Capitulo 10 - Triságio
O ronco do velho chevette chamou atenção da família Sanders que estava no interior da casa, todos estavam apreensivos, se perguntando por onde estaria Charlie.
Ela não havia aparecido no funeral, não tinha atendido as ligações e aparentemente, ninguém em Hilton a havia visto.
Cassie já estava prestes a chamar a polícia quando Victorio a impediu ao ouvir o barulho do carro. Todos correram para a porta.
Charlie estacionou o automóvel e desceu, já se preparando para os gritos da irmã, mas Cassie não fez nenhum escândalo. Ela apenas correu até a mais nova e a abraçou forte.
Charlotte se surpreendeu, mas não deixou de afagar as costas da irmã.
Anna observava a cena com um sorriso nos lábios e Victorio estava ao seu lado, respirava aliviado.
- Você sumiu, sua idiota! - Cassie quebrou o clima e socou levemente o peitoral da irmã.
Charlie não conteve o riso. E Cassie voltou a lhe estapear devagar.
- Eu já ia chamar a polícia!
- Você é exagerada, Cassie. - Apontou.
Victorio se aproximou juntamente com Anna.
- Você nos deu um baita susto, Charlie!
- Venha, vamos entrar! - Anna chamou a atenção de todos. - Eu não tenho mais idade para conversar nesse frio!
Cassie abraçou a irmã pela cintura e todos entraram. A casa estava bem aquecida devido a chaminé. As crianças já estavam na cama dormindo e o relógio batia 20 horas.
- E então, Charlie, você vai nos dizer o que foi mais importante que o enterro do nosso avô? - Cassie perguntou enquanto Victorio servia uma taça de vinho tinto para todos.
As primeiras taças foram para Anna e Cassie. E as segundas para Charlie e o próprio Victorio. Brindaram em silêncio e após degustar o vinho, Cassie encarou a irmã, esperando respostas.
- Eu resolvi dar adeus ao vovó Will do meu jeito. - Disse por fim.
Cassie quase cuspiu o conteúdo da taça, mas manteve a compostura. Depois de se recompor e olhar para Victorio e Anna, ela voltou a questionar:
- E como foi essa despedida tão inusitada?
- Do meu jeito, Cass. - Ela encarou a irmã.
- Você sabia que por sua causa o vovô foi enterrado com uma gravata ridícula amarela?
Anna e Victorio não aguentaram e riram. Charlie revirou os olhos.
- É sério vovó! - Cassie disse séria. - Esperamos a cerimônia inteira pela maldita gravata, Charlie. - Ela solveu um gole do vinho. - Eu mesma quase não permitir que enterrasse o vovô daquele jeito.
- Sua irmã irritou alguns coveiros hoje. - Victorio apontou.
- Eu não duvido disso! - Charlie sorriu.
- Seu avô estava um galã... - A senhora Anna interferiu. - Obviamente aquela gravata não era uma das melhores, mas nem se o próprio Will quisesse, ele não conseguiria ficar horrível.
- Eu deveria era processar aquela funerária! - Cassie protestou.
A conversa seguiu animada, a família se divertia dos absurdos ditos por Cass. Ela era daquele jeito: explosiva e muito sincera.
Charlotte ouvia atenciosamente tudo sobre o funeral do avô. Descobriu que tiveram muitas homenagens e que o Padre Joseph compôs uma música especialmente para o Will.
Estava sendo interesse ouvir sobre as experiências daquele dia, mas em algum momento entre as reclamações da Cassie sobre o menu do funeral e a cor das flores, Charlie se desligou completamente da conversa.
Sua atenção foi direcionada para suas memórias recentes, especificamente para o passeio inusitado que teve mais cedo ao lado de Claire Griffin.
O perfume adocicado da morena ainda flutuava nas suas recordações. Ela era uma mulher encantadora, e espirituosa. Conversar com Claire abria um leque de possibilidades: A Griffin era uma pessoa cheia de sonhos, e quanto mais tempo Charlie passava com ela, mais sonhadora se tornava.
Eu ia beija-la? Se questionou.
Não quis buscar respostas para essa questão. Se o maldito Mike não tivesse atrapalhado tudo... Ou talvez ele fez o certo. Não era justo empurrar a Claire para o furacão que era sua vida naquele momento.
Porém era tentador a ideia de beijá-la. Os lábios rosados e convidativos da Griffin não saiam da sua cabeça, e por um breve momento, Charlie degustou a sensação de imaginar que Claire queria o mesmo.
Mas não se deu o luxo de sonhar por muito tempo. Claire provavelmente estava compromissada com Mike. Era nítido a proteção exagerada do garoto. A forma como ele a encarava e o tom possessivo na sua voz.
Não iria se permitir devanear demais, ela não era mais uma adolescente vivendo em Hilton. Depois de tudo que acontecera no passado, Charlie aprendeu a não romantizar demais a vida.
E como diria Oscar Wilde:
"Neste mundo, há apenas duas tragédias: uma a de não satisfazermos os nossos desejos, e a outra a de os satisfazermos."
Lembrou-se desse verso, a última vez que se entregou a algumas tentações, acabou cheia de problemas. Não cairia nos estímulos perigosos de Hilton, não dessa vez.
Respirou fundo e descartou todos os pensamentos sobre a morena. Dessa vez ela não iria entrar em dramas. Agora era hora de voltar para Nova Iorque!
Bebericou o vinho degustando delicadamente o sabor da uva. Iria aproveitar aqueles momentos e em dois dias, iria embora definitivamente de Hilton.
Seu corpo se aliviou e ela relaxou na poltrona. Voltaria a sua velha rotina e quanto menos pensasse, melhor.
Seus pensamentos foram interrompidos por Victorio.
- Charlie, podemos conversar lá no escritório? - Perguntou lhe tirando dos seus devaneios.
- Claro. - Ela disse prontamente. - Há algo de errado?
Anna e Cassie conversavam animadamente no sofá, estavam alheias à situação.
- Não... - Disse receoso. - Apenas coisas burocráticas.
Os dois pediram licença para Anna e Cassie e seguiram para o antigo escritório do Will.
Estava tudo como ele havia deixado. A decoração era rústica e cor de vinho. Era um pouco mal iluminado, e havia uma mesa de escritório logo à frente. Pilhas e pilhas de papéis enfeitavam o móvel, além da estantes de livros.
- Amanhã abriremos o testamento do Will. - Victorio falou enquanto fechava às portas do escritório.
- Está bem claro que tudo pertence a vovó Anna. - Charlie disse se sentando na cadeira do avô.
- Seu avô deixou um testamento, Charlie. São ordens do advogado dele...
- Victorio serviu dois copos de whiskey para eles. - Parece que Will tinha ações em uma empresa de minério aqui de Hilton.
- Ele nunca me falou nada sobre isso. - Charlie constatou pensativa.
- Aparentemente, nem a vovó Anna sabia. - Entregou o copo para a cunhada.
- Obrigada. - Ela virou o conteúdo todo de uma vez.
- Uou... Vai devagar.
- Amanhã abriremos esse testamento o mais rápido possível, pretendo estar em Nova Iorque daqui a dois dias, no máximo!
Victorio pigarreou e voltou a servir mais whiskey para Charlie.
- Você já comprou as passagens? - Disse lhe entregando uma nova dose.
- A minha secretária já está providenciando isso.
- É melhor você pedir para ela adiar mais um pouco.
Dessa vez, o rapaz que solveu o conteúdo de uma vez. Charlie arqueou as sobrancelhas esperando uma explicação.
- Porque ela deveria fazer isso?
- Você não pode sair de Hilton. - Ele disse por fim.
Charlie juntou as sobrancelhas em uma expressão de confusão. Victorio abriu uma das gavetas da mesa do escritório e retirou um envelope grande e branco. Depositou na mesa e o arrastou até Charlie.
A mulher olhou intrigada para o cunhado e para o envelope. Ainda não entendia o que estava acontecendo. Victorio respirou fundo e disse:
- Eles entregaram hoje pela tarde.
- E o que seria isso?
- Uma intimação Charlie.
- Intimação?
- Reabriram o caso da Taylor Collins.
Charlie empalideceu ao ouvir aquelas palavras.
- Eles querem ouvir novamente o seu depoimento.
- Por quê? - Charlie perguntou receosa.
- Porque a nova cherife acredita que morte da Taylor não foi um acidente.
Charlotte sabia que ao voltar para Hilton, ela encontraria velhos fantasmas. Mas aquilo era como uma bomba relógio no seu colo prestes a explodir.
Não tinha mais para onde correr, ela seria obrigada a encarar aquele passado aterrorizante e com ele toda a carga da sua história com a Taylor Collins.
Bem vinda a Hilton, pensou.
Aquela cidade era o seu pesadelo, e havia chegado o momento de reviver os mortos.
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* Triságio: É o nome que se dá, em religião, à repetição, por três vezes, de palavras como "Santo, Santo, Santo"
Fim do capítulo
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