Capítulo da Autora Brunah Gonçalves
Capitulo 19 -
O clima ficou bem tenso e Gisele não sabia se contava toda a verdade ali, naquele momento. Por um instante ficou reticente, olhando fixamente para sua mãe, que estava parada à porta, buscando entender o que acontecia.
— Oi, moça... Posso ajudar com algo? Me diz você, já que minhas filhas ficaram mudas. O que está havendo?
Amanda foi quem tomou a palavra:
— Essa é a Carmem, mãe. E esse é... é...
— O Guilherme — completou Gisele. — Bom, acho que é hora da verdade... Já que estão todos aqui. Venha, Carmem, Guilherme... Entrem!
Carmem estava tensa, mas entrou, pois viera determinada a revelar toda a história para a família do falecido pai de seu filho. Gisele segurou na mão do pequeno irmãozinho e entrou com ele em sua casa. Pediram licença para as visitas, que ficaram na sala de estar, enquanto elas e o pequeno dirigiram-se à cozinha.
— Meninas, eu não estou entendendo e estou ficando nervosa... Anda, me contem o que está havendo! — falou Cláudia, apreensiva.
— Acontece, mãe, que... — Pigarreou Gisele, sem saber como prosseguir com a verdade que poderia desestabilizar os sentimentos de sua mãe.
Amanda mantinha-se quieta, tentando ela mesma tomar coragem para dizer. Enquanto isso, Carmem, apesar de bastante tensa, com o coração batendo forte, não conseguia deixar de admirar e admitir a beleza da mulher mais velha, esposa de seu falecido amante.
“Agora entendo o motivo de ele nunca tê-la deixado... Ela é linda, elegante, delicada.” — divagava.
Cláudia também, apesar de bastante tensa, admirava a beleza da mãe do pequeno Guilherme, que aparentava ser alguns anos mais jovem que ela. Mas logo espantou o pensamento de admiração e voltou a se concentrar na situação e presenças inusitadas.
Por alguns segundos ficaram todas caladas, aguardando o próximo ato. Guilherme foi quem cortou o silêncio:
— Mamãe, quero água. E tô com fome, minha barriga vai roncar.
— Meu Deus, filho! Nem roncou ainda e já está anunciando? — Todas riram. O menino também, mostrando os charmosos dentinhos separados.
— É que... quando meu estômago vê uma comida gostosa, já quer comer. — As meninas e Cláudia caíram na gargalhada. Guilherme havia conseguido quebrar o clima tenso que pairava no ar desde que chegaram.
Cláudia já estava pegando um copo d’água e um pedaço do pudim que estava sobre a mesa para entregar para o menino.
— Senta aqui na mesa, Guilherme. Pode comer à vontade.
— Obrigada, moça... — disse o menino.
— Desculpem, gente... Esse menino uma hora vai me matar de vergonha. Quem vê pensa que não dou educação. Mas dou sim. É que... — dizia, porém, foi interrompia pela mais velha:
— Relaxa! Criança é assim mesmo. — Enquanto isso o garoto comia sem prestar atenção em mais nada — Agora quero saber quem são vocês e o que está acontecendo.
— Eu sou o Guilherme e essa é minha mãe Carmem. — apresentou-se, sem tirar os olhos do recipiente com o pudim já pela metade.
— Guilherme, menino! Oxe... Come quieto!
Gisele passou a mão na testa e olhou para a irmã, estática, encostada no mármore da pia. Carmen olhou bem no fundo dos olhos de Cláudia e sentiu uma fisgada no peito, pelo que iria revelar para ela e, pelo que a revelação poderia causar para todos.
— Mãe, é o seguinte... — prosseguiu Gisele. Pausou a fala, sentiu uma leve tontura e, travou novamente.
— Já que ninguém sabe como falar a verdade, vou ser bem direta, pois não vejo outro jeito: eu era amante de Arnaldo e tive um filho com ele. Guilherme é fruto do meu relacionamento com seu falecido marido. Sinto muito...
Enquanto Cláudia digeria a informação, com os olhos arregalados e marejados e com as duas mãos sobre a boca, as outras três a olhavam tensas, esperando pelo pior. Ninguém dizia nada, nenhuma palavra sequer, ouviam-se apenas o tilintar da colher de Guilherme no recipiente de vidro. O menino, percebendo o silêncio, virou-se com a maior espontaneidade e olhou para as quatro mulheres ao seu redor.
— Estão brincando de vaca amarela? — perguntou, na maior inocência de todas, sério.
— É, Gui... Estamos. — respondeu Gisele, esboçando um leve sorriso.
— Ixi... Então você perdeu — riu o garoto.
— Perdi — falou a irmã, mostrando as mãos em rendição, sorrindo ainda carinhosamente para ele.
Cláudia estava pálida e Amanda interveio, pegando um copo de vidro na pia e enchendo-o com água da torneira. Entregou-o para a mãe, que parecia que iria desmaiar ou explodir a qualquer momento.
— Pega, mãe. Bebe água, senão a senhora cai dura aí...
A mais velha pegou o copo no automático, trêmula, e tomou todo o conteúdo que havia nele, de uma só vez, sem parar para tomar fôlego, sem parar para nada. Estava visivelmente espantada, passada, surpresa... Decepcionada? Também. Pois apesar de algumas vezes durante o matrimônio já haver pensado e questionado a si mesma se Arnaldo a havia traído, ela nunca acreditou nessa possibilidade. Sempre espantava esse tipo de pensamento, pois achava que deveria confiar no esposo.
As filhas estavam preocupadas com a mudez da mãe.
— Mãe, fala algo! Estou nervosa aqui... — Amanda disse.
— Falar o quê? Nem sei o que dizer... Acho que nem tem muito o que dizer. Apenas... Aceitar. Aceitar que seu pai foi um canalha, cretino, imbecil, desgraçado, filho de uma...
— Mãe, tem criança aqui! — Gisele cortou, impedindo a mãe de pronunciar o que queria com seu tom de voz elevado.
— Sinto muito, Cláudia... Eu quis falar antes, mas ele me impedia. Depois de um tempo aceitei que a verdade viria à tona no momento exato. Infelizmente foi com a morte dele, assim, em clima de luto. Mas... Bom, nem sei muito o que dizer agora. Sinto... Muito. Mas meu filho existe e...
— Precisa lutar pelos direitos dele. — concluiu a esposa do falecido.
— Sim.
— Entendo. Faria o mesmo pelas minhas filhas.
A mãe de Amanda e Gisele já estava mais calma e entregou o copo vazio para a filha mais nova. Carmem havia se preparado para o pior, esperava que a outra gritasse e esperneasse; partisse para cima dela e lhe batesse, mas... Surpreendeu-se ao se deparar com a serenidade de Claudia, que, apesar de se alterar um pouco, logo tomou o controle dos próprios sentimentos e se acalmou, como só uma mulher madura consegue fazer. Admirou-a ainda mais por isso. Por esse autocontrole.
— Mãe, a senhora tá bem? — quis saber Gisele, preocupada, olhando atenta para a genitora.
— Bem... Não exatamente. Não sei bem o que estou sentindo agora. Mas, já cansei de me frustrar com as besteiras de seu pai. Não quero confusão mais em minha vida. Seu pai é meu passado, que as traições dele fiquem no passado, que... — Respirou fundo, para manter o controle e a serenidade — Que as falhas dele fiquem no passado!
— Mas eu e Guilherme estamos presentes, aqui... Vivos. Nós não morremos com ele, Cláudia. E, meu filho deve ter seus direitos. Desculpe, não quero parecer insensível, mas... Não dá para nos excluir assim, nos apagar, nos mandar para o túmulo com ele.
— Não é isso! Seu filho terá todos os direitos garantidos. Só quero dizer que não darei importância para problemas. Não quero me frustrar, não... — suspirou novamente, pois estava perdida nas palavras — Eu não quero problemas, entende? Ao invés de te odiar por ter sido amante do meu marido, ao invés de te expulsar daqui, prefiro te convidar para um jantar.
— Quê? — Carmem estava realmente maravilhada com a mulher à sua frente. Jamais esperaria uma atitude dessas de mulher traída nenhuma.
— Nossa, mãe... Que lindo, cara! Sério? — Gisele estava encantada com a atitude da mãe. Mas ainda tensa, esperando que a outra fosse explodir a qualquer instante.
— Mãe, você... Eu te amo! É só o que consigo dizer.
— Deixem de besteira! Aceita o jantar ou não aceita, Carmem?
— É... Sim... Quando?
— Amanhã. Às 20h. Espero você e seu filho.
— Ca-claro...
A matriarca sorriu singelamente para a outra e estendeu sua mão direita para um cumprimento. Carmem ficou um tanto reticente, mas estendeu a sua e apertou a mão estendida da viúva.
— Te espero amanhã, então. — Olhou para as filhas e sorriu — O pai de vocês deve estar se revirando no túmulo uma hora dessas. Pois... Bem feito!
— Mãe, certeza que tá de boa? — Gisele quis saber, só para garantir.
— Sim, querida. Aprendi recentemente que as coisas se adequam ao modo como você as enxerga, então... Prefiro encarar tudo como um presente. — Tocou os cabelos lisos do menino que ainda comia empolgado o seu pudim e continuou: — Seja bem-vindo à família, Guilherme. — Após dizer isso, retirou-se, foi fazer sala para as outras visitas.
Guilherme olhou para a mãe que estava parada perto dele, imóvel, olhando para o nada e digerindo tudo o que acabara de acontecer, e disse:
— Mamãe... Quero mais pudim.
♥
O jantar rolava e Cláudia estava feliz com o clima em sua casa. As filhas estavam satisfeitas com suas namoradas ao lado, o pequeno Guilherme era uma criança alegre e engraçada, que iluminava o local, e Carmem mostrava-se ser uma mulher absolutamente encantadora.
Enquanto as visitas conversavam amenidades na sala, com vinhos, refrigerantes e vários petiscos, a viúva saiu de fininho e foi até a varanda, sozinha, e ficou contemplando o céu estrelado. Pensava sobre a vida; presente passado e futuro rondavam sua mente. Mas ela sorria, pois algo dentro nela havia mudado. E mudado para melhor. Algo florescia.
— Mãe, tá tudo bem? Saiu sem dizer nada, fiquei preocupada. — Amanda disse, abraçando a mãe de lado. Estavam apenas as duas na varanda. Cláudia manteve os braços cruzados, mas sorriu para a filha. Suspirou profundamente antes de responder:
— Está tudo bem, meu amor. Só vim tomar um ar fresco e pensar um pouco. Tá um clima gostoso aqui fora.
—Tá mesmo. Mas... É só isso mesmo, dona Cláudia? A senhora não me engana.
— Estava aqui pensando, Amanda: estou começando a entender o que você sente pela Bruna. E o que a Gi sente pela Camila. É bonito. É um amor puro e intenso. — falava, sem tirar os olhos das estrelas, divagando.
— Nossa, mãe... Fico tão feliz que esteja começando a entender que o amor não escolhe gênero. Que o amor vai além de corpos.
— O amor vem de alma pra alma, né, filha?
— Sim, mãe. É exatamente isso. — concordou e beijou o ombro da mãe, que mantinha a mesma postura ereta.
Ficaram em silêncio por alguns instantes. Mas Cláudia continuou. Estava determinada a compartilhar com a filha o que sentia.
— Sabe, Amanda... É meio doido o que vou dizer. É muito doido, aliás, por causa o tempo e das circunstâncias, mas... — Ficou reticente. Levou a mão direita à boca e, sem tirar os olhos do céu, falou, sentindo um arrepio intenso percorrer todo o seu corpo: — Eu acho que estou começando a me apaixonar pela Carmem.
Fim do capítulo
Capítulo da Autora Brunah Gonçalves
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Mille
Em: 12/12/2019
Kkkkkk
Agora o Arnaldo se mexendo no túmulo a esposa se apaixonou pela amante.
Gostei desse rumo o bom que agora a Cláudia pode ser feliz e com certeza a Carmem vai apoiar ela em seus sonhos que tiveram que abdicar por causa do Arnaldo.
Bjus e até o próximo capítulo
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