Capitulo 1
Olhou para o relógio que estava em cima do criado mudo. O aparelho marcava 04h45min. Já era a terceira noite seguida que não conseguia pregar os olhos e ter uma noite de sono tranquila. Revirava os olhos na tentativa frustrada de esquecer seus sentimentos. Desejo e raiva se misturavam.
Era assim, desde o fatídico dia do acidente de trânsito. Lembrava-se dos olhos furiosos da mulher que saia do carro em que ela batera. Cor de mel, intensos e brilhantes. Não sabia dizer em qual momento, ao certo, passou a enxergar os riscos verdes escurecidos que completava a paleta de cores daqueles olhos extraordinariamente sedutores. Só conseguiu desviar a atenção deles, quando ouviu a mulher bater com a ponta do pé direito no chão, impaciente, esperando claramente um pedido de desculpas ou explicação. Observou a mulher alta, de uma elegância impecável. Cabelos lisos e castanhos, que julgou ser escuros, alinhados em um coque moderno onde alguns fios soltos davam o charme no penteado. O rosto fino e expressivo abrigava uma boca marcada em um batom vermelho que a tornava convidativa. No pescoço uma fina correntinha que imaginou ser de ouro, com um pingente de um pincel bem delicado. Olhou para o colo que era coberto com uma blusa de seda azul onde os primeiros três botões estavam livres dando um ar sensual e elegante ao mesmo tempo. O corpo em boa forma recebia uma calça social branca e sandálias pretas nos pés. Saiu do transe da avaliação e encarou a mulher.
- Me desculpe. Eu... eu não percebi o carro andar. Pode ficar despreocupada, que vou arcar com o prejuízo.
A mulher arqueou uma das sobrancelhas e a encarou de forma sarcástica:
- Não deveriam deixar adolescente tirar habilitação. São tão irresponsáveis!
E sem dar a chance para outra responder completou:
- Já estou atrasada. Tenho um compromisso importante menina. Não tenho tempo para que você ainda tenha que ligar para os seus responsáveis.
Retornou ao carro e voltou com um cartão na mão e entregou para a mulher a sua frente que a encarava perplexa pela falta de educação com que era tratada.
- Este é o meu contato. Espero sua ligação para acertarmos o conserto.
Entrou no veículo e deu partida.
Marina repassava a cena em sua memória ainda deitada na cama. Sentia raiva por ter sido tratada daquela maneira. Afinal, quem nunca se envolveu em um pequeno acidente de trânsito? Era verdade que estava digitando no celular quando bateu no carro a frente. Mas não se conformava com a rispidez que fora tratada muito menos de ser julgada como adolescente. Tinha seus 29 anos e sua independência financeira. Não dependia de seus pais para nada, como a petulante mulher julgou. Ao mesmo tempo não conseguia esconder dela mesma o desejo que sentiu imediatamente ao olhar naqueles olhos apaixonantes.
Levantou-se e caminhou para o banheiro. Olhou-se no espelho. Seus olhos castanhos demonstravam o cansaço da terceira noite sem dormir. Precisava ligar para o número do cartão, mas estava sem coragem. Ainda sentia raiva.
Após tomar banho, penteou seus cabelos negro e liso. Observou que estavam passando da cintura. Já era hora de fazer uma visita ao salão. Vestiu uma calça jeans que dava perfeita forma às pernas malhadas de academia. Apanhou uma blusa branca e calçou seu confortável tênis. Olhou para o relógio em seu pulso esquerdo e conferiu a hora: 07h24min. Decidiu tomar café na padaria antes de resolver o problema que tanto a atormentava.
***
Enquanto levava a xícara de café expresso à boca, encarava o cartão em sua mão direita. Leu mentalmente mais uma vez:
Estela Miller
Artista Plástica.
Email: miller@galeria.br
Tel: (21)98569666
End: R São Clemente, 300 - Botafogo RJ.
Pensava em como uma pessoa tão mal educada poderia ser uma artista plástica. Pouco entendia de artes, mas tinha convicção que um artista, fosse ele em qualquer ramo, deveria ter o mínimo de sensibilidade. Olhou mais uma vez para o número do telefone que estava no cartão e logo depois se concentrou no endereço. Não ficava longe de onde morava, 15 minutos de carro já vencia a distância. Naquele dia tinha paciente marcado só na parte da tarde. Tinha tirado a manhã para comprar algumas coisas que faltavam para seu consultório odontológico. Recostou-se na cadeira e suspirou pesadamente, não sabia se por raiva ou insatisfação por não saber agir diante daquela situação. Fechou os olhos e decidiu que não ligaria, iria pessoalmente ao endereço da tal galeria. Queria mostrar mais para ela mesma que era capaz de resolver a situação sem se deixar abalar pelo pré julgamento que sofrera. No fundo sabia, também, que queria olhar novamente nos olhos da mulher que a deixou sem palavras há três dias. Acenou para o rapaz da padaria se despedindo e foi em direção ao seu carro decidida.
Olhou para o prédio alto, moderno e com características contemporâneas. Entrou e logo perguntou a um segurança que estava à procura de Estela. Foi encaminhada para o segundo andar e deu de cara com uma enorme sala, com quadros e esculturas espalhados. Alguns sofás e poltronas de couro. Olhava para uma pintura abstrata quando foi abordada por uma senhora gentil.
- Bom dia, procura por alguém?
- Bom dia, estou procurando Estela Miller.
- A dona Estela já chegou. Qual o seu nome?
- Me chamo Marina, mas acredito que não fará diferença. Ela não sabe meu nome. - Fez uma pausa e completou - Estou aqui pra resolver o problema do acidente de trânsito que tive com ela essa semana.
A mulher deu um sorriso e se afastou pedindo que esperasse. Já estava arrependida por ter ido. Poderia simplesmente ter mandado um e-mail com o endereço do mecânico. Mordeu o lábio, nervosa e, antes que pudesse se sentar para aguardar, a senhora retornou pedindo que a acompanhasse.
- Dona Estela vai atender você. A sala dela é a ultima porta à esquerda.
- Obrigada. - Foi o que conseguiu falar antes de sua boca secar e as mãos tremerem em forma ansiedade.
Caminhou a passos lentos e parou diante da porta indicada. Passou as mãos nos longos cabelos colocando alguns fios para trás das orelhas. Suspirou e bateu na porta e logo escutou a autorização para que entrasse. Abiu a porta e encontrou Estela sentada olhando para o computador à sua frente. Estava linda como Marina imaginava. Os cabelos, dessa vez, soltos, um pouco abaixo do ombro. Nos lábios o mesmo batom que usara no dia do acidente. Percebendo que não havia olhado ainda nos olhos que tanto a instigava, falou:
- Bom dia, eu vim para acertar o conserto do seu carro. Desculpa não ter vindo antes, estava atarefada no trabalho - enfatizou a última palavra de forma sarcástica. Já que tinha ido tão longe não iria abaixar mais a cabeça para Estela.
Foi então que Estela tirou os olhos da tela e a encarou. Franziu a testa e perguntou:
- Se deu ao trabalho de vir aqui? Por que não me ligou?
- Não pretendo ficar trocando ligações com você. Preferi vir para acertarmos tudo sem que precise de outro contato.
Era perceptível no tom de voz de Marina o quão ofendida estava diante do tratamento que recebera. Estela a encarou com curiosidade. Apontou a cadeira a sua frente e fez sinal que sentasse.
- E como vamos resolver isso? - Perguntou Estela.
- Tenho um mecânico de confiança e ele já está ciente que vai procurá-lo. Ele irá realizar todo o conserto necessário e me informar o valor. Você pode ir hoje, fica aqui em Botafogo mesmo.
- Certo - Estela cruzou os braços e sorriu de forma carinhosa, pela primeira vez - Qual é mesmo o seu nome?
-Marina. Saberia se ao menos tivesse tido a educação de ter me deixado falar naquele dia.
- Me desculpe Marina. Olha, não foi grande o estrago no carro, não precisa pagar ok?
- Faço questão! Não sou mulher de não arcar com meus erros. Posso? - perguntou apontando para um bloco de papel e uma caneta que estava sob a mesa. E sem ao menos esperar a resposta tomou em mãos e começou a escrever o endereço do mecânico.
- Pronto. Esse aqui é o endereço, pode levar lá.
- Marina, não precisa. Foi um amassado bobo e...
De forma súbita, Marina a impediu que continuasse e colocou as mãos sob as da mulher que segurava o papel com o endereço.
- Você me chamou de irresponsável e adolescente. Posso não ser tão velha, mas garanto que estou longe de ser uma adolescente mimada. Portanto, ainda que você continue achando isso de mim, eu faço questão que você leve o carro para consertar. Se não quiser o mecânico que indiquei pode levar em um da sua preferência se for o caso.
Percebeu que ainda estava com as mãos sob as de Estela e as tirou de fora repentina. Abaixou a cabeça envergonhada pelo gesto e quando fez menção de se levantar a mulher mais velha falou:
- Peço desculpas pela forma que te tratei. Confesso que fiquei irritada porque tinha um compromisso importante e não queria me atrasar. Se faz tanta questão mesmo em pagar eu levarei o carro hoje no endereço que me passou.
- Certo. Foi o que Marina se limitou a dizer.
- Eu não te acho uma adolescente e irresponsável. Sorriu. Na verdade vejo a minha frente uma mulher bastante bonita e decidida.
- Eu preciso ir, preciso passar ainda no consultório. Disse de forma atrapalhada, visivelmente constrangida pelo elogio não esperado vindo da mulher que a visitava em suas noites há dias.
- Consultório? É médica?
- Dentista.
Estela levantou e foi caminhando até Marina com um sorriso doce nos lábios. Parou a sua frente, sentou levemente sob a mesa e comentou de forma sincera:
- Que informação ótima! Preciso mesmo de uma dentista. Você poderia ter ver se tem algum horário pra mim em sua agenda, preciso de uma limpeza. - Percebendo que Marina estava surpresa e, provavelmente, sem graça diante dela, Estela foi sincera. - Eu sei que fui rude com você e nem de longe é uma característica minha. Quero que me desculpe. E realmente estou precisando de uma dentista e ao que me parece você é daquelas que é competente no que faz.
- Eu.. eu posso ver como estão os meus horários - levantou-se, olhou nos olhos que tanto se lembrava, viu os riscos verdes se misturando no mel. Sentiu o coração disparar diante dos pensamentos obscenos que passou pela sua cabeça. Sorriu e completou - Leve o carro no endereço que te dei. Entro em contato com você ainda hoje para te passar o horário que poderá ir ao consultório. Ia saindo quando sentiu as mãos de Estela em seu antebraço direito. Arrepiou-se com o toque.
- Espera! Você não me disse se me desculpou. Vai Marina, sou uma mulher de 42 anos que não quer carregar essa culpa - disse de forma divertida e com um olhar brilhante.
- Tá desculpada Estela. De verdade.
- Então vem cá e me de um abraço
A puxou abraçando, sentindo o cheiro amadeirado que vinha do pescoço. Marina sentiu um arrepio não só com o abraço que não esperava, mas com a forma de que o rosto de Estela se encaixou em seu pescoço.
- Espero sua ligação. Disse Estela soltando Marina.
Fim do capítulo
Espero o feedback de vocês!!
Beijos!!
Comentar este capítulo:
Hanna Quexua
Em: 11/07/2020
Amei!! Já quero mais. *-*
Resposta do autor:
Oi oiiee!
Seja muito bem vinda!!!!!!!
Espero que goste do desenrolar desse romance ;)
preguicella
Em: 19/06/2020
Comecei a gostar pela sinopse já gostei,se tem um triângulo por acontecer imagino que vai dar o que falar.
Tadinha de Marina, pelo visto vai sofrer na mão de Estela bipolar. hahaha
Já quero o segundo capÃtulo!
Bora comentar meu povo! hahaha
Bjão
Resposta do autor:
Oie oieeee!!!
Sem dúvidas um triângulo é sempre a faísca de uma história que tem tudo pra pegar fogo kkk
Marina que se cuide kkkk
Espero que continue gostando da história e obrigada pelo seu feedback
Bjaoo e até domingo.
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LMdreams
Em: 18/06/2020
Aeee Loren parabéns pela sua desenvoltura na escrita, certamente que vou acompanhar esse romance.
Bjos , Lara
Resposta do autor:
Oi oie!!!
Feliz em saber que conquistei um comentário tão otimista vindo de uma autora que tanto admiro!!!!
Me sinto lisonjeada por isso.
Obrigada pelo carinho ...
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