Que proposta, Baronesa?
CARMEN
Nunca espero o retorno de ninguém, somente os que me pagam bem o suficiente e me trazem um pouco de diversão têm o prazer da minha companhia por mais de uma noite, não sou uma dama que toma apreço por cliente, muito menos coleciono freguesia. Mas em meu âmago esperei novamente a presença imponente da Baronesa de Vassouras na pensão. Nossa noite perambulou–me as entranhas da memória por longos dias e me peguei correndo em sua direção e desejando–a enquanto outros me tocavam, isso nunca me aconteceu, mas creio que depois de desfrutar dos imensos prazeres que ela me proporcionou, seria difícil esquecê–la tão de imediato.
Fugi de Margot uma noite dessas que a lembrança prazerosa me invadia, não quis exercer meu ofício e fui–me ao teatro, gostava das artes e curti a noite enquanto era cortejada por grande parte dos homens, mas não me deitei com nenhum nem por rios de dinheiro, era uma noite só minha e quando a peça acabou, continuei ali bebericando um vinho, admirando a lua cheia, o céu que presenteava–me com suas belas estrelas e a minha extraordinária companhia. Gosto de estar só, me arrasta a lugares e momentos bons e ruins e pensar sempre me foi um dos pecados favoritos. Pensar nos prazeres com Isabel tornara–se meu pecado mais mortal.
Quando voltei para casa, a noite já estava no fim. A música já tinha cessado e as criadas da casa limpavam o salão. Não estava com sono e resolvi sentar–me em um banco no pátio que dava uma vista incrível em direção à lua.
– A bela dama aceita companhia? – Maria, uma das mulheres mais antigas da casa brincou.
– Venha! – Sorri verdadeiramente à minha grande amiga e dei espaço ao meu lado.
Maria era uma mulher de beleza inegável. Os cabelos castanhos caíam em cachos até suas costas, os olhos verdes faziam contraste com sua pele de cor. Tinha uma voz possante e intimidadora, uma característica que, sem dúvidas herdara da mãe, não conheci um branco que tivesse esse timbre de voz diferente. Era filha bastarda de um rico francês com uma negra escrava. Chegou aqui quase junto comigo, Margot e eu fomos a muitos lugares da Europa antes dela abrir a Pensão, mas Maria veio até aqui e pediu abrigo. Acabou expulsa da fazenda que morava quando o pai morreu e suas propriedades passaram à esposa e o filho legítimo que era uma criança ainda. Levando em consideração as desumanidades que faziam os escravocratas, a madrasta era piedosa. Jogou Maria ao relento, mas não a açoitou até a morte. Podia–se considerar uma menina sortuda. Margot deixou que ela ficasse inicialmente como uma criada, já tinha seus vinte anos, mas sua beleza chamou a atenção. Logo eu e ela movimentávamos mais dinheiro à essa casa que todas as meninas juntas.
– Não te vi no salão hoje, mas vi Margot com um mau humor palpável. Fugiu dela? – Maria perguntou.
– Fugi! Fui ao teatro, precisava de um tempo só.
– Que mal te aflige, minha amiga?
– Por hora, nenhum. – Sorri. – Mas assim que Margot pôr os olhos em mim…
Gargalhamos e seguimos ali até o sol raiar. A companhia de Maria era sempre agradável. Era uma mulher com mais de quarenta anos, já vivera muitas tristezas, o que a tornou um ser de admirável profundidade, nenhuma conversa com ela era rasa, sempre tinha um quê de melancolia que prendia quem quer que fosse.
***
Passou–se um bocado de dias desde a visita da Baronesa na casa. Procurei seus olhos negros pelo salão grande parte deles, mas, por fim, desisti. Pareceu–me que não retornaria, como bem havia dito e me senti um pouco incomodada. Todos sempre voltavam correndo e implorando por mais uma noite, mas ela não veio no dia seguinte, nem no outro.
Hoje uma figura importante estava a minha espera no salão, Margot já tinha me falado sobre a visita de um grande comerciante americano e me vesti à sua altura. Olhei–me no grande espelho, estava elegante, mas nem de longe me assemelhava as mulheres comuns. As cores que eu usava me denunciavam.
Quando desci às escadas de madeira, ele veio em minha direção com Margot. Passamos parte da noite em uma mesa com um bocado de estrangeiros, conversavam de negócios. Algumas meninas divertiam os outros velhos, mas eu, discretamente prestava a atenção na conversa. Um dos motivos dela me destinar a ele nessa noite. Margot exigia a minha presença nas reuniões de negócios relacionadas ao bordel. Ela já era uma senhora com idade avançada e aos poucos destinava à casa a mim.
Quando a conversa se encerrou, subimos para o meu quarto. Philipe era um homem sábio, entendia de números, falava dos negócios por horas e com uma maestria invejável. Mas não era tão dedicado às mulheres. Em sua passagem por meus aposentos conversamos mais sobre seus negócios e a vontade de expandir seu comércio para este Império do que qualquer outra coisa. As intimidades não duraram muito tempo, era um homem apressado e ainda bem! Assim não me matava tempo.
A casa já estava vazia quando ele saiu e o acompanhei até a escada.
– Vamos, Baronesa! – A voz irritante de Sofia saiu mais alto que o necessário. Obviamente ela queria chamar a minha atenção e ao anunciar a pessoa que entrava no quarto com ela, conseguiu. Menina patética.
Fiquei incomodada. Penso que não ficaria tanto ao vê–la entrar no quarto de qualquer outra dama dessa casa, mas Sofia? Que mau gosto, Baronesa!
– Vai mesmo entrar com ela? – Perguntei.
– Nasci desprovida de paciência, Carmen e tu não és a única puta desta casa.
Entrou no quarto me deixando furiosa. Abusada! Como ousa? Voltei para o meu quarto de mau humor. Menti quando disse que não me incomodaria se estivesse com outra dama, me incomodaria, sim! Esperei por seus prazeres e não gosto de compartilhar diversões. Mas, no fundo, senti uma alegria ao vê–la outra vez. Eu sabia que ainda essa noite ela invadiria esse quarto. E como previ, depois de algumas poucas horas, lá estava ela com os cabelos desgrenhados, a cara de bêbada, a camisa branca toda desajeitada e marcas de um batom rosa de péssimo gosto no colarinho. Ela não se deitou com a menina, sei que não.
Isabel me olhou através do espelho e eu sorri de lado quando ela encarou minhas costas desnudas.
– Cansou de Sofia, Baronesa?
– Sim, já acabei com ela – Disse com desdém. Mentirosa.
– Hum… então por que não voltou ao salão e escolheu outra menina? – Perguntei com o sotaque carregado de veneno. Essa mulher me deixa quente. Senti falta.
– Porque não quis, Carmen. Quero deitar–me contigo outra vez.
Ah, eu também quero, Baronesa!
Virei para ela tirando o resto do meu vestido carmesim e expondo meu corpo nu.
– Eu não sou a única puta desse bordel… – repeti a sua frase com deboche. – Saia, quero me banhar.
Caminhei até a tina que a pouco havia sido preparada para mim e ouvi a porta bater com força, gargalhei e entrei no banho.
– Tu eres muy terca, mujer.
– E tu és uma abusada! Pensas que estás falando com quem? – Isabel puxou meus cabelos que estavam enrolados e eu continuei rindo.
– Achas que eu sou as outras putas desse lugar que fazem o que tu ou que qualquer outro homem rico quer? – Estalei os lábios três vezes e puxei sua gravata para que ela ficasse bem próxima. – Cuidado, Baronesa…
Lambi seu rosto descendo até o pescoço e mordi. Olhei para ela e pisquei.
– Saia, garota. Quero me banhar…
– Eu não sou uma garota, Puta! – Ri.
Pacientemente terminei meu banho com seu olhar luxurioso sobre em mim.
– Então, mostre–me…
Levantei, me enrolei em uma toalha e soltei meus cabelos cacheados que desciam até o fim das minhas costas, ela não tinha os vistos assim da outra vez, estavam presos em um penteado. Olhei para a mulher e mordi os lábios. Isabel veio rápido, quase como uma bala e agarrou meus cabelos, me empurrou até a parede e mordeu meu ombro tão forte que eu sabia que teria que maquiar o local por dias. Foi bruta na medida certa, me estapeou, jogou–me na cama, abriu minhas pernas e entrou em mim sem ensaio, gemi alto e ela gem*u junto quando sentiu o quanto me enchia de desejo.
– Olha como fica. – Sussurrou no meu ouvido. – Admita que gosta ser minha.
Sua cordialidade morreu nos sussurros que dava em meu ouvido, era vulgar e ao mesmo tempo sensual.
– Admita usted, Baronesa… – Falei gem*ndo – Que não importa quantas cortesãs hajam neste Império, yo soy la mejor! Tu e todos sabem disso.
Ela estapeou–me outra vez e eu gemi, quanto mais brava, mais prazer ela me dava. Isabel era viciante.
Não sei bem quanto tempo ficamos ali, mas o sol já havia nascido quando ela se atirou na cama e me puxou para deitar ao seu lado, eu estava tão cansada que imediatamente adormeci.
– Carmen… – Sua voz rouca me chamou calma enquanto passeava um dedo por minha face. – Querida…
– Usted ainda aqui, Baronesa? – Perguntei ainda de olhos fechados, a mulher riu. – Que horas são?
– Já passa das onze da manhã. Tua amiga veio aqui te chamar.
– Que amiga? – Perguntei.
– Sofia. – Revirei os olhos e ela riu alto. – Na realidade, tive a impressão de que ela só veio aqui para se gabar sobre a noite passada, mas não sei se foi bem–sucedida na tentativa de causar–lhe aborrecimento.
Depois do relato, quem riu foi eu.
– Ela sempre tenta… – Debochei.
– Realmente és muito abusada, mulher. – Isabel disse rindo e levantando da cama. – Ontem eu vim até aqui porque tenho uma proposta a fazer, mas quase convidei a sua amiga no lugar.
Apenas levantei uma sobrancelha para ela, com certeza já havia entendido que Sofia e eu não nos suportamos.
– Que proposta, Baronesa?
– Me chame de Isabel, por favor. – Ela fez uma pausa e começou. – Vou ficar uns dias pela capital para resolver alguns assuntos e quero tua companhia no tempo que ficarei aqui.
Continuava com a sobrancelha arqueada encarando–a e já imaginava onde essa história ia dar.
– Pagarei bem para que não desça até o salão nesse período e seja exclusivamente minha.
Eu não disse que sabia onde isso ia dar? Suspirei…
– Baronesa… – Ela balançou a cabeça quando a chamei pelo título de novo. – Tenho minhas responsabilidades, não posso deixar de ir até o salão durante tanto tempo.
– Pagarei muito bem, Carmen. – Me olhou enquanto colocava a roupa.
– Confesso que é tentador, Querida. – Sorri maliciosa. – Mas não posso me ausentar.
– Não se ausente, só não suba com nenhum homem. Me espere, virei todas as noites até voltar a fazenda. Serão apenas alguns dias, no máximo duas semanas.
– Duas semanas é muito tempo…
– Já disse que pagarei bem, Carmen. Melhor do que outros homens pagariam. – Insistiu já irritada.
Ponderei sobre o assunto. Duas semanas, um pagamento que eu sabia que seria generoso e Isabel, que era muito mais interessante que qualquer homem que viesse até aqui.
– Certo, Baronesa. – Ela me olhou com uma cara divertida de surpresa, pelo que parece nem ela acreditava que eu aceitaria. Ri. – Serei tua acompanhante nas noites que ficará na capital, mas continuarei descendo até o salão.
– Aceitável. – Disse séria. – Apesar de preferir te encontrar nua aqui na cama.
Sorri maliciosa e mordi os lábios.
– Não faça isso…
Gargalhei.
– Saia daqui, Baronesa. Preciso descansar e me arrumar para mais tarde.
– Certo, eu também preciso resolver alguns assuntos no banco ainda hoje. À noite voltarei!
– Esperarei pela senhorita! Mas precisará deixar um adiantamento para Margot.
Isabel concordou e saiu.
Fique na cama por mais algum tempo, já passava do meio dia quando levantei para comer algo.
– Parece que a noite foi longa, Carmen. Não é de acordar tão tarde. – Lúcia disse.
Apenas sorri e procurei discretamente por Sofia, não perderia jamais a oportunidade de provocar sua inveja.
– Luci, tu não sabes o quanto…
– Eu vi que subiu com aquele comerciante americano. Um homem muito charmoso.
– Sim… Mas minha noite melhorou e muito depois que a Baronesa de Vassoura invadiu meu quarto. – Disse e vi Sofia bufar tão forte que seus pulmões quase explodiram, segurei o riso.
– Mas, ué? – Questionou Lúcia. – A Baronesa não subiu com Sofia?
– Sim, mas parece que Sofia só dá conta dos velhos do Império. – Disse debochada.
– Escuta aqui, Carmen. – A menina veio de onde estava como um touro bravo e a cada passo dela, uma risada minha. – Não se esqueça de sua idade, Querida. Logo estará tão velha que nem os mendigos vão querê–la.
Balancei a cabeça negativamente ainda rindo.
– Tua ingenuidade me faz rir mais do que a incapacidade de saciar clientes. – Caminhei até a mesa e me servi uma taça da melhor safra da casa. – Eu sou como vinho, Sofia… Mais saborosa a cada dia.
Virei as costas com a mais nova sapateando e subi alguns degraus da escada, mas parei.
– Luci, pode pedir as criadas que me sirvam o almoço lá em cima, por favor? Preciso me arrumar, logo mais a Baronesa estará de volta… – Sorri antes de continuar. – Por duas semanas serei sua amante.
Sofia ficou com tanto ódio que jogou o copo que estava na mão na parede e eu saí rindo.
– Tu és muito má com ela, Carmen. – Maria disse entrando em meu quarto algum tempo depois.
Margot entrou em seu encalço com uma menina que me trazia o almoço em uma bandeja.
– Tens de ser mais gentil com a moça. – Orientou a mais velha entre nós.
– Eu sou, ela que tenta a todo custo me provocar. – Nós três rimos.
– Má! – Lúcia entrou no quarto correndo apontando para mim, ainda é uma menina.
Abracei–a forte, chegou aqui há pouco mas já fazia sucesso. Adorava–a como se nos conhecêssemos por uma vida inteira.
– As três vieram aqui defender a serpentezinha? – Perguntei rindo, gostava desses momentos com elas.
Margot negou com a cabeça antes de me jogar um pacote com uma quantia em dinheiro.
– Tua nova cliente pagou o adiantamento e deixou–lhe um presente. Disse que é um agrado para que não desistas do combinado.
Sorri maliciosa contando pacientemente a graça da Baronesa.
– Ótimo, preciso de um vestido novo. – A dona do bordel saiu rindo e Lúcia em seu encalço.
– Luci, por favor, feche a porta quando sair.
Maria ficou no quarto com um olhar indagador.
– ¿Qué pasa, María? – Perguntei impaciente.
– Desde quando aceita ser amante de alguém por tanto tempo?
– Desde que a Baronesa me solicitou antes de sair daqui ainda esta manhã. – Respondi encolhendo os ombros.
– Quer me contar o motivo dessa mudança repentina? – Estreitou os olhos.
– Além da pilha de dinheiro que ela deixou na mesa de Margot? – Ergueu uma sobrancelha esperando o resto da resposta. Suspirei irritada e continuei. – É uma mulher que sabe como me divertir…
Maria gargalhou.
– Cuidado, Carmen! – Alertou. – Não vais te apaixonar pela galanteadora Baronesa de Vassouras.
– Logo eu? – Ri desacreditada do que acabara de ouvir. – Parece que não me conheces mais, Maria. Já sou uma mulher, e mesmo quando ainda era uma menina. Nunca acreditei nesse conto: La Puta y El Cliente.
– As vezes eu acho que nunca acreditou em nada do coração. – Maria riu.
– ¡Correcto! Eu já amo, não tem espaço para nada além disso em mim.
– Ama quem, Carmen? – A mulher riu mais com uma entonação que dizia o quanto desacreditava de mim e com razão.
– Essa mulher. – Me virei para o espelho e sorri para o meu reflexo. – Dime que ao admirar não te apaixonas também.
– Convencida! – Maria jogou um pequeno travesseiro que repousava em meu leito contra mim.
Logo saiu ainda sorrindo incrédula comigo.
Quando acabei minha refeição, constatei que faltava boas horas para o salão abrir e me fui à Madame Dreyfus, a melhor casa de moda da Rua do Ouvidor. A dona da loja gostava das minhas frequentes visitas, sempre voltava de lá com dois os três de seus vestidos mais caros. O que há de mais elegante no Rio de Janeiro, eu não sou uma mulher de pouco. Depois me fui ao chapeleiro que ficava alguns passos dali, encomendei chapéus que combinassem com meus novos vestidos e ainda não me dando por satisfeita passei na costureira para encomendar algumas peças mais íntimas, coisas que não costumam vender em casas de modas, muito menos serem compradas pelas senhoras da corte.
Cruzei com algumas mulheres que me olhavam com um misto de admiração e horror. Sabem bem que seus maridos já passearam por mim. Sai sorrindo com esse pensamento maldoso.
Quando cheguei à pensão o sol já estava se pondo. Pedi para as criadas prepararem meu banho e o tomei bem relaxada. Saí com a água já quase fria, caminhei até o espelho e olhei a marca dos dentes da Baronesa em meu ombro. Bufei irritada.
– Mujer… – Falei sozinha.
Depois de me arrumar com meus lábios pintados com uma cor de sangue, como sempre, desci para o salão. Fique lá provocando alguns homens durante um tempo e assim que avistei a carruagem da Baronesa, subi para o quarto.
Confesso que essa história estava ficando bem boa.
Fim do capítulo
Obs.: Terco = Teimosa
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