Um sorriso inesperado – Luaone
A pequena Carolina sabia que era diferente. Sempre fora uma menina linda: loirinha, olhos azuis e muito carismática. Gostava de ajudar a todos. Só não se adequava a sua própria idade. Desde muito novinha a sua mãe, Marta, sabia que ela era uma “alma velha”.
Com o passar dos anos a loirinha passou a ser o grande orgulho dos pais. Não. Da família, dos amigos, dos vizinhos. A garota cativava a todos ao seu redor sem fazer qualquer esforço, nem mesmo premeditação. Ela era realmente uma pessoa boa, gentil e muitíssimo inteligente.
A história seguia seu rumo e tudo era perfeito na vida da já adolescente Carol. O que ninguém percebia, ou queria enxergar é que enquanto todos os adolescentes da faixa etária de Carol, 17 anos, tinham suas aventuras amorosas, a garota mantinha-se reclusa em seu próprio mundinho.
Enquanto os amigos e todos os adolescentes que conhecia, venderiam o fígado pra curtir a vida noturna, a Loirinha impunha-se um claustro que justificava-se pelo objetivo: passar no ENEM, sonhava em ser médica. Ela possuía um foco único e não se desviaria dele por nada.
“Como eu poderia decepcionar a todos?”, era o constante pensamento que a jovem loirinha tinha ao deitar-se a noite. Sabia que estava “estragada”. Nascera com um defeito impossível de corrigir: não sentia a mínima atração por garotos. Mas isso nem era o mais grave: estava perdidamente apaixonada por sua vizinha.
Sofia era uma jovem sem igual. Aliás, somente uma pessoa poderia ser comparada a ela: Carolina. Possuíam as mesmas característica. A bela ruiva, com olhos verdes e cheia de sardas pelo busto, costas e rosto, tornou-se a mais nova estudante a ingressar na faculdade de medicina daquela cidade. Com quase 16 anos entrara na faculdade e aos 21 estava em vias de se formar.
Vira a pequena loirinha crescer e tornar-se uma linda jovem. A observava sempre de longe. Mantinha-se a distância. Teve medo quando aos 14 anos, enquanto a criançada da rua brincava, sentiu o coração disparar a primeira vez. Aquela garotinha loirinha e que tentava ajudar um garoto no chão, muito maior que ela, era de uma empatia tão gigantesca que o seu coração foi preenchido de ternura. Por amor.
Sem perceber, seguiu até os dois agachados e ajudou a garotinha a erguer o menino caído. Queixava-se de fortes dores no tornozelo. Juntas, levaram o pequeno para a sua casa e ajudaram a mãe a cuidar do pequeno.
Não sabiam, mas o desejo pela medicina nascia nas duas naquele momento. Mas algo ainda maior também havia sido despertado. Ao carregar aos tropeços o garoto machucado a troca de olhar e um sorriso inesperado surgiu em seus lábios.
Os anos foram passando e Sofia pouco encontrava-se com Carol. Cruzavam-se pela rua algumas vezes. E os olhares eram sempre furtivos. Coincidentemente, nenhuma percebia o olhar da outra sobre si.
O ano escolar acabara e a prova do ENEM passara. Não houvera surpresa com a aprovação de Carolina em 2º lugar no Estado. A festa em sua casa cheia de vizinhos, amigos e familiares durou a noite toda. Mas a garota não se divertira. Sentira a falta da sua vizinha, do seu amor platônico.
Sofia passara o dia em um exaustivo plantão. Chegara a 30h quando o dia amanhecia. E ao chegar em sua rua, diminuiu a velocidade do carro para observar a casa da loirinha. Sentira tanto orgulho, tamanha felicidade quando soube da aprovação de Carol, que chegou a pensar que estivera mais feliz ali do que quando ela entrara na faculdade tão sonhada.
A nova estudante de medicina estava acordada. Passara a noite esperando por sua vizinha, mas ela se quer havia dormido em sua casa. Viu quando o carro da ruiva passou para a casa dela, perto das 6h. Sentiu-se completamente idiota por pensar tanto em uma pessoa que nem devia lembrar que ela existia. E pior: ela era uma mulher.
Carolina iniciou o seu primeiro ano na faculdade no mesmo dia em que Sofia iniciava a Residência em ortopedia. Cruzaram-se algumas vezes pelos corredores da faculdade e hospital universitário. Mas um leve sorriso era o máximo que trocavam. Nem uma palavra trocaram.
A vida tem um jeito estranho de fazer as pessoas se encontrarem e perderem-se. No segundo ano de faculdade da loirinha, já não via sua vizinha em lugar algum. Descobrira por sua mãe que a ruiva aceitara uma proposta de emprego em uma cidade vizinha e dividia-se entre a residência e os plantões no posto médico municipal.
Decidida a esquecer a mais velha, começara a relacionar-se com alguns rapazes. Nada sério. Nunca passavam de alguns beijos. Decididamente homens não a atraiam.
Sofia focava-se em trabalhar. Sentia que precisava estabelecer-se o mais rapidamente que pudesse. Como se uma força invisível a impelisse a criar a sua própria história e ter a sua independência financeira era vital.
Conhecera alguns rapazes. Namorou alguns, mas nunca sentiu-se compelida a dar o passo seguinte: fazer sex*. Sofia acreditava que não deveria desviar-se de seu caminho. Mas qual era esse destino? Nunca chegou a compreender o vazio insano que carregava em si.
Após a residência, a ruiva iniciou uma pós-graduação em cirurgia ortopédica. Queria ser a melhor em sua área. A todo instante a sua inquietação lhe impulsionava a buscar mais e batalhar para ser uma excelente profissional.
Após dispensar mais um pretendente, Carolina decidiu que deveria parar de lutar contra si: procurou um terapeuta e iniciou um lento processo de desconstrução. Reuniu toda a coragem que tinha e revelou-se lésbica para seus pais.
A garota esperava vários tipos diferentes de reações: desde ser expulsa de casa, até mesmo encarar o desprezo de seus familiares. Mas foi num reconfortante abraço, com o pai, a mãe e a própria debulhando-se em lágrimas de aceitação que a loirinha aprendeu mais uma lição: compreendeu que o diálogo sincero, franco e verdadeiro é capaz de mudar vidas.
Sua mãe contou-lhe a quantidade de vezes em que enxergou a paixão brilhando em seus olhos pela vizinha mais velha. Mas que temia tanto que a sua própria não aceitação a impedisse de ser feliz e/ou lutar pela sua felicidade.
Aquele fora o dia mais incrível até então na vida de Carolina. Mal ela sabia que o dia seguinte seria inesquecível.
Cansada. Sofia estava cansada de lutar contra o vazio que lhe consumia a paz. Desconhecia o que tanto lhe afligia. O que tirava sua paz, o seu sossego. Estava feliz. Ainda estava especializando-se em cirurgia, mas já estava efetivada no corpo clínico do hospital de traumatologia referência na cidade. Morava sozinha a quase 6 meses em um apartamento em que investiu logo que iniciou a receber seus primeiros salários enquanto ainda morava com os seus pais.
Era início de julho. Início das férias. Sofia estava cansada e pela primeira vez decidira não fazer trabalhos voluntários, mas sim tirar uns dias para descansar. Não planejara nada. Se quer pensara em viajar. Sentia falta dos pais e do irmão. E foi para sua antiga casa que munida de uma pequena mala que ela seguiu.
Carolina estava radiante. Dali a alguns dias seria sua formatura. Estava aprovada para a residência em neurologia. Sentia-se feliz. Em muito tempo não sentia-se tão feliz.
Era um domingo lindo. O sol estava a pino. O céu tão azul quanto se é possível ser. Os pais de Carolina prepararam um grande churrasco. Queriam comemorar a formatura da única filha.
Os convidados chegaram aos montes. Familiares de todos os lugares do país. Amigos da família e da faculdade de Carol. Vizinhos. Os vizinhos estavam em peso ali, ajudando em tudo, talvez até mais próximos do que alguns familiares.
Os pais de Sofia e Carolina eram muito próximos. Talvez nem as duas garotas soubessem o quanto. Quando a ruiva chegou a casa da mais nova, sentira uma emoção diferente. Parou na entrada e o irmão chocou-se contra o corpo dela. Instintivamente a mais velha olhou para sua blusa que estava completamente ensopada de calda de pudim com alguns pedaços grudados, tantos que seu braço parecia fazer parte da sobremesa.
Todos que presenciaram a cena sorriram. Pediu ajuda para encontrar um banheiro. A mãe da loira a levou ao banheiro, mas ao percebê-lo ocupado, decidiu levá-la ao quarto da filha já que aproveitaria e lhe emprestaria uma roupa limpa, aproveitando-se do fato de que as duas tinham praticamente o mesmo biótipo.
Deixou a ruiva na suíte e retirou-se. Ela caminhava pelo quarto, perdida em pensamentos. Observava as fotos espalhadas por ali e admirava o quanto aquela pequena loirinha que conhecera a tantos anos atrás estava diferente. Virara uma linda mulher. A mais linda que já vira.
Após vários minutos de observação pelo quarto, encaminhava-se para o banheiro quando ouviu a porta abrindo. Paralisou-se ao reconhecer quem adentrava no cômodo.
Carolina estava cansada de receber os parabéns de todos. Não que fosse mal agradecida, mas não gostava de ser o centro das atenções. Gostava de ajudar as pessoas, mas nunca pediu holofotes por reconhecimento. Pelo contrário, fugia deles sempre que podia.
Assim que conseguiu livrar-se de uma tia que se quer lembrava que já conhecia, correu para seu quarto a fim de respirar. Precisava ficar só. Entrou no quarto e fechou a porta atrás de si. Estranhou a luz acesa e tomou um susto gigantesco ao reconhecer quem estava ali dentro. Diante de seus olhos, dentro do seu refúgio: ela!
A ruiva esboçou um sorriso. Carol inesperadamente gargalhou. Sofia franziu o cenho. Não compreendia a reação da loirinha. A mais nova percebeu o braço da ruiva cheio de pudim. Passou o dedo e observou a reação da outra mulher.
A mais velha sentira uma descarga elétrica percorrer todo o seu corpo ao sentir o singelo roçar de dedo em sua pele. Carolina que a observava atentamente, percebeu os poros da outra mulher demonstrarem o que seu toque causara, como em sincronia, mantendo-se todos eriçados.
Sofia acompanhava estática os movimentos da loira a sua frente. Lentamente, Carol aproximou o dedo com pudim de seus olhos e, após um momento de suspense, o levou até a sua boca. Lambeu delicadamente e após segundos que mais pareciam minutos, horas para a ruiva, o inseriu por inteiro em sua própria boca.
Ainda a encarando, deslizou seu dedo, o ch*pando vagarosamente, até que ele saísse completamente limpo.
— Hummm... Tava muito bom! — E sorriu mais abertamente.
Pela primeira vez, elas olharam-se profundamente. Olhos tão próximos que os verdes da ruiva penetraram nos azuis da loira. Ou teria sido o contrário? Elas nunca saberão.
Nenhuma palavra fora dita. A loira foi quem dera o primeiro passo. Sentira uma coragem avassaladora lhe percorrer o corpo como uma corrente elétrica lhe impelindo a cometer talvez a maior loucura de sua vida. Disso a mais velha fazia questão de ressaltar: fora a loirinha quem era o primeiro passo.
Carolina retirou uma mecha de cabelo do rosto de Sofia. Que lhe deu um sorriso indefectível. Seria um ato permissivo? Naquele momento a loirinha não conseguiria conter-se. Estava tremendo. Gelada. Elétrica. Extasiada. O maior dos seus sonhos estava ali, diante de si e sorria lindamente. Decidiu que lidaria com a reação da ruiva, seja ela qual fosse. Adiantou-se e... parou.
Estavam a centímetros uma da outra. Sofia sabia o que Carol pretendia. Não era inocente para não reconhecer os sinais. Seu corpo estava completamente anestesiado. Não pensara em nada. Se a loirinha estava ali, se ela havia dado aquele passo, caberia a ela dar o segundo. E ela deu.
Voltou a sorrir e olhou para a boca da menor. Tocou-lhe gentilmente o rosto. A loirinha fechou os olhos. A ruiva não resistiu e falou-lhe.
— Passei a minha vida inteira sonhando com isso. — Confessou antes de tocar seus lábios nos de Carolina.
Dizem que almas gêmeas se reconhecem de imediato. Seria verdade?
Fim do capítulo
O Grupo Conexão Literária Agradece a Participação da Autora e informa que a mesma autorizou o compartilhamento do seu texto.
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Manuella Gomes
Em: 11/07/2020
Adorei a evolução, delas e do texto.
Texto limpo e bom de ler.
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