Capitulo 1
Acho que um dos sentimentos mais profundos que existe se expressa na frase “fiquei sem palavras” ou na cara pálida e emudecida diante dos 7x1 da vida, que sequer consegue enunciar sua própria mudez. Ficar sem palavras é não ter como reagir, não conseguir pensar, não conseguir existir. Você, ali, um amontoado de carne, ossos e sangue, inóspito como a página em branco.
Se nos tomam as palavras, o que resta? Vazio, nada, reticências... Pontuação?!?!?! Como se definir sem as palavras? Como querer? Como se arrepender e como – COMO? – entender aquele manual de montagem da sapateira, ricamente ilustrado, mas sem um texto de passo-a-passo? Praticamente um cenário apocalíptico para amantes-da-leitura-tagarelas-reclamões. Como, deus-do-céu, esbravejar sem as palavras, quando parte da sapateira despencar na sua cabeça porque algum troglodita achou inteligível o manual sem palavras?
Palavrões à parte, existe, obviamente o jeito bom de ficar sem palavras. Aquele que é anunciado pelas palavrinhas. Aquele decorrente de um sentimento peremptoriamente inefável: quando algo nos enternece ou nos transborda e, nós, seres iletrados no amor, não temos repertório para traduzir complexamente em signos e sinais, emitir sons devidamente estruturados em uma frase coerente, sem parecer o Tarzan batendo no peito suas primeiras palavras.
Aconteceu comigo. Eu, que sempre sei o que dizer. Eu, advogada do diabo. Eu, cronista. Aconteceu de assalto. Sem palavrinhas de prenúncio.
Numa noite comum de maio, meio de semana. A Nádia – moça do sorriso perfeito e da tattoo do Simba - achou uma brecha na agenda agitada para conhecer o UP bar com a moça bonita que conhecera há uns dias na balada – eu.
O cenário kitsh do UP, as caipirinhas de Yakult e as duas ali, embaladas por uma música suave. As bebidas esquentavam porque as falas, sincronizadas e entusiasmadas, discutiam de evolução à literatura. Da culpa cristã à inexistência de deuses. Da infância nos anos 90 à viagem no tempo. Aquela conversa que dá orgulho no roteirista cult e pretensioso dessas vidas. - Ah, o roteirista! Eu não estava preparada para os planos do roteirista!
Os dedos se tocam em flerte e – BANG!
– Perdi o fio da meada... – ela declara, com os lábios aveludados e reticentes que se calam em um beijo inexplicável.
É belo e único o silêncio que antecede o primeiro beijo. Perdemos as palavras, mas ganhamos sentido. Mão única. Juntas, na epopeia de montar sapateiras sem instruções e entender um mundo que fala muito, mas não diz nada. Juntas, nefelibatas e dicionarizantes. Juntas.
“Uma palavra incompreensível
Seria a ponte para o dia
Seria noite a vida inteira
Não fosse a tua caligrafia”
(Gessinger – A ponte para o dia)
Camila Mossi - 27/08/2018¹
Fim do capítulo
1. Crônica desenvolvida no Encontro de Escrita Feminina do Colevito Versa.
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Foto: Ainho Alves Fotografia.
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rhina
Em: 07/11/2019
Oi
Bom dia.
Sabe ainda existe alguns "sem palavras"
Quele que vc esta conversando.....ouve e ouve o outro lado e este espera seu posicionamento mas vc pensa consigo mesmo.....se eu for falar o que realmente acho posso parecer indelicada ,ferindo -a sob o ponto de vista dela .....entao vc sai pela tangente dizendo:" estou sem palavras'".....estupido neh?
Ainda aquele que .....vc que encerrar logo um assunto aí laça ele
Aquele que algo n quwr dizer nada e vc está entediada.....la esta elr......
Kkkkkkkkkkkkkk
Rhina
Resposta do autor:
Oi, Rhina!
É verdade, hahaha!
Existem vários jeitos de perder as palavras, tipo ver o noticiário.
Eu uso mais o "unbelieveble" para quando eu não quero cometer sincericídio falando o que o outro não quer ouvir.
E quando estou entediada, eu falo o bordão do meu pai: "é, não é fácil". hahahaha
Obrigada por comentar! :)
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