Capítulo 4
Capítulo 03
Pov Milena
O sol ia parindo mais um dia. Um vestido florido ia cobrindo o dia de cores maviosas todo o universo... E nuvens no céu bailavam como se fossem dançarinas manhosas conduzidas pelos seus pares tão habilidosos. Uma brisa suave adentrava pela janela do meu quarto e eu corri suavemente a mão pelo meu corpo nu, sentindo forte tremor ao recordar-me que o pedido de Mirela não tinha sido um sonho, ou um pesadelo. Eu tinha concordado com aquela ideia insana e no dia seguinte adentraria a casa da minha irmã gêmea e viveria ali cinco dias me passando por ela. Eu devia está fora do meu juízo normal, eu sabia que tudo isso era um disparate e mais, um crime. Se Fernanda descobrisse a farsa, eu poderia incorrer num risco absurdo, colocando toda minha vida em perigo, mas mesmo assim eu ansiava por viver esses dias.
A brisa intensificou e gotinhas de neblina adentravam levemente pela janela do meu quarto, eu me levantei lentamente, meu corpo parecia lancinado, fechei a janela de vidro. O frio era intenso naquele mês de julho e eu desejei o corpo de alguém ali ao meu lado... Alguém?! Voltei para a cama e deixei meu corpo cair sobre ela, cansado e trêmulo. O devaneio de viver dias ao lado de Fernanda Valadão me fazia perder a sanidade mental e dentro de mim, eu sabia que não havia cedido ao pedido de Mirela, porque ela tinha domínio sobre mim, como sempre quis achar. Não. Eu tinha concordado com isso, porque no fundo eu nunca havia esquecido aquele dia... Não quero me recordar. E travei a minha mente que me obedeceu fielmente. Imaginar viver com Fernanda me causava um frenesi estranho, ainda que fosse por cinco dias. Uma sensação desconhecida, mas carregada de prazer me fazia estremecer.
“ O que você pretende com isso senhorita Milena Freitas do Amaral?!” - eu me indagava, “ligue agora para Mirela e diga não, agora.”
Era o que eu queria fazer, mas já tinha passado por toda a choradeira de Mirela por quase quinze dias seguidos e eu havia cedido. Mas agora uma briga ferrenha se iniciava dentro de mim. Meu coração apaixonado desejava essa experiência, afirmando que eu não estava usurpando nada dela. Meu corpo? Ah esse se sacudia feito folha ao vento só de imaginar Fernanda o tocando. Ou seria mesmo verdade que ela e Mirela já não mantinham mais intimidade com freqüência? E minha mente me chamava de volta à razão, acusando-me de usurpadora, traidora...
Fiquei por alguns minutos ouvindo aquelas vozes que gritavam no meu íntimo como se tivessem vida diante de mim. Fechei os olhos com força e depois os abri novamente. E ainda imersa naquela batalha travada entre aqueles seres que pareciam ainda brigarem, eu segui para o banheiro. A água morna desceu sobre meu corpo e seu senti quase que um orgasmo, meu Deus, como poderia saber se era orgasmo?! Eu nunca o tinha sentido com outro alguém, a não ser, claro comigo, nas minhas noites de solidão, onde a imagem dela surgia na minha mente febril de desejo e eu me tocava, imaginando a companhia dela. Sim. De Fernanda Valadão a única mulher que amei desde dia em que meus olhos pousaram sobre ela. Desde dia maldita que ela havia me beijado, confundindo-me com Mirela.
Eu contava vinte e cinco anos, nunca tinha feito sex* com ninguém, a não ser com ela, em meus devaneios de amor platônico, sobrevivente de um único beijo. Maldição! Ela nunca mais tinha saído da minha cama e das minhas noites... e meu corpo entrava em espasmo quando eu o tocava, desejando que fosse ela a fazer isso. Era como se eu estivesse destinada a sofrer por algo que nunca eu teria e ainda que Fernanda fizesse amor comigo nesses dias que eu mudaria de personalidade, não seria comigo e sim com a minha irmã, porque era de Mirela o amor de Fernanda e esse fato eu não mudaria.
Eu sou Milena Freitas do Amaral, vinda do nordeste, do interior do Piauí quando ainda estava no útero de minha mãe. Maria do Rosário era o nome dela, uma mulher de fibra, como quase todas as nordestinas. Minha mãe se apaixonou por um carioca que passava férias na fazenda vizinha ao pequeno sítio que meu avô labutava para arrancar o sustento para a sua família. Sabendo da sua gravidez, minha mãe sentiu o medo invadir seu ser pela primeira vez em sua vida. A fala do povo do lugarejo era que carioca era bicho ruim e que só gostava de pagode e feijoada, mas não era amante de trabalho. E muito menos de responsabilidade. Minha mãe foi assediada pelo neto de um senhor fazendeiro, que lhe ofertou o nome da família, caso ela se casasse com ele. E a resposta foi NÃO.
Minha mãe era ainda mais corajosa do que o povo pensava. Ser mãe solteira era algo vergonhoso e meu avô fez de tudo para que ela aceitasse o pedido do moço rico, que jurava amor a morena de olhos verdes e grandes que encantava muitos jovens, mas a senhorita Maria do Rosário não aceitou.
Meu pai, Joaquim do Amaral, quando recebeu por carta a notícia da gravidez da jovem Maria do Rosário, seguiu de volta para a cidade do nordeste e a tomou pela mão. Meu avô seguiu os dois calados. Meu pai adentrou a primeira capela que tinha na cidade de Água Branca e se casou com ela, sob o olhar emocionado do meu avô, história que meu pai me contou tantas vezes. Depois da benção do vigário ele levou a minha mãe que carregava Mirela e eu em seu útero, para a capital carioca. Nossa vida não fácil, meu pai era ajudante de pedreiro, um menino com apenas dezessete anos e minha mãe, tinha quatorze anos. Uma história de muita luta. Limpei uma lágrima que começou a se formar, era sempre assim, toda vez que recordava a história do senhor Joaquim e dona Maria do Rosário Freitas do Amaral, eu chorava. Uma saudade invadiu meu ser e eu pedi que meu pai velasse por mim, pedi que ele intuísse meu coração que ainda estava tão angustiado.
- Mirela pare com isso, - era como se a voz do meu pai soasse aos meus ouvidos, - deixe a sua irmã em paz, entregue a ela o brinquedo...
Eu e Mirela tínhamos oito anos e tudo o que escolhia para brincar ela me tomava, ou, muitas vezes eu mesma lhe ofertava para não sentir a frustração de não conseguir reagir.
- Lena venha cá, - dizia meu pai quando Mirela saia emburrada por ter sido repreendida por ele, - não ceda a tudo que sua irmã deseja. Aprenda a lutar pelo que você quer... aprenda a lutar pelo que você deseja...
Desliguei o chuveiro e a voz do meu pai parecia ainda muito nítida em meus tímpanos. Mas, eu não estava lutando por Fernanda, o que eu estava fazendo era usurpando o que não era meu, roubando a sua companhia, o espaço que era de Mirela e tudo isso me fazia sentir muito mal. Sequei meus cabelos um pouco com a toalha, lembrando-me que no dia seguinte teria que ir ao salão, escová-los e isso me irritou. Eu sempre gostei dos cachos que meus cabelos castanhos faziam, diferente de Mirela que sempre os tinha lisos. Olhei-me demoradamente no espelho, meus olhos verdes claros, meus lábios carnudos... meus cílios grandes... e desci o olhar para meus seios, fartos e firmes, que eu timidamente os escondia, agora teria que exibi-los nos decotes que Mirela usava, isso me apavorava ainda mais. Senti naquele instante que eu não conseguiria mudar a minha identidade, que eu nunca conseguiria me passar por Mirela, sempre tão arrogante e altiva. Nossos corpos eram iguais e nossos rostos fáceis de ser confundidos, mas nossas almas eram completamente diferentes e quem convivesse com ela alguns anos, como Fernanda convivia, seria fácil perceber a farsa, estremeci a esse pensamento e peguei o celular.
- Mirela... eu não posso aceitar isso...
- Não pode fazer isso comigo, Milena, ouça. Fernanda e eu mal nos falamos, ela e eu nem sequer dormimos mais na mesma cama, então não será difícil, por favor, não faça isso comigo... Por favor, eu prometo que quando voltar de viagem, eu vou resolver tudo isso. Acredite em mim, Fernanda e eu não temos mais intimidade faz alguns meses...
- Está bem... mas estou com medo, se ela descobrir tudo eu...
- Ela não vai descobrir, pode ficar tranquila, ela não vai perceber nada. Agora fique sossegada, estou arrumando algumas coisas...
Ela desligou o celular e eu me senti uma idiota. Meu corpo estremecia vez ou outra. Percebi meu corpo sendo tomado por uma sudorese estranha e intensa como se eu não tivesse acabado de tomar banho. Desejei me controlar e coloquei uma música suave e deitei-me na cama, ainda nua. Corri minhas mãos suavemente pelos meus seios, senti um arrepio gostoso quando imaginei Fernanda fazendo aquilo. “Como Mirela poderia fazer aquilo com a esposa, uma mulher linda, destemida... eu não entendo isso...”
Deixei de lado as minhas indagações e levantei-me. Vesti-me e pedi a Deus em silêncio que os dias passassem rapidamente e que tudo isso que iria se iniciar acabasse logo. Eu precisava reagir e treinar um pouco diante o espelho, como ser Mirela Valadão. Ergui um pouco mais os ombros. Peguei um batom vermelho e contornei os lábios carnudos que ao exibir o carmim do batom, pareceram aumentar de tamanho. Coloquei um vestido florido e segui para o salão, precisava organizar o que era preciso. Depois segui para o escritório.
- Por que está nervosa? – era Jerônimo, meu amigo e sócio me indagando.
- Sente-se aqui, - e apontei para ele uma cadeira que tinha a minha frente. Devagar comecei a relatar o que eu tinha combinado com Mirela.
- Eu não posso acreditar nisso! Você perdeu a sanidade, foi isso?
- Eu acho que sim... e estou morrendo de medo...
- Se Fernanda descobrir ela pode fazer um grande estrago na sua vida, Milena você é uma profissional e sabe disso...
- Sim, eu sei, mas agora não posso mais voltar atrás. Depois ela e Mirela quase nem se falam, e depois eu acho que...
- Que ela poderá se apaixonar por você nesse espaço de tempo, é isso?!
- Por favor, Jerônimo, não fale besteiras, não foi isso o que eu quis dizer. Olha eu vou deixar algumas coisas adiantadas e, por favor, você cuida de tudo?
- Sim, eu cuido sim. Agora preste atenção no que vou lhe falar, vê se pelo menos faz isso valer a pena e sai da castidade... – ele gargalhou e eu também, apesar de sentir meu rosto corar de vergonha.
- Milena... tudo isso é muito perigoso, - ele voltou a falar, - tome muito cuidado, você sabe que a semelhança entre você e sua irmã é somente física, pois na alma vocês duas são totalmente diferentes, e mais... quem convive com uma de vocês por algum tempo é difícil se enganar por um período grande.
- Sim, eu sei... – foi somente o que eu consegui dizer.
Já era final do dia quando eu voltei para casa. Meu cabelo estava liso e ao olhar-me diante o espelho me vi ainda mais parecida com Mirela. Tomei banho e busquei algo para comer. A noite já caía e eu peguei um livro, mas a minha mente não entendia sequer uma palavra do que estava escrito ali, como se tudo fosse escrito em árabe. Fechei o livro, liguei a televisão e também não consegui prender a minha atenção ao filme. Desliguei e segui para meu quarto. Somente uma música suave conseguiu apaziguar um pouco os meus pensamentos e eu depois de muito tempo, adormeci. A noite parecia interminável e acordei várias vezes acometida por sonhos insólitos. Sonhos onde eu via Fernanda ao lado de Mirela dizendo que ela seria sempre o seu amor. Depois via Mirela me acusando de ladra, de usurpadora e acordei muitas vezes com o coração acelerado e chorei. Meu Deus o que eu estava fazendo? Como eu poderia ter cedido ao pedido de Mirela? Como eu poderia achar que isso daria certo? E o dia amanheceu. Meus olhos estavam cravados pelas olheiras profundas.
Fim do capítulo
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