Eu já sei de cor onde está cada árvore, como se eu ficar olhando o vazio fosse encher a minha mente, volto a tirintar os dedos no teclado, respiro fundo enquanto ajeito os óculos, viro para chamar uma garçonete, mais um café pode ser o combustível que me falta.

Quando me viro de volta eu a vejo, aquela mesma mulher que me chamou a atenção em uma outra vez, pego um dos cadernos no qual teimo em tentar rabiscar alguma coisa e a vejo me observar, quase hipnotizada... viro meu corpo para olhar para ela, ela disfarça mexendo na câmera o que me faz rir e balançar a cabeça negativamente, afinal ela não é nem um pouco discreta.

É quando resolvo olhar para ela diretamente e sorrir suavemente, afinal a achei atraente e quem sabe não é? Estou precisando de um pouco de inspiração, mas uma inspiração casual.

Eu ia arriscar uma piscada de olho, mas desisti, ao invés disso a chamei, a curiosidade pela sua voz falou mais alto.

Eu vi seu rosto corado vindo até mim, confesso que achei aquilo muito fofo, mas será que com essa timidez toda ela vai conseguir ao menos balbuciar alguma palavra pra mim? 

Ela finalmente chegou e ainda está estática. Pelo amor de Deus! 

• Senta aí, moça.

Disse empurrando a cadeira com o pé, ela sentou e finalmente resolveu falar.

• Oi, tudo bem? Meu nome é Daniela e o seu? 

• Eu estava me perguntando se tu virias ou não falar comigo, já que tu não parou de olhar pra mim por essas lentes aí.

Dei um sorriso leve e pisquei um dos olhos, esse jogo de sedução me prende, é quase irresistível.

Logo voltei a falar.

• Mas está tudo bem sim e contigo? O que faz por aqui? Aliás... meu nome e Beatriz, mas pode me chamar de Bia.

*****

Caminhei até ela e aquela boca não deixou nem por um segundo de me chamar a atenção. Quando cheguei perto dela, fiquei estática, não sabia o que dizer e nem o porquê dela ter me chamado, ela me ofereceu a cadeira e eu sentei a sua frente. Finalmente resolvi falar, perguntei seu nome e ela conseguiu me deixar ainda mais sem graça antes de dizer. 

Aquele sorriso mexeu um pouco com o meu psicológico, devo confessar.

Quando eu ia conseguir manter um diálogo, o meu telefone tocou, fui salva pelo gongo.

• Prazer Bia, desculpe mas preciso atender, é a minha chefe.

Ela nada me respondeu e na verdade eu nem dei tempo pra ela fazer isso, eu levantei e fui atender o telefone o mais depressa possível, como se aquilo fosse meu bote salva vidas.

• Espero que esteja fazendo o seu trabalho Daniela.

• Estou sim, chefinha.

• Tudo bem, aguardo a matéria na minha mesa no final do dia.

Ela disse com um ar presunçoso e desligou na minha cara, me aproximei da mesa da Beatriz novamente e comecei a montar a minha desculpa para fugir dali.

• Me desculpa, mas tenho de ir. A gente se vê por aí.

Peguei as minhas coisas e sai, mal pude ouvir o seu até logo. Suspirei, como se tivesse fugido de um animal selvagem, eu queria correr dali e foi o que eu fiz. 

Agradeci de longe a gerente, fui até o estacionamento e subi na minha moto o mais depressa possível, voltaria para a minha mesa no jornal, queria terminar a matéria e esfregar na cara da Clarisse tudo aquilo.

*****

Quando terminei de falar e o telefone dela tocou eu pude ver uma expressão de alívio em seu rosto, eu senti que ela queria fugir de mim ou da situação, não sei.

Ela se afastou de mim para atender a ligação, foi uma ligação curta, confesso que tentei ouvir do que se tratava e consegui ouvir pouco, mas nada que revelasse algo a mais sobre a Daniela. 

Quando ela voltou para minha mesa achei que iríamos retomar a conversa de onde paramos, mas ela mal pode me ouvir dizer "até logo", parece que ela estava indo tirar alguém da forca, talvez o próprio pescoço dela, da forca da chefe, não sei, mas é uma hipótese.

Tive que rir sozinha desse pensamento, ela despertou minha curiosidade e devo que confessar que me deu um norte para começar a escrever, quem sabe, um romance policial.

• Isso! É isso!

Abri uma página em branco no word do laptop e comecei a escrever, estava feliz, finalmente decidi o que eu ia fazer e como faria a princípio e me dediquei a isso o resto do dia, estava empolgada com a nova ideia.

***

• Essa mulher ainda me faz explodir!

Disse ao Marcelo, mais uma vez reclamando da minha chefe enquanto eu caminhava até minha mesa.

• Te acalma! Não adianta brigar.

• Eu sei, Marcelo, mas ela ainda vai me enlouquecer com tanta cobrança.

• É que tu andou merecendo né Dani?

• Eu sei que sim.

Ele tinha razão, desde daquele dia tem sido difícil de todas as formas, quem mandou eu sofrer tanto por amor? Apesar de acreditar que eu já fiquei tempo demais de luto pelo nosso relacionamento, ainda é um pouco difícil levantar todas as manhãs desde do início ano.

10 meses

Eu estava pronta! Finalmente seria o nosso grande dia, o dia que colocaríamos no papel o que nos prometemos, ter o teu sobrenome, começar uma vida contigo, lado a lado.

É, eu sempre acreditei nessa coisa de casamento, amor eterno, filhos e envelhecer lado a lado, conversando sobre a nossa vida em uma varanda numa cadeira de balanço.

Bem específico né? Bem especial, eu achava que tinha encontrado a pessoa certa e que essa pessoa estava pronta pra assumir essa vida, mas eu estava errada.

Quando eu esqueci de algo em casa, não lembro exatamente o que, e a tua mãe insistindo pra pegar eu resolvi voltar e procurar a tal coisa, que eu acho que foi um pretexto da tua mãe pra me libertar da tua teia de mentiras.

Eu te vi, na nossa cama, com alguém que não era eu, beijando uma boca que não era minha e porr* aquilo me correu, foi como se tu tivesse colocado um veneno nas minhas veias até meu coração, eu explodi de raiva, mas não te falei nada.

Eu só fui embora... E sabe o que mais doeu? É que tu nem me procurou... não! Nem pra tu te explicar, pra pedir desculpas, nada! Tu me deixou ir...

Me perdi em meus pensamentos e voltei ao trabalho, aquela lembrança ainda me massacra, terminei o que eu tinha de fazer e corri pra casa. 

Aquela vontade de sumir tinha ficado forte novamente.

Fim do capítulo