Capitulo 4 - Homizio
- Tia Charlie!
Foi a primeira coisa que Charlotte pode ouvir assim que a porta da casa dos seus avós se abriu. Estava tudo como há 10 anos: Os móveis de madeira escura enfeitavam a sala, a poltrona favorita do seu avó Will fazia par com o sofá de couro da mesma cor e cabia praticamente a família inteira. O cheiro forte de lenha que vinha da chaminé completava as lembranças de Charlie, ali havia crescido, aquela casa representava toda a sua infância: Desde a morte dos seus pais em um trágico acidente de trânsito até os natais alegres e cheios de presentes com seus avós.
- Olá, pinguins! - Saudou enquanto abria os braços para os sobrinhos Liam e Lily.
- Tia Charlie! - As crianças gritaram novamente em uníssono.
Elas se penduravam na mais velha, o contato agitado fez Charlotte sentir dor devido aos socos do Mike.
A matriarca Anna Sanders não deixou de notar as marcas no rosto da neta. E logo foi se aproximando.
- Vovó… - Charlie a cumprimentou enquanto colocava os sobrinhos no chão.
- Crianças, deixem a bisa falar com a tia Charlie.
Anna Sanders era uma senhora de 70 anos, cabelos que outrora foram loiros, agora eram brancos e estavam perfeitamente prendidos em um coque. Os olhos verdes não negavam a descendência de Charlie. As maçãs do rosto estavam vermelhas, e eram prova viva de que Anna já estava fazendo o que tanto amava: Cozinhando. Ela era uma senhora elegante, calorosa e simpática. Se dava bem com todos e fazia todas as vontades dos netos e bisnetos.
- Até que enfim você chegou, minha filha! Venha cá!
Para Anna, Charlie e Cassie eram como filhas, após a morte do seu filho e da sua nora, ela cuidou das duas como se fossem suas. Charlie ainda era um bebê quando foi entregue aos cuidados da avó.
Agora a via como uma mulher feita que lembrava claramente os traços do seu falecido filho, William Junior.
O abraço foi caloroso e cheio de lágrimas da matriarca Sanders. Charlie pela primeira, havia sentido que valeu a pena ir para Hilton. Nenhum abraço se igualava ao da sua avó.
- Olha só você… - Anna se afastou para analisar a neta, sem cortar o contato físico entre suas mãos. - Está uma mulher incrível!
- Você também está incrível, vovó!
- Eu senti tanto a sua falta, minha filha! - Voltou a apertar Charlie em um abraço ainda mais caloroso.
- Foram os 10 anos mais torturantes sem a sua comida! - A garota brincou.
- Você está mais magra… - Constatou. - Você andou brigando? - Perguntou analisando de perto o rosto da neta.
Charlotte suspirou e quando ia responder, Cassie invadiu a sala.
- Posso saber quem andou brigando?
Era hora da confusão, pensou enquanto soltava os ombros cansada.
- Charlotte Sanders! - A irmã mais velha gritou – Até que enfim! Pensei que teria que ir te buscar pelo braço!
- Aqui estou, Cass!
- Me poupou muito trabalho e tempo – As duas se abraçaram. - Você andou brigando? - Completou.
- Óbvio que não! - Respondeu rapidamente.
As três sentaram no grande sofá da sala, os gêmeos estavam distraídos com as malas da tia.
- E o que é isso no seu lábio? - Cassie insistiu preocupada.
- Eu caí. - Respondeu sem esconder o desconforto.
Cassie e Anna se entreolharam. Charlie afundou no sofá massageando a nuca. Estava exausta e os problemas não paravam de surgir, e ela ainda não tinha nem completado 24 horas em Hilton.
- Caiu onde Charlie? - Cassie voltou a perguntar, revezando o olhar entre sua avó e irmã.
- Caí Cass! - Falou sem paciência – Fui trocar o pneu perto do Crystal Hills e o chão estava escorregadio, acabei caindo!
- Trocar o pneu, Charlie? Que história mal contada é essa?
Anna pigarreou tentando sinalizar para Cassie deixar Charlie em paz.
- O que? - Cassie perguntou para Anna. - É demais se preocupar com ela?
Anna fez um pedido silencioso para a neta mais velha deixar Charlie descansar em paz. Cassie revirou os olhos, sabia que Charlie estava escondendo algo.
- Como foi a viagem querida? - Anna perguntou segurando a mão de Charlie.
- Cansativa vovó… - Charlie beijou as mãos da senhora. - E como a senhora está?
Era uma pergunta delicada que trazia nas entre linhas o nome do velho Will.
- Levando, minha filha… O que podemos fazer a não ser continuar?
Charlie olhou para baixo e Cassie passou os braços em torno da avó.
- Estou mais feliz em saber que estamos todos juntos aqui!
- Desculpe não ter vindo antes… - Charlie começou.
- Shhh… Não fale isso. Sei que você fez o melhor que pode. Não foram fácil os seus anos aqui em Hilton, e só o fato de você estar aqui significa muito para mim.
- Eu senti muita falta da senhora… - Ela fez uma pausa – E do vovô Will.
- Todos nós sentimos falta dele… - Anna ficou pensativa, a dor da saudade estava presente, mas no momento, ela recordava dos melhores momentos com o seu marido e melhor amigo. - E agora você está aqui! - Ela sorriu por fim.
- Eu queria ter vindo antes… - Sussurrou com a voz embolada.
- Eu sei que sim, minha filha. - A avó abraçou a neta carinhosamente e a embalou em um abraço caloroso. - O importante é que está aqui agora.
As três permaneceram em silêncio. Cassie enxugava algumas lágrimas que insistiam em borrar sua maquiagem. Anna embalava Charlie em um afago carinho. E a mais nova tentava engolir o choro, e lutava contra o cansaço mental.
- Mamãe! - Lily gritou e correu até a Cassie.
- Oi, meu amor?
A menina fez sinal para poder falar no ouvido da mãe. A essa altura Charlie e Anna riam ao observar a pequena. Liam correu e se sentou no colo da bisa avó enquanto Cassie ouvia atentamente o segredo da filha.
- Você deveria perguntar para ela! - Cassie ria enquanto a pequena permanecia tímida.
- Você pergunta mamãe!
- Tudo bem! - Cassie trouxe Lily para o seu colo – Charlie, sua sobrinha quer saber se você trouxe os mashmallows e as balas de ursinho que você prometeu para essas formiguinhas?
Charlie sorriu e se fez de pensativa por um momento. Os gêmeos ficaram ansiosos esperando a resposta.
- Será que eu esqueci? - Charlie brincou. Obviamente que a primeira coisa que ela fez questão de trazer foram os doces e presentes dos sobrinhos.
- Eu tentei abrir sua mala pra ver e não consegui, tia Charlie! - Liam falou.
- Então eu devo ter esquecido! - Ela fez uma falsa cara de triste.
As duas crianças abaixaram as cabeças.
- Óbvio que eu não esqueci de vocês, pinguins! - A tia gritou.
- Ebaaaaaaaaaaaaaaaa! - Gritaram juntos.
- Eu trouxe doces e os presentes de vocês, mas eu só vou dar se souber que estão se comportando direitinho.
- Nós estamos! - Falaram juntos novamente.
Cassie riu e Anna beijou o bisneto.
- Então venham me dar um abraço bem apertado!
Os gêmeos pularam no colo de Charlie e ela automaticamente começou a fazer cocegas nos dois.
A sala foi tomada por gargalhadas de todos. O clima amenizou e Anna soube que era apenas disso que ela precisava para conseguir retomar sua vida depois da morte do seu grande amor. Will, de onde estivesse estaria orgulhoso daquela família reunida novamente.
A porta se abriu e ninguém ouviu devido as gargalhadas que ainda estavam presente na sala. Era Victorio Giuseppe, cunhado de Charlie. Ele estava com neve nos cabelos castanho claro e no casaco grosso ensopado por causa da neve. Ele bateu as botas molhadas no tapete que dizia: Bem vindos.
- Olá, família!
Cassie foi a primeira a ir de encontro ao marido.
- Você precisa de toalhas secas! - Comentou e depositou um beijo rápido nos seus lábios.
- Oi amor!
Charlie parou de fazer cocegas nos sobrinhos e levantou com os dois no braço.
- Olá, Victorio! - Charlie saudou o cunhado.
- Olá Charlie! - A mulher deixou os gêmeos no chão que logo pularam nas pernas do pai. - Oi meus pequenos!
- Eu disse que não era pra você sair nessa neve, Victorio! - Anna veio de encontro a todos.
- Não foi nada, vovó Anna… - Ele pegou os filhos no colo – Eu consegui encontrar os temperos que você me pediu, estão no carro!
- Obrigada, meu filho… Eu vou fazer aquele ensopado que vocês adoram!
O rapaz assentiu para a matriarca e se virou para Charlie.
- E então Charlie, como foi a viagem? Muito cansativo dirigir de Boston até Hilton?
- Um pouco, ainda estou cansada… - Respondeu massageando a têmpora.
- Sobra energia para me ajudar a tirar as coisas do carro? - Lançou um olhar significativo para Charlotte. Pelo que conhecia do cunhado, ele queria conversar sobre algo.
- Claro… Vamos!
Depois de deixar as crianças com Cassie, os dois seguiram para o exterior da casa. E pararam na traseira do carro.
- Tudo bem com a Cassie e as crianças? - Charlotte perguntou.
- Sim, sim… Estamos bem. - Ele fez menção para entrarem dentro do carro, estava muito frio lá fora. - Não é sobre as crianças e a Cassie que eu queria falar contigo, é sobre outra coisa.
Charlie franzio o cenho. Ela tinha uma relação de amizade com o cunhado, mas aquele suspense todo estava lhe deixando intrigada.
- O que houve?
- O Joe me contou o que houve hoje mais cedo…
- O Joe é um grande boca grande.
- Podemos denunciar o Mike.
- Não acho que seja necessário.
- Ele te agrediu, Charlie!
- Ele estava fora do controle. Eu conheço o Mike, ele não é agressivo.
- Você já não o conhece mais! Dez anos se passaram, Charlie.
- O tempo não passou pra ele, Victorio.
- Por favor, já se passaram 10 anos. Nós precisamos fazer uma denúncia, até quando isso vai durar?
- Não!
- Então eu serei obrigado a falar com a Cassie. - Disse por fim.
- Não! - Charlie disse irritada. Qual era a dele?
- Acha mesmo que vou deixar correr o risco desse maluco te espancar? O Joe me disse que ele estava descontrolado!
- A irmã dele morreu, Victorio! - Charlie gritou enquanto batia com o punho no painel do carro.
O silêncio reinou no carro. Só se ouvia as duas respirações. Charlotte levou as mãos até a cabeça, estava exausta.
- A culpa não foi sua.
Charlie riu com ironia.
- Ele não acha isso.
- Não importa o que ele acha, nós sabemos que não foi você!
- Eu estou cansada, Victorio. Preciso descansar e amanhã ainda tenho que enterrar meu avô.
- Todos nós estamos, mas você precisa parar de achar que está sozinha nessa.
Ele tocou o braço da cunhada delicadamente.
- Somos sua família, Charlie.
- Eu sei. Mas eu não quero desenterrar essa história agora.
- Você tem esse direito.
- Obrigada. - Ela disse por fim, já se preparando para descer do carro.
- Mais uma coisa Charlie.
Ela se voltou para o cunhado.
- Eu fiquei responsável por enviar os convites para a cerimonia do Will amanhã.
- Obrigada por isso também. - Ela passou a mão pelo rosto cansado. Charlie vivia uma batalha.
- Talvez exista algumas pessoas que você não conheça, mas que são amigos do seu avô. Você conhece a família Griffin?
Charlie se lembrou da garçonete. Será que ele se referia a família de Claire?
- Não conheço.
- Eles foram convidados, eu só queria te deixar a par de tudo.
- Não há problema, faremos isso o mais rápido possível.
Victorio apenas assentiu com a cabeça e observou a cunhada sair do carro. Sabia que ela precisava de ajuda, mas não sabia como ajudar.
Charlie seguiu pensativa. Aquela cidade era seu martírio para toda a vida. A morte de Taylor Collins, irmã de Mike Collins estava nas suas costas e ela iria passar a vida inteira tentando provando sua inocência. Estava cansada.
O sobrenome Griffin rondou pela sua cabeça, mas a única pessoa que vinha em mente era a garçonete defensora do Mike. Será que iria vê-la amanhã? Ela iria com o Mike? O Mike iria para o enterro de Will? Eles estavam juntos? Quem era Claire Griffin?
- Quem é você, Claire Griffin? - Sussurrou.
* Homizio: Abrigo, fortaleza, refúgio.
Fim do capítulo
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