus lugares preferidos, um pequeno bosque perto da praça da cidade. Em especial uma árvore grande, na qual sempre se encostava para pensar sobre a vida. Quando era criança, ela e Kevin brincavam de pique esconde ali. E desde então era para onde fugia, quando precisava de um descanso de sua vida.

Escorregou até o chão e não conseguiu impedir as recordações de tomarem conta. Pensava naquele dia, anos atrás quando tentara acabar com tudo.

Depois que Kevin a abandonara o que havia sobrado? Uma mãe abusiva que não a amava de verdade. Um pai que sequer via há anos. Uma vida miserável sem ninguém que a amava. O que sobrava? Apenas dor. E ela queria acabar com a dor. Por isso pegara um pote de remédios da mãe e tentara acabar com todo o sofrimento. Mas não funcionou, não eram fortes o suficiente e ela apenas vomitou por horas e arrependeu-se amargamente.

Depois daquele dia havia se prometido nunca mais ser fraca. Nunca mais deixar ninguém a machucar daquela forma. Nunca mais sofrer. E ali, nasceu a Rainha de Gelo. Mas ela não era real, assim como uma vida sem dor também não era. Sofrimento fazia parte de qualquer realidade e ela nunca conseguiria de fato cumprir a promessa que fizera a si mesma naquele dia.

Pelo menos nunca mais havia sentido a vontade de fazer aquilo de novo, por mais vazia que se sentisse.

Naquele momento, debaixo da árvore que usava quando criança para contar até vinte enquanto o melhor amigo se escondia, Quinn não conseguia parar de chorar e achava que aquilo duraria para sempre.

Sentia-se vazia, traída. Sentia-se com raiva e acima de tudo com inveja de uma vida que poderia ter sido.

Não saberia dizer ao certo quanto tempo ficou ali, chorando, até ouvir passos virem em sua direção.

– Eu sabia que te encontraria aqui - disse Kevin sentando-se ao seu lado – Desde criança você sempre vinha para cá quando estava fugindo de alguma coisa.

Quinn continuou sem falar nada, fazendo barulho apenas com o som de seu choro.

– Se eu pudesse voltar no tempo eu nunca teria me afastado de você - disse Kevin emocionado – Foi a pior coisa que eu já vivi! Eu não posso mudar o meu erro, mas eu posso te prometer nunca mais te machucar de novo.

Quinn olhou para ele, tentando parar de chorar e viu o olhar emocionado de Kevin.

– Me deixa sozinha! – suplicou.

– Você pode não querer falar comigo, mas eu não vou sair daqui. Eu não vou te abandonar nunca mais!

Quinn rendeu-se e abraçou Kevin, deixando todas as lágrimas que estavam presas a anos saírem. E naquele momento Quinn não se sentiu mais vazia. Por mais que continuasse chorando, não conseguia se lembrar a última vez que se sentira tão feliz.

Fim do capítulo