Capítulo 1

 

Agosto de 2008,

 

- Vem Ana, para de ser mole - disse Isabela me puxando

 

- Eu não vou pra lugar nenhum Isa, se o seu pai descobrir que a gente tomou o vinho dele a gente tá ferrada - respondi

 

- Só porque a gente tem 13 anos não significa que a gente não pode experimentar um negocinho diferente - deu risada - vamos caramba!

 

- Significa sim Isabela, falta 5 anos ainda pra você dar o seu primeiro porre- retruquei

 

 - Poxa Ana, hoje é seu aniversário, vamos nos divertir

 

Bom, passei alguns segundos pensativa, é claro que eu ia ceder. Essa garota convence qualquer pessoa a qualquer coisa que vocês podem imaginar.

 

- Tá bem, tá bem - respirei fundo - Mas já vou logo avisando, é só um pouquinho.

 

A safada bateu palmas e fez aquela cara demoniaca que só quem tem aquela amiga bad influencer sabe.

 

O dia ao lado da Isa era sempre maravilhoso. Nos conhecemos no nosso magnífico colégio cristão que nossos pais nos colocaram para que pudéssemos receber a melhor educação (já que eles nunca estavam em casa) e desde que Isabela me viu acuada no quanto no primeiro dia de aula ela nunca mais me deixou em paz.

 

Nossos pais não são amigos, mas se respeitam muito. Sempre dormimos uma na casa da outra sem problemas.

 

As condições financeiras da minha família digamos que é relativamente boa, tenho de tudo sempre. Já a Isa é bolsista, ela é bem bandida na escola mas é sempre uma das melhores alunas. Os pais dela são de classe média baixa e trabalham muito pra dar o melhor pra ela. A tia Lúcia, mãe da Isa vive tendo problemas com o pai da Isa, que suspeitamos que seja alcoolatra. Mas a gente não entende muito disso. Como nós falamos anteriormente, nossos pais mal ficam em casa.

 

- Ana! ei Ana - Isa me chamou

 

- Oi? Que? - respondi

 

- Tá pensando no que doida? - disse ela tomando a terceira taça de vinho

 

- Nada não... -  pensei -  Na verdade eu tava lembrando do dia que a gente se conheceu, foi divertido.

 

Ela deu risada, o rosto estava bem corado, acho que o alcool estava fazendo efeito.

 

- Foi mesmo, você parecia um filhotinho abandonado. - disse

 

- Mas eu era mesmo, um filhote de cruz credo abandonado em um colégio de freiras - respondi rindo.

 

Ela continuou rindo e disse;

 

- Ana, posso te perguntar uma coisa? - ela ficou um pouco séria

 

- Pergunta uai.

 

- Você já teve curiosidade de beijar mulher? - perguntou curiosa

 

Eu arregalei os olhos, aquilo me assustou.

 

- Eu? Eu não! Enlouqueceu? - perguntei incrédula

 

- Ai Ana, fala sério! Não tem nada demais. - respondeu se deitando na cama - Estou perguntando porque você nunca ficou com nenhum garoto da escola.

 

- Acho que com 13 anos eu não vejo muita necessidade de ficar beijando garoto remelento. - retruquei

 

- Ah para! - falou com desdém - Os "garotos remelentos" da nossa turma são lindos.

 

- Então me fala você, qual a sensação de beijar todos eles? - perguntei e bebi um pouco do vinho da minha taça.

 

Ela deu um sorrisinho sem vergonha e respondeu

 

- 70% não sabe nem o que fazer com a língua, mas o Fábio tem um beijo incrível.

 

- Credo! Daqui a pouco vocês assumem o relacionamento sério de vocês.

 

A Isa levantou da cama, e foi em direção ao violão dela. Abriu o zíper tirando o mesmo da capa e voltou pra cama.

 

- Eu estou mais preocupada com a minha carreira musical - tocou a primeira nota - Baby can't you see? I'm calling - começou a cantar Toxic da Britney Spears de uma forma melódica.

 

- A guy like ou should wear a warming  - respondi cantando

 

- It's dangerous, I'm falling there's no escape, I can't wait I need a hit, baby, give me it - continuou cantando

 

Esse era o sonho dela, cantar e ser famosa. E eu digo pra vocês a voz dela é a voz mais linda que eu já ouvi na minha vida.

 

- " Intoxicate me now, with your loving now, I think I'm ready now..." - ela terminou de cantar e disse -

 

- Fecha os olhos, Ana.

 

Fechei.

 

E eu senti os lábios dela na minha boca, um selinho demorado, macio, delicioso, que eu não esperava.

 

Abrir os olhos devagar.

 

- Agora você é apenas 50% boca virgem - deu risada e levantou indo em direção ao banheiro.

 

E eu tive mais certeza ainda de que aquela garota era perturbada.

 

2013

 

Alguns anos se passaram e alguns problemas pareciam ter crescido.

 

Os meus continuam da mesma forma, com meus pais sempre trabalhando e viajando e eu não via a hora de passar em um vestibular e sumir no mundo.

 

A Isa parecia ter mais problemas em casa com os pai. A mãe dela trabalhava dia e noite e dizia pra ela que música não ia colocar comida dentro de casa. O pai dela tinha saído de casa faz tempo, depois que deu uma surra nela bêbado depois que tinha visto ela pegando o Fábio no quarto dela.

 

Sim, ela iludiu o coitado do Fábio todos esses anos. Nunca quis nada sério mas também era como ela dizia "não quero nada sério mas também não vou passar fome".

 

Eu continuei me empenhando nos cálculos e desenhos para que eu conseguisse passar numa instituição pública no curso de Arquitetura e Urbanismo.

 

Isa dizia que não queria fazer faculdade, que trabalharia como garçonete no Rio até que conseguisse conquistar os ouvidos e os olhos de algum produtor musical.

 

Depois daquele episódio do selinho, nós nunca mais trocamos nenhum tipo de carícia com qualquer tipo de segunda intenção. Foi estranho, porque o que pareceu uma brincadeira meio que virou um tabu.

 

Por pressão da Isabela eu acabei beijando alguém durante o ensino médio e realmente beijar era bom. Mas pra mim continuava sem fazer muita diferença.

 

O final de 2013 chegou e passamos o ano novo juntas na casa de praia dos meus pais.Todos juntos e felizes aguardando um 2014 que seria transformador pra nossas vidas. Literalmente!

 

Fevereiro de 2014,

 

- Eu não acredito que você vai embora Ana Banana - falou Isa chorando

 

- Eu sei Isa, é muito doloroso pra mim isso tudo. Principalmente deixar você aqui. Mas essa bolsa e essa oportunidade eu não posso deixar pra trás. - eu disse com pesar

 

- Eu sei meu bem - se aproximou e me deu um beijo no rosto - eu estou muito orgulhosa de você e de onde você chegou.

 

- Vão ser só alguns anos, logo logo eu volto pra cá e a gente vai ficar juntas novamente - eu a abracei - Isa, promete pra mim que não vai desistir do seu sonho?

 

Ela disse no meu ouvido

 

- E você já me viu desistir de alguma coisa?

 

Eu fui para a França aquele dia com o coração apertadíssimo. É foda você deixar sua melhor amiga pra trás com tantos problemas para enfrentar sozinha. Mas, infelizmente, todas aquelas batalhas deveriam ser enfrentadas por ela sozinha. E eu sei, que ela conseguiria.

 

No início dos meses nós nos comunicávamos com certa frequência. Mas a medida que o curso ia avançando eu não conseguia manter um contato frequente com ela. Infelizmente fui me afastando aos poucos porque a minha rotina diária era pesada e eu descobri que eu não sabia lidar com a saudade muito bem.

 

Fui egoísta, foquei na minha faculdade e a Isa aos poucos foi parando de falar comigo. As coisas se esfriaram tanto que chagávamos a conversar uma vez ao mês em média. Eu não sabia como ela estava, muito menos o que estava fazendo.

 

Passaram-se 5 árduos anos naquela faculdade, e nesses 5 anos eu descobri tanta coisa... Vocês já até imaginam o que, rs.

 

Eu me relacionei com a Louise durante a faculdade, um relacionamento aberto sem promessas e cobranças, Mas que dava para tirar um pouco do estresse da faculdade.

 

Em todos esses anos que se passaram eu estive apenas uma vez no Brasil, e eu não consegui ver a Isa. Ela estava em um show de talentos no Rio, e como morávamos no interior de São Paulo e eu havia ficado apenas 5 dias, nós não conseguimos nos ver.

 

Agora eu estou voltando, em pleno 2019 na maior cara de pau para tentar reconquistar a amizade da minha amiga. Com a esperança de que ela esteja bem e que tenha sobrevivido a tantos problemas.

 

Mas a primeira coisa que eu dei de cara quando desembarquei em São Paulo foi com um banner imenso, com a cara da Isa, no aeroporto em uma propaganda da Renault.

 

Pelo visto, ela conseguiu.

 

 

Fim do capítulo