Boa noite a todxs.
Perdoem a demora na continuação da história, mas esse início de ano tem sido turbulento em todos os sentidos. Mas espero voltar a escrever com certo ritmo para vir aqui com mais frequência. Não posso prometer a frequência de AEL, mas farei o possível para demorar demais.
Dito isso, segue mais um capítulo de ODL para lhes ajudar a lidar um pouco com o isolamento social.
Aproveito também para agradecer a paciência e os comentários e peço que sempre digam o que estão achando da história.
Um forte abraço literalmente de longe rs...
Boa leituea!
Capitulo 5 Inquietação
- Você não pode passar por cima das regras e tradições dessa instituição Cora! – Dominique bradou mais alto, a fim de ser ouvida em meio aquela discussão que havia tido início ainda no ginásio, logo após o fim do Torneio de esgrima.
- Acho que você está exagerando um pouco Carpentier. – Estela a provocou.
- Dominique, a Coraline só atendeu a um pedido meu. – Helena justificou-se e finalmente aquela poderosa mulher baixou sua guarda. Agitou seus cabelos e passou a caminhar de um lado para o outro, ainda inconformada com o resultado do duelo final.
- Mas não é o certo... Não é justo. – Protestou e encarou sua esposa, buscando apoio.
- Meu amor... – Finalmente Coraline se pronunciou. – Uma estudante entrar fora de época no Instituto? É raro, mas já aconteceu outras vezes e você sabe disso. – Dom bufou. – Embora que... Entrar no ultimo ano eu acredito que seja inédito mesmo. – Cora ponderou.
- Viram? – Dominique apontou com ênfase para sua companheira.
- Contudo... – Coraline derrubou por terra o breve momento de vitória de sua esposa. – O que está acontecendo aqui tem muito pouco a ver com as tradições e normas dessa escola e mais... – Olhou para as duas outras mulheres que observavam aquela cena. – Com o fato de Manu ter sido derrotada. – Recostou-se em sua cadeira, temerosa da reação de sua amada, mas ciente de que aquela era a mais pura verdade.
- Mas... Mas... – Surpreendentemente Dominique ficou sem resposta, pois como sempre, Cora havia acertado em cheio. A conhecia como ninguém, e em situações como aquela, chegava a quase odiar essa capacidade de sua esposa. Arriou numa cadeira que ficava a frente do birô da reitora. – Tudo bem... – Respirou mais profundamente, tentando concatenar seus pensamentos e sentimentos. – Digamos que está certa a entrada dessa garota aqui.
- Dom! – Foi repreendida por Cora que indicou Helena, que estava de pé logo atrás dela, de braços cruzados e expressão fechada.
- Desculpe minha amiga... Eu sei que ela sua sobrinha, mas é que... – Pausou sua fala.
- O que está ferrando com essa sua mente brilhante... – Estela ousou cutucar a cabeça de sua amiga e Mestra - É como alguém pôde vencer a invencível Emanuelle Carpentier-Nichols. – Gesticulou efusivamente.
- Ela está certa e você sabe disso. – Cora lançou para Dominique, que cortou o olhar e levantou-se, parando diante de uma impressionante estante de livros, dando as costas para as demais.
- A questão é... Manu está cumprindo com o combinado e não está usando seus dons. O que acontece é que mesmo ela sendo incrível, aparentemente existe alguém tão sensacional quanto ela. Pelo menos na esgrima. – Estela disse fitando sua companheira. – E acreditem, como professora dela eu também estou muito puta com isso. – Confessou e recebeu um rápido olhar de Dominique.
- E aparentemente ela não é sensacional apenas na esgrima. – Parecia que Coraline queria jogar mais lenha na fogueira que queimava as entranhas de sua companheira e até mesmo Estela a repreendeu. – O desempenho dela nas primeiras aulas... – Abriu uma pasta que continha o arquivo da nova estudante. – Tem impressionado os professores. Além disso, as notas dela nos exames admissionais são as mais altas possíveis. – Virou a pasta para que as demais vissem.
- Se ela é tão brilhante assim... – Ainda havia uma pitada de desdém em sua voz. – Como não foi recrutada antes? – Fitou sua mais fiel amiga. Helena desviou o olhar e Dominique arrependeu-se de imediato. Ela sabia que a relação de sua amiga com a família era bastante conturbada. – Mas... Certamente a Morgana a teria encontrado. Onde ela esteve nos últimos cinco anos?
- Escondia! – A voz de Helena continha indignação. – Protegida... Como a mãe dela costuma dizer. Eu prefiro mais o termo Prisioneira. – As três a olharam surpresas.
- Há cinco dias a Helena me procurou. Exatamente no primeiro dia letivo e disse que tinha um pedido para me fazer. – Cora deu início a explicação.
- Na verdade eu quem estou atendendo um pedido. Um ultimo pedido de uma mulher em seu leito de morte. – Helena baixou a cabeça e recebeu o carinho de Estela.
- Sua mãe! – Dominique baixou a guarda definitivamente e recebeu um sorriso de sua esposa, pois havia compreendido tudo.
- Ágata... Minha meia-irmã, nunca foi muito simpática com o que envolvia a Ordem... – Deixou que as demais lessem nas entrelinhas. – E negou veementemente os pedidos da Diana de vir para essa escola.
- E só permitiu agora com a morte de sua mãe. – Dominique concluiu.
- Compreende agora porque tive de burlar as normas do Instituto meu amor? – Cora aproximou-se de sua companheira e a envolveu pela cintura.
- Tudo bem! Me desculpe minha amiga, mas é que quando o assunto é Manu...
- Eu sei Dom! Não se preocupe! – Helena a tranquilizou.
- Então vamos deixar a menina aproveitar e sentir o gostinho do que é fazer parte da elite do mundo. – Estela gesticulou efusivamente, indicando o lugar onde estavam.
Ela partilhava do singular sentimento de pertencimento a um seleto e especialíssimo grupo. O das ex-alunas do Instituto Chermont. E era a única naquela sala que compreendia essa sensação, uma vez que Helena e Coraline jamais estudaram entre aquelas paredes e no caso de Dominique, apesar dela ter construído tudo aquilo, o sentimento era outro. Então ela compreendia exatamente o que ambas estavam vivenciando. Tanto Manu, que começava a sentir o seu “reinado” ameaçado e o deslumbre e encantamento da novata Diana.
- E qual o dom dela? – Dominique inqueriu pouco antes de saírem da sala. As outras três trocaram olhares significativos.
- Nenhum! Ou melhor... Não temos certeza. – Foi o que Helena respondeu. – Por um tempo eu achei que ela possuía algo parecido com o meu. A imunidade.
- E não é? – Dom insistiu. Helena deu de ombros e gaguejou algumas vezes, mas não respondeu.
Todas ali sabiam que a posse ou não de algum dom ou habilidade metafísica não significava tanto assim, bastava olharem para o caso de Estela Marshal. Diretora da CIA, membro do alto conselho da Ordem e uma das melhores alunas que aquela escola já teve.
- Talvez ela só ainda não o tenha descoberto. – Cora atentou para esse fato e apontou para si mesma e até mesmo para a Helena.
O fato era que a posse ou não de dons especiais pouco importava diante da Filosofia de Sororidade que regia a Ordem e tudo que girava em torno dela. E era exatamente esse sentimento que pautava a ideologia trabalhada naquela antiguíssima instituição.
“Algo me diz que devemos ficar de olho nela.” Dominique comunicou-se secretamente com sua esposa.
“Calma meu bem!” Cora sorriu levemente e tocou o braço de sua amada companheira. “Ela está no melhor lugar possível.” A tranquilizou. “Mas a observarei de perto sim.” Recebeu um largo sorriso seguido de um demorado beijo.
- Agora temos uma filha e sobrinha para consolarmos. – Estela as chamou.
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Manu não via a hora de ficar sozinha com seus pensamentos, para lidar com suas frustrações. Apesar de amar suas amigas, não aguentava mais as palavras carinhosas na tentativa de consolá-la, embora estivesse evidente que nenhuma delas sabia exatamente o que dizer, pois estavam vivendo uma situação inédita para todas. Normalmente procuravam Manu para buscar algum consolo ou conselho e a menina sempre estava pronta para ajudar quem precisasse dela, então o caminho contrário era estranho para todas.
- Devushka, não fique assim. Vamos para a copa e eu posso cobrar uns favores da cozinheira para que ela nos prepare uns Dranikis[1]para nós. – Sasha insistia na tentativa de animar sua amiga e companheira de dormitório.
- Vá na frente S! Vou me organizar, tomar um banho e guardar meu equipamento. – Tentou dissuadir a sua amiga a deixa-la.
- Se a Srta não aparecer naquela copa eu venho aqui lhe buscar a força. – E Manu sabia que ela faria exatamente isso. Desde o primeiro dia naquela escola que Sacha Braeva havia grudado em Manu e considerava-se no dever de tomar conta da menina que era poucos meses mais jovem que ela. Chegando a chama-la, muitas vezes de irmãzinha.
Manu jurou cruzando os dedos e os beijando, num gesto que sempre divertia sua amiga e reforçava a ideia de que ela precisava de algum tipo de proteção. Viu sua amiga se afastar juntamente com as demais colegas de dormitório e agradeceu o silêncio que começou a imperar naquele moderníssimo ginásio.
Evitou ao máximo, mas não conseguiu evitar de encarar a imagem que a estava incomodando profundamente. O placar que mostrava a terrível verdade. Havia sido derrotada. E não foi uma derrota qualquer, foi a sua primeira e isso a estava magoando muito mais do que gostaria de admitir e estava falhando em esconder como estava se sentindo.
Tinha a certeza que, se lançasse mão de seus dons, teria vencido aquele duelo sem maiores esforços, mas isso implicaria na quebra do pacto que havia estabelecido com suas mães e que fora uma das condições para que ela pudesse frequentar o Instituto.
Apesar daquela lugar juntar as mais extraordinárias jovens do mundo e que algumas delas, de fato, possuíam dons especiais, nada se igualava a quem ela era e do que era capaz de realizar. Nem mesmo suas amigas mais próximas sabiam de toda a verdade a seu respeito. E isso lhe deixava triste, pois precisava mentir para pessoas que já gostava imensamente.
Além das mulheres do Conselho da Ordem, ou seja, sua família, a única outra pessoa que conhecia um pouco mais da verdade sobre ela era seu jovem amigo Siggy e isso se deu justamente porque ele testemunhou algumas demonstrações extraordinárias demais e que suscitaram explicações. Fez uma nota mental de que precisava e muito conversar com seu amigo e planejou ligar para ele ainda naquela noite.
Quando não conseguiu mais encarar a sua derrota, um longo suspiro ecoou sob o teto abobadado do ginásio. Caminhou lentamente para recolher todo o seu material e pensou em tomar uma ducha nos vestiários dali mesmo, mas lembrou-se que não trouxe roupas adequadas, o que lhe causou novo suspiro derrotado. Teria de enfrentar suas colegas nos banheiros do dormitório.
Certificou-se que não havia mais ninguém ali e sem mover músculo algum, começou a desligar as luzes que uma a uma, foram deixando o ambiente um tanto quanto sombrio. De repente, algo chamou sua atenção. Uma voz baixa que foi se aumentando à medida que sua dona se exaltava. Imediatamente Manu soube de quem se tratava, e sem saber bem o motivo, esgueirou-se por sob as arquibancadas e se aproximou sorrateiramente para espiar.
Diana estava ao celular, conversando de forma exaltada e usava o seu idioma nativo. A curiosidade de Manu atingiu a estratosfera quando o seu razoável conhecimento de grego lhe permitiu reconhecer seu nome sendo citado naquela conversa. Focou ainda mais a sua atenção, pois jurava ter ouvido alguns adjetivos positivos a seu respeito, mas não teve certeza. Então, algo inusitado aconteceu. Estarrecida, percebeu que a jovem negra estava começando a se despir.
Um estranho desconforto começou a congelar o estômago daquela que espiava. Manu não conseguia compreender o que estava lhe acontecendo, pois já havia visto várias mulheres nuas em sua vida. Tomava banho com as colegas, via suas mães e até as mulheres do Exercito de Ártemis nuas. Mas naquele momento, achou que estava fazendo algo de errado. E como tal, e sendo quem ela era, o errado lhe atraia com um poder impressionante e, por mais que relutasse, sua atenção já havia sido capturada por sua oponente de esgrima.
O suor ainda podia ser visto em boa parte do corpo de Diana, que retirava seu uniforme, revelando uma fina camiseta de algodão por baixo que deixava a mostra os impressionantes e torneados braços de músculos bem definidos indicando a forma que aquela jovem estava.
O frio em sua barriga atingiu níveis glaciais quando percebeu que Diana iria retirar sua calça também e naquele movimento, Manu conseguiu ter um rápido vislumbre de uma delicada tatuagem nas costas da garota, logo acima da linha da calcinha branca que a garota usava. Sem compreender o porque, Manu apertou a própria barriga ao descer e subir seus olhos pelo corpo impressionante daquela menina.
“O que porr* está acontecendo comigo?” Inqueriu a si mesma e a sequidão em sua garganta era outro indicio do descontrole que estava experimentando e lhe deixando desconcertada.
Ao final da ligação, Diana sentou-se no cumprido banco de madeira que ficava no centro do vestiário e apoiou ambos os antebraços nas coxas. Manu se espremeu entre as barras de ferro que sustentavam as arquibancadas para poder ver melhor e o sentimento que nomeou como desconforto foi potencializado, quando a menina morena ergueu a cabeça, revelando que lágrimas caiam de seus olhos. Manu teve um vislumbre rápido dos olhos daquela menina ao final do duelo, mas foi o suficiente para sentir o impacto deles. Jamais vira olhos como os de Diana, e se pegou desejando poder olhá-los mais de perto. De uma maneira estranha, eles lhe lembravam de sua mãe Dominique.
“Mas que porcaria é essa que está acontecendo comigo?” Indagou-se mais uma vez e seu choque só aumentava, pois não conseguia tirar os olhos daquela jovem, era como se uma energia poderosa, um espécie de magnetismo que atraia e impelia Manu em direção a ela, levando-a a debruçar-se ainda mais e com um incontrolável suspiro, que saiu mais alto do que gostaria, foi percebida por ela.
- Tem alguém ai? Quem é? – A feição triste de Diana tornou-se dura e séria. Manu praticamente prendeu o fôlego, temendo denunciar sua posição. Percebeu que a outra se enfiou em um moletom que compunha parte do fardamento da escola e sair quase correndo do vestiário. Para a sorte de Manu, a noite já chegava, lançando aquele lado no ginásio na mais profunda escuridão, o que lhe camuflava.
Viu Diana parar bem no centro do ginásio, olhando para todos os lados e quando percebeu que não havia ninguém lá, sacou seu celular do bolso e, para a surpresa irada de Manu, ela tirou uma foto do placar. Girou no próprio eixo e deixou o ginásio com certa pressa.
Só então Manu soltou o ar de seus pulmões e, sem um pingo de esforço, moveu as pesadas barras de ferro, afastando-as para que pudesse sair. Estava completamente confusa e profundamente angustiada, pois estava sendo confrontada com um sentimento que detestava, a frustração. Embora já tenha provado desse antes, quando era constantemente repreendida por suas mães, pela primeira vez ele a alcançou no lugar onde sentia-se mais segura. E o caos que imperava em sua mente, não lhe deixava clareza do que sentir em relação aquela menina completamente estranha.
“Quem é Diana Katsaros?”
Com essa questão martelando em sua mente, deixou o ginásio já com o fim da tarde. Precisava se apressar para tomar banho a tempo e seguir para o jantar. Os horários naquela instituição eram bastante rígidos e precisavam ser seguidos. Esse era um dos ditames mais sagrados do Instituto, embora ela e suas amigas o burlem com certa frequência, assim como tantas outras regras.
Contornou o prédio central e cruzou com alguns funcionários que lhe cumprimentavam e ela fazia o mesmo, tendo o cuidado de chamar a todos pelo nome. Apesar de ser quem era, jamais deixou que sua posição interferisse em sua relação com qualquer tipo de pessoa. Inclusive, por vezes, ajudava alguns deles, inclusive quando interveio pessoalmente para que a filha de um dos jardineiros pudesse estudar naquela instituição.
- Chica Manu! – Um homem corpulento e de semblante agradável lhe saudou assim que a viu.
- Boa noite Francisco. – A usual empolgação de sua voz não estava presente.
- Não fique assim criança. Para mim e para a Ximena você sempre será a campeã. – Ele a envolveu pelos ombros referindo-se a sua filha, que estava no segundo ano de estudos naquela instituição.
- Eu sei Francisco... Mas é que... – Arriou os olhos e o jardineiro pensou que a menina iria chorar, então apertou ainda mais aquele abraço.
- Já sei o que pode lhe animar. Chilli e Alegría amanhã a noite na minha casa. E não aceitamos não como resposta. – Ele advertiu sem ameaça algum em sua voz.
- Hummm... Eu adoraria o Chilli da Marta, mas amanhã à noite eu não posso. Será o aniversário de casamento das minhas mães. – Fez um biquinho. Estava ansiosíssima para aquela festa, mas também amava a cozinha da esposa de Francisco e sempre se sentia muito bem na casa daquela família extremamente acolhedora.
- É verdade! Dê os meus parabéns a elas viu?
- Pode deixar! Mas agora eu acho melhor ir andando se não a Reitora Nichols pega no meu pé. – Piscou um dos olhos para ele. – As gérberas estão lindas! – Acariciou algumas delas e apressou o passo. Avistou ao longe várias estudantes se dirigindo para o refeitório e isso a fez mudar o caminho usual e cruzar uma cerca viva que dava para o prédio dos professores. Esforçou-se ao máximo para não judiar dos jardins de Francisco e saltou para além do gramado, numa distância impossível para qualquer humano e aterrissou praticamente aos pés de suas mães. – Ops. – Foi o que conseguiu dizer ao se erguer e encará-las
- Você realmente acha que isso está certo? – Dominique disse assim que cruzou os braços diante dela.
"Pegue leve meu amor.” “Não vê que ela veio por aqui justamente para fugir das amigas?” Trocaram olhares significativos e Manu soube de imediato que elas estavam se comunicando.
- Meu bem... – Cora virou-se para a filha valendo-se do mais doce dos tons, justo aquele que tinha o poder de soltar todas as amarras de controle de Manu e fazê-la soltar toda e qualquer dor que a tivesse machucando.
- Eu perdi Mama. – E desabou num choro que há muito nenhuma das duas via e antes mesmo que Coraline pudesse ampará-la, Dominique o fez, pois a ligação entre elas lhe fazia praticamente experimentar a dor da sua filha e nada lhe deixava mais arrasada que isso.
- Manu... – Disse baixinho enquanto acariciava as costas da menina que largou suas coisas ao chão, ocasionando um estridente barulho do metal de suas espadas tilintando contra a pedra. Agarrou-se a sua mãe e estendeu o braço para que Cora também fizesse parte daquele encontro. Dom pensou em continuar sua fala, mas foi interrompida por Cora que indicou a aproximação de um grupo de alunas.
Silenciosamente e sem se desvencilharem da menina entre elas, caminharam para o interior do prédio que continha os apartamentos de alojamento dos professores que optavam em passar a semana em Lille, onde o Instituto ficava. Subiram dois lances de escadas até alcançarem o apartamento ocupado por Coraline.
Estudantes não eram permitidas naquele edifício, mas essa regra fora quebrada na primeira semana de Manu no Instituto embora tanto ela quanto sua mãe tentassem evitar aquilo, mas a menina sempre recorria ao colo da mãe quando algo a incomodava. E naquela noite em especial, o colo duplo seria muito bem vindo.
Apesar de ser um alojamento, os apartamentos possuíam todo o conforto para seus ocupantes e Cora fazia questão de ter as mesmas regalias que seus docentes. Manu jogou-se no sofá que não lhe cabia e se encolheu, deitando a cabeça no colo de Dominique e largando as penas no sobre as de Coraline.
As duas mulheres deixaram que sua “pequena” extravasasse suas frustrações e apenas deixaram claro, com os carinhos e a paciência, que estavam ali para ela, como sempre estiveram e certamente estarão.
- Mamas... – Finalmente Manu conseguiu cessar o seu choro, que para algumas poderia soar exagerado, mas somente quem a conhecia bem sabia o quanto aquele Torneio, e tudo o que o envolvia significavam para ela. – Me desculpem... – Disse com um filete de voz.
- Pelo quê meu bem?
- Não tem do que se desculpar.
As duas disseram ao mesmo tempo, surpresas com aquele pedido da garota.
- Eu decepcionei vocês. – Virou-se e afundou seu rosto contra a barriga de Dom que a envolveu ainda mais em um acolhedor abraço.
- Ei meu amor... – Coraline procurou se debruçar sobre ela para tentar fazê-la se virar e encará-la e aproveitou e lançou um significativo olhar para sua esposa, pois ambas sabiam que a frustração maior da menina era em relação à Dominique, pois cada passo, cada ação, cada conquista, Manu buscava sempre algum tipo de aprovação de sua mãe.
- Manu? Meu bem... – Dom imprimiu um tom a mais de autoridade em sua voz e esperou a reprimenda de sua companheira, mas essa apenas a encorajou a prosseguir. – Você não nos decepcionou. Muito longe disso. Você é a pessoa mais extraordinária que eu já tive a oportunidade de conhecer. – A garota virou-se lentamente para ela. - Juro! E olhe que eu sou casada com a sua mãe! – Sorriu e piscou um dos olhos para Cora que sorriu largamente.
- Mas a Mama Cora é muito mais extraordinária do que eu. – Manu realmente havia ativado o modo dramalhão.
- Que tal um empate? – Cora a cutucou onde sabia que causaria cocegas na filha.
- Você nos orgulha todos os dias Manu. – Dom prosseguiu em sua argumentação que pouco tinha de bajulação e massagem de ego, mas trazia a verdade do orgulho que ambas sentiam da menina. – Embora...
- Sabia que tinha alguma coisa... – Manu bufou, mas riu em seguida.
- Embora, você ainda insiste em nos desobedecer. – A olhou com mais seriedade.
“Se a senhora soubesse...” Pensou consigo e quase riu daquele pensamento.
- Você nos inspira meu amor. – Cora sintetizou tudo o que sua companheira desejava dizer. Chegava a ser cômica como a Toda Poderosa Mestra da Ordem perdia seu poder argumentativo diante daquela menina. – Todos esses anos, todas as suas conquistas... Seja aqui na escola ou na sua história de vida, você nos inspira.
- Sério? – Ela sentou-se entre elas e alternou seu olhar para cada uma de suas mães.
- Acredite em sua mãe Manu. – Dominique reforçou.
- Além do mais, você perdeu apenas a primeira competição. Ainda faltam mais 4. – Cora deu uma injeção de ânimo em sua filha.
- Inclusive aquelas que você é ainda melhor. – Dom prosseguiu. – O arco e flecha, a corrida e o hipismo. Sem contar que não existe uma égua como a Argo. – Piscou um dos olhos para ela e bagunçou o cabelo dela. – Vocês são imbatíveis juntas. – Com satisfação, viu um brilho se reacender nos lindíssimos olhos azuis de sua amada filha.
- Isso mesmo... Mas agora, Manu... Vá tomar um banho. – Cora a provocou levando a mão ao nariz. A menina retrucou tentando fazer cocegas na mãe e deu um pulo do sofá, seguindo para o banheiro.
- Mas... Espera ai... Aquela garota... – Dominique e Coraline trocaram olhares receosos.
- A Diana. – Cora a incentivou a continuar.
- Isso mesmo. Ela não estudava aqui no instituto antes. Como isso é possível?
- Precisamos abrir uma exceção para ela... Foi um pedido de uma amiga. – Cora disse com cautela, já de pé e caminhando em direção à Manu.
- De uma amiga... Quem? Não pode ser!? – Manu levou ambas as mãos a boca, outro trejeito que não perdeu de quando era criança. – Ela é a Diana da Tia Helena?
- Isso mesmo. – Dom respondeu e percebeu aquela característica ruguinha se formar na testa de sua filha, indicando que estava processando todas as informações.
- Engraçado...
- O que Manu? – Cora inqueriu.
- Ela não se parece com a Tia Helena... Ela é... – Arrependeu-se do pensamento que conjecturou assim que recebeu um incisivo olhar de sua mãe.
- Negra? – Dom concluiu e recebeu o mesmo olhar de Cora. – O quê? Ela é e não há problema algum nisso. Ela é filha da meia-irmã de sua tia. E o pai da Diana é do Brasil. – Voltou-se para a filha, lhe explicando.
- Eu a acho bem parecida com a Helena... E não só fisicamente. – Cora levantou-se e caminhou até a cozinha para iniciar o preparo do jantar delas.
- Como assim Mama? – Manu sentou-se no banquinho do balcão que separava a cozinha da sala. Dominique também se interessou.
- Ela já participou de minha aula sobre Teoria Político-Feminista. – Disse despretensiosamente e o silêncio das duas lhe fez prosseguir. – Ela me parece ter uma mente brilhante. E uma personalidade bem forte, assim como a tia. – Piscou um dos olhos para Dominique. – Além de ser bastante desconfiada com as pessoas. – Manu achou aquela ultima informação curiosa, pois para ela era natural a confiança, apesar de tudo o que passou quando criança.
- Desconfiada? – Dom insistiu.
- Sim... A pedido da Helena eu fiquei de olho nela essa semana e pedi o mesmo a alguns professores, e todos me relataram que ela é bem reservada e mal fala com outras alunas. E também pude conversar algumas vezes com ela. – Manu não conseguiu compreender o porque aquela informação lhe causou um desconforto ainda maior.
- As meninas de Atena não são fáceis. – Dominique disse após abocanhar uma farta fatia de queijo.
- Não mesmo! – Manu concordou e também beliscou uma fatia ainda maior.
Coraline as contemplou, como já era um hábito seu e não cansava de se impressionar de como as duas se pareciam nos mínimos detalhes e, apesar de saber que Manu tentava copiar sua mãe, havia atitudes, trejeitos, manias que eram espontâneas demais e isso a encantava. Até mesmo os maus hábitos, como aquele de falarem com a boca cheia de comida, ou até mesmo o peculiar paladar que possuíam. E sentiu seu coração ser preenchido pelo amor daquele simples momento partilhado pelas três, e que estava cada vez mais difícil devido a correria que viviam.
- As duas! Parem de beliscar e me ajudem no jantar. Manu corte as verduras e a senhora... – Roubou dela o pedaço de queijo que tinha destino certo e finalizou o lindo biquinho de protesto dela com um beijo. – O fettuccine não ficará pronto sozinho.
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Assim que se despediram de seu maior tesouro, Dominique envolveu Coraline por trás e ficaram observando pela janela, Manu se afastar.
- Eu apenas quero protege-la. E sei que às vezes exagero. – Dom confessou com o queixo apoiado sobre o ombro de Cora.
- Às vezes? – Riu e em reprimenda, recebeu um aperto mais intenso em sua cintura e uma mordida no lóbulo de sua orelha direita. Quase automaticamente o corpo de Dominique respondeu as carícias de sua amada e só pode sucumbir ao desejo e saudade que lhe consumiam e, sem a menor dificuldade, ergueu Cora do chão que já denunciava sua urgência ao retirar a própria blusa enquanto era carregada para o quarto.
- Coraline Nichols... – Dominique proferiu com fingindo solenidade assim que a soltou na cama. – Eu já disse hoje o quanto lhe amo?
O som do delicado sorriso de sua companheira atingiu direto seu coração e lançou Dominique numa breve e deliciosa viagem por suas lembranças dos últimos 10 anos e como o seu amor cresceu a cada dia juntas e que nem mesmo as brigas que tinham, muitas delas devido a Manu, abalavam o que sentiam.
- Hoje ainda não. – Respondeu e lançou a provocação final. – Então venha já para essa cama e mostre-me o quanto.
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Depois de um delicioso e agradável jantar, Manu já se sentia bem melhor e pronta para enfrentar suas amigas, que certamente estavam aflitas atrás delas. Janaina e Sacha eram praticamente suas sombras e as três garotas desenvolveram uma amizade desde o primeiro dia delas naquela escola.
E enquanto caminhava pelos corredores daquela magnifica construção, lembrou-se daqueles tempos, quando as três uniram-se por uma empatia imediata, pois Manu e Jana saíram em defesa de Sasha que infelizmente foi vitima de comportamentos intolerantes de algumas veteranas e como ela, foram inicialmente tachadas de esquisitas. Riu com aquele pensamento e de como foi tola inicialmente, pois implorou para sua mãe Cora não dizer quem ela era, e por alguns meses ela foi apenas Emanuelle, ou Manu. Não desejava ser tratada de modo diferente por ser a filha da Reitora Nichols ou da grande Dominique Carpentier.
Mas logo começou a se destacar nas aulas e em suas notas e descobriram quem ela era e a garota teve de enfrentar uma nova batalha de aceitação, pois se esforçava duplamente para provar que era merecedora de estar ali por seus méritos e não por sua família.
- Como eu era tola. – Falou para si e riu, acenando negativamente a cabeça. Mas essa era Manu, sempre necessitando comprovar, muito mais para si que para os outros, quem ela era. E somente ela sabia o que aquela angustia lhe causava.
Conferiu as horas e viu que já havia terminado o horário do jantar das estudantes, mas ainda não estava cansada e não estava a fim de ir para o quarto, embora essa fosse a determinação após as 22h. Riu marotamente e decidiu fazer uma das coisas que fazia melhor. Burlar as regras do Instituto.
Sorrateiramente venceu a distância que a separava de seu objetivo. Escondeu-se de algumas estudantes e das inspetoras de corredor, que a adoravam, embora ela sempre lhes desse muito trabalho. E finalmente chegou a um dos seus lugares favoritos na escola. A majestosa Biblioteca que possuía o significativo nome de Melanie Chermont.
Como sempre fazia quando adentrava aquele lugar que considerava sagrado, parou sob a inscrição que trazia aquele nome tão significativo para a Ordem e especialmente para ela e lançou um suave beijo sorrindo.
Naquela hora a Biblioteca já havia encerrado o seu funcionamento, mas isso jamais impediu Manu, que possuía um cartão de acesso clonado. Presente do seu amigo Siggy e de seus talentos de nerd-hacker de tudo quanto é tecnologia. O passou na trava de acesso e assim que adentrou o salão principal que continha dezenas de mesas retangulares de estudos, com seus pequenos abajures verdes, algumas luzes foram acesas sem que nada fosse acionado.
Inspirou profundamente aquele ar e recebeu aquele cheiro tão característico e que considerava um dos melhores perfumes do mundo. Como uma boa “rata de biblioteca” que era, amava passar horas em meio aos livros e partilhava aquele habito com sua mãe Cora. Ambas costumavam perder a noção do tempo quando estavam naquele lugar e discutiam praticamente todo e qualquer assunto.
Nas altas estantes de madeira maciça, havia uma imensidão de títulos de todos os temas, pois nada poderia ser tabu naquela Instituição. Esse era um dos pontos que Dominique mais defendia quando pensou e criou o Instituto. As jovens meninas e mulheres que frequentassem aquela escola deveriam ter todo o conhecimento do mundo ao seu alcance. Manu suspirou e leu em voz alta um dos dizeres que estampava as paredes.
- Scientia potentia est!
- Conhecimento é poder! – Manu assustou-se com aquela voz que traduziu o que acabou de ler. Havia mais alguém ali além dela. Girou a cabeça, muito mais curiosa do que com medo.
- Quem é? – Virou-se e para sua surpresa e vinda de trás de uma das estantes laterais, era Diana.
- Boa noite. – A garota disse cordialmente. A surpresa de Manu foi tamanha que não conseguiu processar nada para falar, apenas a via se aproximar segurando uma pequena pilha de livros. – Vejo que não sou a única que aprecia a companhia dos livros ao invés das pessoas. – Depositou os que trouxe na mesa e voltou a encarar a jovem a sua frente que continuava com a boca entreaberta a olhando. – Tá tudo bem com você?
- Ah sim... Tudo bem... Desculpe. – Gaguejou e baixou a vista. Estranhamente o olhar de Diana a perturbava de alguma maneira. – Apenas não esperava encontrar mais alguém aqui. – Virou para fingir procurar algum titulo na sessão destinada às ciências exatas.
- Gosta de matemática? – Diana apontou para a prateleira que Manu inspecionava. Essa assustou-se com aquela questão e só então se deu conta que segurava um livro de cálculo avançado.
- Na verdade... – Meio sem jeito, recolocou o livro de volta em seu lugar. – Detesto. – Baixou os olhos novamente.
- Então somos duas! – Diana disse de forma divertida. – Apesar de saber que é importante para nós, não vejo muita graça. Prefiro muito mais literatura e História. E não conte a ninguém, mas... – Piscou um dos olhos para ela. – Também gosto um pouco de poesia. – Soltou um suave sorriso.
Alguma coisa estalou bem no fundo da mente de Manu e veio se avultando, fazendo sua cabeça latejar e todo o seu corpo responder de uma forma que ela desconhecia. Tudo isso devido a apenas uma piscada de olhos da jovem a sua frente.
- “Não há melhor fragata que um livro para nos levar a terras distantes.” - Manu disparou sem ter a exata consciência de como conseguiu fazê-lo.
- Emily Dickinson! – Diana sorriu imensamente e Manu sentiu que seu coração explodiria devido à reação que teve ao som da risada daquela garota.
- Confesso minha culpa também em relação à poesia. – Sorriu timidamente e seu mundo girou rapidamente quando percebeu a sutil aproximação de Diana que parou bem próxima a ela e sob a luz de um dos poucos lustres acesos. – Seus olhos... – Manu disse involuntariamente, fazendo com que a outra parasse e franzisse a testa sem compreender o que ela queria dizer.
- O que tem eles?
- São... são... – Manu voltou a gaguejar e gesticular abobalhadamente, lembrando sua Mama Cora. – Impressionantes! – Quase sussurrou aquele adjetivo que pegou Diana de surpresa. A tez negra da garota ficou levemente corada com aquela observação e a confusão que teve início em Manu agora consumia a ela.
O silêncio se fez e mesmo com todo o desconforto inicial que Manu sentiu, agora não era mais capaz de desviar seus olhos dos de Diana. Eles possuíam uma tonalidade que jamais havia visto, um âmbar vibrante no centro e levemente esverdeado nas bordas e naquele exato instante, eles brilharam intensamente e pela primeira vez, uma mergulhou nos olhos da outra.
Manu chegou a cogitar se Diana ouvia o seu coração, tamanha era a violência das batidas, lhe obrigando e buscar cada vez mais ar, chegando a quase ficar ofegante.
A jovem negra, por sua vez, não estava muito diferente da menina. Desde que chegou naquela escola ansiava em poder conhecer aquela garota. Aquela mesma que a fascinou assim que viu uma foto dela com sua Tia Helena ainda quando era criança. E ouviu as histórias do quão extraordinária ela era e todos os seus feitos. Lembrou-se que naquela exata ocasião havia dito que jamais havia visto uma pessoa tão linda quanto ela. E desde aquele dia, e sem que mais ninguém soubesse, admirava aquela foto diariamente, pois a “roubou” de sua tia.
Nenhuma das duas se via capaz de quebrar aquele olhar. Ambas estavam sendo envolvidas por uma energia que jamais haviam experimentado e compartilhavam uma confusão que turvava seus julgamentos.
O desconforto que magoou Manu e que fora a primeira impressão que ficou em relação a Diana, agora dava lugar a um estranho fascínio e uma atração que lhe roubava qualquer tipo de razão ou controle. Tudo o que a menina deseja era continuar sentindo aquelas sensações que lhe lançava num enxurrada de novas sensações.
A admiração e curiosidade que Diana sentia desde sempre por Manu assumiu proporções que a garota nem era mais capaz de definir, sendo metamorfoseados por uma atração incontrolável e que desestabilizava o seu tão adorado autocontrole do qual sempre se gabou.
O mundo ao redor delas parou de existir.
E sem bem saberem quem havia tomado a iniciativa, a surreal atração que as comandava fez com que seus seres fossem atraídos um em direção ao outro e seus corpos começaram a quase flutuar, vencendo a irrisória distância que as separava.
A antecipação... Os segundos antes da explosão consumiam a ambas e gravavam em suas mentes aquela experiência que já sabiam que seria inesquecível.
E o morder dos lábios de Diana foi a resposta dada a visão que teve da incrível transmutação que vislumbrou nos incríveis olhos azuis de Manu, que assumiu uma tonalidade mais escura, e um resquício de um brilho purpura foi visto e refletido no âmbar dos olhos da morena.
Então, simultaneamente e com a precisão de quem sempre fizera aquilo, entreabriram as bocas e a proximidade era tamanha entre elas, que uma sentiu o calor do hálito da outra e o descompasso de seus corações era refletido nos tremores que sacudiam a ambas e a violência das batidas era tamanha que chegava a abafar suas audições.
A iminência do que estava para acontecer era algo impossível de ser descrita e lançava as duas numa mágica única e que estava prestes a ser selada.
De repente, o som oco do choque de um dos livros contra o chão de pedra disparou um alerta em ambas e todo o encantamento que as envolvia foi bruscamente quebrado.
- O que foi isso? – Disseram juntas logo após se afastarem. O rubor queimava a face de Manu e que, sem bem entender o motivo, evitava encarar Diana nos olhos.
- Derrubamos a Margaret Mead. – Diana brincou ao se baixar para pegar um volumoso livro de capa dura da antropóloga norte-americana. Ela também estava sem jeito e desconcertada com aquela situação e evitava o olhar de Manu que recebeu o livro e riu da brincadeira contida na fala dela. – O som da sua risada é uma delícia. – Aparentemente a morena se recuperou primeiro e atingiu Manu em cheio com aquele comentário.
O rubor das bochechas de Manu só não era mais incrível que aquele sobrenatural tom que misturava o púrpura e o lilás nos olhos dela sempre que esses encontravam os da outra menina.
Porém, o barulho da queda do livro não alertou apenas a ambas, do longo corredor que levava até a biblioteca, passos rápidos e um feixe de luz de uma lanterna veio se aproximando.
- Merde! – Manu se abaixou e puxou Diana que arriou pouco antes da luz focar a mesa onde estavam. A loura levou o dedo indicador aos lábios, pedindo silêncio. – É a Mme Durand. – Sussurrou, referindo-se a chefe das fiscais de conduta do Instituto. – Uma carrasca megera. – Gesticulou cada palavra e revirou os olhos. Dina segurou o riso da careta que a outra garota fez e ambas encolheram os ombros quando perceberam a aproximação da mulher que não tinha mais de 1,5m de estatura e feição que denotava fragilidade, mas que nada tinha a ver com a personalidade dela.
- Emanuelle Campertier-Nichols... – A menina fechou os olhos para abri-los em seguida e virá-los. – Sai de onde você estiver! – Ela já estava no meio do grande salão da biblioteca.
- Aonde você vai? – Diana sussurrou e segurou o braço de Manu antes dela se levantar. A tensão de serem descobertas não camuflou a descarga elétrica que o toque entre elas espalhava em seus corpos. Manu e fitou com brevidade e deixou um sorriso serelepe dançar em seus lábios.
- Ela já sabe que estou aqui... Mas não precisa pegar você também. – Piscou um dos olhos para ela. – Vou distraí-la para que você saia. – Tocou na mão dela em seu braço e com gentileza a retirou.
- Tem certeza? – Mas Manu já estava de pé.
- Mme Durand... – Chamou a atenção da mulher e logo o feixe de luz encandeou seus olhos. – A senhora sempre me acha... – Caminhou em direção a mulher e com uma das mãos nas costas, sinalizou Diana esperasse.
- Menina... Já passou e muito da hora de você estar no seu Dormitório. – A mulher repousou uma mão na cintura e a outro gesticulava a lanterna em reprimenda.
- Eu só queria pegar uns livrinhos... Que mal há nisso? – Segurou a mulher pelos ombros e a diferença de altura entre elas era algo gritante.
- Use o horário adequado para isso. – Ela disse com rigidez, tentando conduzir Manu para a saída, o que as levaria direto para onde Diana estava escondida.
- Mas eu só quero esse aqui... – Manu forçou e girou a mulher, obrigando-a a segui-la. – Pense que eu poderia estar fazendo uma coisa pior... Mas estou apenas na biblioteca. – Valeu-se de todo o seu charme e da melhor cara de inocência que conhecia.
- Veja bem menina... – Manu olhou para além dela, que agora estava de costas para a porta, viu Diana se erguer e caminhar relutante para a saída.
“Vai!” Gesticulou para ela, aproveitando que Mme Durand olhava o livro que ela havia indicado.
Diana deu passos cuidadosos em direção a porta e antes de sair por ela voltou a olhar para Manu que não havia tirado os olhos dela e lhe lançou um encantador sorriso.
"Obrigada!” Balbuciou de volta.
- O que você está olhando? – A mulher virou a lanterna na direção que Manu olhava e o feixe de luz alcançou a porta no segundo seguinte a ela ser fechada.
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A jovem negra não conseguia tirar o tolo sorriso dos lábios. Finalmente havia conhecido quem mais desejava. Conhecer Manu, era praticamente o motivo maior de seu desejo, tomando quase como uma missão.
Contudo, algo saiu diferente do que sempre havia imaginado ou planejado. E isso tinha haver com o que experimentou quando esteve na presença dela, especialmente tão próxima e um estranho e desconfortável temor começou a lhe assustar.
E esse susto foi potencializado pelo toque abafado e ritmado do seu celular que foi rapidamente atendido antes que pudesse chamar atenção de alguma das inspetoras de corredor. Tratava-se de uma vídeo chamada e assim que viu o rosto da pessoa do outro lado, o sorriso voltou a dançar em seus lábios.
- Advinha quem acabei de conhecer? – Ela indagou assim que cruzou a entrada do prédio de seu dormitório.
- Finalmente! – Uma voz masculina ecoou nos corredores silenciosos. – Conte-me tudo e não esconda nada.
Por algum motivo que Diana não conseguiu compreender, aquele pedido lhe soou desconfortável.
Fim do capítulo
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