O Gênesis
Contradictio
“O Gênesis”
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"... e tento achar um modo de me transformar no que gostaria de ser e no que poderia ser se... se não houvesse mais ninguém no mundo."
- Anne M. Frank
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As transparentes e volumosas gotas de chuva molhavam-lhe as madeixas negras, mas isso não a preocupava, pelo contrário, estava anestesiada a tal ponto que não parecia sentir-las gélidas contra sua epiderme, escoriam-lhe na fronte, e como se fossem uma, misturavam-se ás tímidas lágrimas que descendiam de seus orifícios oculares.
A mulher, cabisbaixa, mantinha os olhos fechados, não conseguia olhar para os lados e tampouco encarar a suntuosa lápide á sua frente onde seu amigo, na verdade, um homem que tinha como irmão, jazia enterrado.
Enquanto o couro negro de sua jaqueta era tomado pela chuva, os nós esbranquiçados da mão direita revelavam uma plaqueta de inox que a morena apertava com a mesma força e intensidade em que comprimia o maxilar, era sua tentativa, ineficaz, diga se de passagem, de inibir as lembranças que, assim como a chuva molhando-lhe as roupas, tomavam sua perturbada mente sem antes pedir permissão.
Sentia-se culpada, pois não pudera salvar o amigo. Reviveu, pela enésima vez, toda a madrugada de algumas semanas atrás, data da terrível fatalidade. O sangue, a luta e vontade de Tiago em sobreviver, a vida abandonando os negros que brilhavam sempre que o sol nascia, ao menor vislumbre de esperança...
"- Por favor... Por favor... - A morena tentava estancar o ferimento na parte superior do abdome de Tiago - Fica comigo, cara... Nós vamos ficar bem, Ok?! - O desespero tomava a jovem mulher, pois por maior que fosse a pressão que ela aplicava no ferimento, o extravasamento de sangue não parava e Tiago a conhecia muito bem para entender que ela estava apenas controlando sua postura, mas por dentro estava em desespero.
- Está tudo bem... Manu... - A voz era abafada, mas mesmo entre tosses e uma respiração agônica a jovem podia entender-lo - Não é sua culpa, ok?! - tosses - Nós vamos ficar bem! - as tosses intensificavam-se e a hipo-temperatura da pele de Tiago alertou a morena que ele estava entrando em choque hipovolêmico - Você precisa achar a... a... - O homem tentava articular as palavras.
- Não fale. Isso te faz perder energia, cabeção!! - As lágrimas estavam presentes em ambas as faces, pois as almas ali presentes sabiam bem que desfecho teria aquela história, ao contrário do parceiro, Emanuella não se permitia ter esperanças... não mais!!
Estavam trabalhando em uma missão conjunta entre as polícias Européia e a Brasileira, investigavam uma grande organização de tráfico de mulheres e seguiram a rota dos traficantes do Brasil á França. Ambos eram integrantes da polícia federal, o homem fora o parceiro de Emanuella quando a mesma ingressou na segurança pública, fora seu mentor, transformou-se em um irmão mais velho.
- Ange.... - as tosses agora eram carregadas de sangue - Angel... Angeline... prec... Preciso que prometa... q...
- O quê....?? - Emanuella tentava compreender o que o agente dizia - Tiago??... não, não, não... "
** Celular**
O toque de seu telefone a trouxe de volta a realidade...
- Agente Castiel, preciso que compareça ao distrito o mais rápido possível. Temos um novo caso, onde sua presença estar a ser requisitada, o mais rápido possível- diz a voz ao telefone.
- Estou afastada das minhas obrigações. Acabei de voltar de um ano de trabalho interruptos no exterior e perder um grande amigo em campo, não irei a lugar algum!! - a voz grave e firme da agente pronunciou-se.
***
**SÃO PAULO**
Na mansão dos Muller's , uma conceituada e poderosa família que á geração dominavam a medicina brasileira e mundial, a mulher mirava o porta-retratos do irmão ao lado da cabeceira da cama...
Iara Muller amava esse mundo de cientista e “especialista da vida”, era uma médica requisitada, dominava com excelência a profissão e passara os últimos quatro anos cuidando das filias do "império Muller" em New York.
Seu irmão, Tiago Castiel, ao contrário da Loira, nunca tivera interesse ou talento para com os negócios da família, era bom como delegado e amava sua profissão. Isso lhe custou á relação com o pai, que julgava a medicina como uma tradição interrupta para todos os seus descendentes.
"-Você será o melhor delegado do Brasil, maninho, eu sei disso!! -Iara dizia enquanto dividia sua atenção entre a garrafa de bebida alcoólica e a vista que a varanda da mansão proporcionava a eles.
- Não sei... - respirou fundo tomando a garrafa que lhe era ofertada - E se eu fracassar??
- Não irá! - o sorriso doce e encorajador de Iara mostravam a sincera fé que a loira tinha no irmão, era seu herói- Lembre-se, eu sei o que digo, tenho fé em você!!- sorriu-lhe marota.
- Obrigada por me apoiar, pirralha!! -sorriu ao ver a careta da jovem para si e impulsionado pela reprovação, continuou a bagunçar-lhe as longas e lisas madeixas loiras. ”
** Gritos de criança**
- Mamãe... mamãe.... - A voz eufórica, alegremente, fez-se presente. Arrancando um lindo riso dos lábios rosados da mulher.
Uma linda menina de cabelos negros atravessa a porta da elegante suíte.
- Oi meu amor... - A voz doce veio acompanhada de um largo sorriso - Como foi no parquinho, anjinho - a pequenina de bochechas rosada e lábios pequeninos e avermelhados estende as rechonchudas mãozinhas para a loira que logo a ampara nos braços longos e amorosos, depositando-lhe um beijo estalado.
- Foi "deliçaa", mamãe... - responde a criança lhe devolvendo o ato de afeto.
A mulher sorrio carinhosa para a pequena de cabelos negros e olhos azuis escuro.
Embora estivesse despedaçadas com as experiência que a vida resolvera lhe proporcionar nos últimos anos, não se arrependia...
Ter aquele precioso ser aninhada em seu peito, não tinha preço.
"Você é o melhor que fizemos, pequeno anjinho!!" - concluiu em pensamento.
- Doutora, Miller... ? - a governanta fez-se notar, tirando a loira de sua divagações.
- Sim Judite, já lhe disse que é apenas, Iara !! - A médica sorri gentil.
- O Dr. Castiel está ao telefone e disse que quer lhe falar. Na tolerará renuncias de sua parte!- falou a governanta.
- Diga que não devo mais satisfações á ele!! - logo o tom de Iara alterou-se de gentil para arredio e raivoso.
***
O ruído crescente tornou-se constante e ensurdecedor...
Tratava-se do celular!!
- Merda Juliana, Eu estou de folga... - a voz era rouca de sono e abafada pelo travesseiro, onde a face estava mergulhada.
- A Doutora está louca atrás de você, criatura!! - era a prima da morena.
- E é óbvio que ela não vai me encontrar, porque estou AFASTADA, na verdade pedi férias... - respondeu mal humorada.
- Vem logo pra cá, ou quer ser afastada por insubordinação?! - falou simples, ignorando o péssimo humor da morena.
- Pensando bem, seria maravilhoso... - com uma força que lhe pareceu colossal, colocou-se sentada em meios aos lençóis brancos - Assim poderia dormir em paz!! - a cabeça latejou, a ressaca de noites de bebedeira para aplacar seus demônios cobrou seu débito - Merda... está pegando fogo aí?!- levou a mão a fronte com os olhos pesados e cenho franzido - Me dá meia hora!! - Desligou.
Caminhou pelo tapete felpudo e negro até o banheiro.
Lavou-se e voltou para o armário, apanhou seu jeans claro e rasgado. Pôs-lhe sobre a calcinha Box preta. Era uma linda mulher, quadril largo, pernas torneadas e bem demarcadas pela calça colada.
Uma linda tatuagem ornamentava-lhe as costas fortes, era um dragão negro que lhe cobria toda a extensão da nuca á região sacral da coluna, os olhos do dragão eram de uma azul escuro e intenso e raríssimo.
Combinavam perfeitamente com os seus...
Escuros e intensos, como uma tempestade á mar aberto.
Vestiu-se com uma camiseta preta e jaqueta de couro na mesma cor, ajeitou as madeixas negras e lisas que davam-lhe na altura da clavícula. Apanhou o distintivo e guardou a "pacificadora" (Era assim que a morena nomeara seu revolver , uma Glock 48) no coldre do ombro esquerdo que estava sob a jaqueta. Calçou os tênis e saiu do Loft batendo a porta atrás de si.
***
**CEDE DA POLÍCIA FEDERAL **
Uma linda ruiva de olhos amendoados, caminhava de um lado ao outro na porta do grande prédio. Parecia apreensiva, com o celular em mãos discava o número de certa morena.
Estava prestes a ter uma síncope, quando ao longe avistou uma Harley Davidson SOFTAIL SLIM 2018 preta estacionar e a figura que montava-lhe, orgulhosamente, retirar o capacete, revelando uma morena de feição aristocrata.
Caminhou altivamente em sua direção...
- Porr*, Manu... você disse meia hora, MEIA HORA!! - Juliana Salvatore.
- Bom dia pra você também, Cara parceira!! - sarcástica, respondeu à morena, como um meio sorriso torto.
- Para de brincadeira Emanuella!! – pôs-se a acompanhar os alongados e duros passo da morena- Não viu os jornais ainda, não é?! - a ruiva dizia enquanto tentavam alcançar a escadaria de acesso.
Havia um enxame de repórteres diante do prédio da Polícia.
- É claro que vi, porque é isso que as pessoas fazem num raro domingo de folga, quando são despertadas as cinco e quarenta e cinco da manhã, depois de passar 48 horas dentro de uma delegacia ouvindo o discurso de posse da nova delegada que está tomando o cargo de um amigo que morrera em combate ao meu lado á exatos vinte dias, devo continuar a exposição e justificativas para não ter assistido a merd* do jornal da madrugada?! - conclui com uma das sobrancelhas negras e grossas arriada em interrogação -Mas que caralh*s é tudo isso... - irritou-se quando um dos repórteres puxou-lhe a jaqueta.
- Sabe, você é um amor quando acorda?!-ironizou a ruiva enquanto esperavam o elevador parar no andar desejado – Exatamente por esse motivo que está aqui, priminha!! - sorriu marota.
"só espero que não Surte quando souber o motivo de estar aqui, Emanuella!" - pensava a bela ruiva.
***
As portas da caixa de metal se abrem anunciando um formigueiro de policiais caminhando de um lado ao outro...
- Agente Castiel... - a voz firme da Delegada Débora Aragão Coelho fez-se ouvir em tom de repreensão - Na minha sala agora!!! - a asiática de uns quarenta e poucos anos deu as costas para as primas e continuou seu caminho - Você também, Agente Salvatore!!! - gritou referindo-se á ruiva.
Suspirando resignada, Emanuella retira os óculos escuros, relevando a tempestade azul que eram seus olhos, mas estes encontravam-se avermelhados, marcados por enormes olheiras de cansaço, porém não era apenas os últimos meses de trabalho os responsáveis...
Era cansaço emocional!!!
Sua alma estava cansada!!!
Atormentada!!
Embora não fosse dada á demonstração de sentimentos e tentasse esconder-los de todos, os azuis escuros, pareciam um tempestuoso mar, deixavam-lhe escapar o que tanto escondia...
Sua alma despedaçada e arredia!!!
As primas e parceiras caminharam pelos corredores do prédio rapidamente, até a sala da Dra. Aragão.
**Batida na porta**
- Entrem!! - a voz firme as liberou.
- O que é que está acontecendo... porque estou aqui?- Emanuella pronuncia-se de cenho franzido e uma das sobrancelhas arqueadas.
- Porque é uma prestadora de serviço á segurança pública federal?! - revidou irônica - Ah... e bom dia Agente!! - completou a delegada sem tirar os olhos de seu afazeres.
- Claro, só esqueceu-se de se atentar para o fato de eu estar de licença, que á propósito, ainda tem alguns dias para se esgotar!! - sorriu uma morena sínica.
- O médico Augustos Muller foi seqüestrado a mais ou menos cinco horas, as câmera do estacionamento do hospital, onde trabalha e também é proprietário, registraram o momento... - A delegada alternava sua atenção entre as agentes e tela no notebook depositado em frente sua mesa.
Salvatore estava apreensiva, tinha plena consciência das últimas atualizações envolvendo a agente e a família Muller, sabia que a prima não lidaria bem com o que viria a seguir...
- E respondendo sua pergunta... - continuou a Delegada, agora sua atenção estava em Emanuella- Foi solicitado pelo Ministro de segurança a presença das duas em uma investigação imediata e discreta!! - A doutora deu ênfase ao "ministro de segurança" .
- Pois... diga ao "ministro" que encontre outro investigador, porque eu não vou mover uma palha pra achar esse Homem!! - pontuou entre os dentes, na tentativa de manter-se calma.
Brasas da raiva que tentara apagar nos últimos anos, acenderam-se novamente incendiando seu peito...
- Você o fará Agente Castiel... - a grave voz soou, fazendo com que a ruiva e a doutora Aragão se votassem em direção á porta do escritório.
Mas a morena não precisou virar-se para saber de quem se tratava, apenas fechou os Azuis tempestuosos com força...
"Contradição" : Lat. Contradictio
Fim do capítulo
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