Sou total e absolutamente influenciável.
Só queria entender qual é a onda dessa obsessão que as pessoas têm por literalmente qualquer coisa que tenha viralizado na internet. Como por exemplo, quando a paródia de uma das músicas da Dua Lipa virou uma febre e se tornou impossível manter uma conversa sem que ABSOLUTAMENTE DO NADA alguém começasse a fazer uma performance. Me juntar a um grupo de enfermeiros especialmente inflexíveis para dançar durante um plantão me fez acreditar que auto-humilhação era um dos efeitos colaterais da minha medicação. Sério, foi quase tão embaraçoso quanto o que está acontecendo agora.
Estou trabalhando na bilheteria há cerca de 1 hora, e 24 pessoas me reconheceram, 13 pediram para tirarem fotos comigo e já pretendo usar os ingressos de cortesia que sobraram da temporada passada para treinar meu autógrafo. OK, talvez a fama tenha me subido a cabeça rápido demais. Mas o que eu posso fazer? Já deixei claro que sou total e absolutamente influenciável.
Meus pais e o Magno travaram uma briga feia depois da apreensiva conversa que tivemos. Ele não gostou de ser contrariado, Pipoca e Jujuba atingiram o limite do afinco para não cederem quando o clima esquentou. E então como uma maneira de contribuir com a paz, e também porque ficar trancafiada no trailer assistindo séries estava começando a me enlouquecer, concordei em trabalhar na bilheteria e nas vendas de intervalo. Mas deixei bem claro que não aceitarei nenhuma doação e nem participarei de apresentações até estar pronta. Felizmente minha dignidade permanece intacta. Espero que por muito tempo. Pelo menos agora eu tenho uma ocupação e vou juntar o dinheiro para pagar Rebeca.
Confesso que não está sendo como eu esperava, as pessoas são amáveis, exceto um idiota que tentou passar a mão na minha bunda e com o nariz possivelmente quebrado foi expulso pelo JP, e a maioria delas tem o bom senso de não me perguntar detalhes do acidente e nem mencionam o vídeo. Sinto que minha vida começa a entrar nos trilhos que me levam de volta para os padrões normais. Ou algo perto disso, já que normalidade é algo meio que impossível de se ter por aqui.
— Gabriela, preciso falar com você – Jonas abriu de supetão a porta da bilheteria e eu o xinguei em pensamento pelo susto que quase me derrubou da cadeira.
Ele é o meu irmão mais velho e nasceu apenas 5 minutos antes da Fernanda, mas age como se fosse uma versão circense do mestre Shifu, circulando por aí dentro dos seus collants apertados, louco para exibir um ar de idoso sábio enquanto cuida do nosso preparo físico.
— O Magno vem buscar o dinheiro das entradas antes do espetáculo começar – falei enquanto contava as notas de vinte reais e as juntei em um bolo. – Podemos conversar mais tarde?
— Ok, me encontra quando terminar aqui? – ele esfregou as mãos ansioso e fiquei curiosa sobre o que poderia ser a causa daquele frenesi. – Não vou me apresentar hoje.
Nós dois fazemos parte da parcela LGBT do Esperanza. Começamos um grupo de apoio e agora já somos uma espécie de clube. A maioria de nós ainda vive no armário e como vice-presidenta minha principal função é criar um ambiente acolhedor onde nossos artistas se sintam seguros para compartilharem seus medos, segredos, sonhos e perspectivas.
— Claro, eu apareço no seu trailer – falei assim que ele bateu a porta novamente, e despertou o Po dragão guerreiro em mim. – Que inferno, Jonas! Perdi as contas.
Não demorou muito para que Magno buscasse o dinheiro e evidentemente não perdeu a oportunidade de me encher o saco.
— Minha querida, preciso de alguém para me ajudar com a limpeza do meu trailer, os meninos estão inquietos essa semana e não consigo encontrar meus equipamentos no meio daquela bagunça. Já que você não está fazendo nada, será que pode dar uma passadinha por lá antes do intervalo e organizar algumas coisas? – ele jogou a chave em cima do balcão sem me dar a chance de dizer nada. – Muitíssimo obrigado! Ah, e estamos todos muito felizes com a sua volta.
Ele é um falso e os meninos são, na verdade, dois adolescentes mal-educados e incapazes de colocarem o próprio lixo para fora. Ranço! Como esse negócio de virar uma web subcelebridade não me trouxe nada além de uma pequena inflada do meu ego, eu ainda preciso de um trabalho. E sei que não sou obrigada a me submeter a esse idiota, mas eu realmente estou tentando manter a paz. Então fui até o trailer do Magno lidar com as dezenas de meias sujas espalhadas pelos cantos antes de ir me encontrar com Jonas.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
mariaclara2604
Em: 27/04/2020
cara babaca
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook:
[Faça o login para poder comentar]