Tempestade por Ana Pizani
Prólogo – Estrada (s)
"O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem." Guimarães Rosa
A estrada de terra exalava calor. E em meio à poeira que se levantava a cada carro que passava, era bem improvável enxergar uma garota à beira da estrada. Aos poucos, para um bom observador era nítida aquela imagem tão comum naquela região. Entre os galhos retorcidos, alguns sacos de pano sujos de poeira e suor. Nele apenas algumas peças de roupa, as poucas peças que sobraram da vida que ela levava.
Em meio à poeira que se levantava um carro enfim parou diante do braço firme que balançava a procura de carona.
Passos no chão duro e seco, mais poeira e suor, ela correu até o carro ainda sem acreditar. Já se iam duas horas desde a sua chegada naquele ponto da estrada. Jogou o saco nas costas, deu um “boa tarde” tímido ao casal de idosos que ocupavam a parte da frente da velha caminhoneta.
_ Pra onde, minha filha? _ o velho que dirigia perguntou quando a menina pulou na parte traseira do carro.
_ Pra Palmeira, senhor, ou qualquer lugar que me deixe a meio caminho de lá.
A senhora sorriu bondosa para a menina, talvez um pouco assustada com a sua magreza e sujeira.
_ Pois hoje é seu dia de sorte. Estamos indo para lá. Espero que o sol não te torre ainda mais aí atrás.
Aline mal podia acreditar. Encontrar um dedo de sorte em seu caminho era tão raro que ela quase não acreditou. Agradeceu com um gesto de cabeça, aprumou-se na traseira do carro e logo o pequeno diálogo foi interrompido pela longa viagem.
O que era um sol forte daqueles para quem sempre viveu de estradas? Ela que vendia badulaques ali mesmo naquele chão entremeado de árvores retorcidas e capim alto que lembravam o sertão. Mas não era, nunca foi o sertão. Era o cerrado norte-mineiro, região tão conhecida pela pobreza, que há tantos (ainda) dá pão.
Aline entrou naquele carro rumo ao desconhecido. Na mão um papel desgastado de tanto ser olhado trazia o endereço de um hotel pequeno.
_ E uma moça como você vai fazer o que em Palmeira? _ a senhorinha com um misto de desdém e curiosidade não conseguia ficar calada.
_ Ah, eu preciso de um trabalho, estudar, essas coisas aí que as pessoas fazem para se dar bem na vida.
A mulher, como que se fosse dona de alguma verdade que a garota desconhecia, sorriu tristonha ao comentar:
_ Tome cuidado que lá não é terra pra fraco não. Muitos que vão em busca de estudo voltam sem ter ao menos o que vestir. Vejo que leva pouca bagagem, cuidado para ser roubada. Tenho um filho que mora lá. Se deu bem na vida, casou e agora a esposa espera o segundo filho. Estamos indo ajudar a cuidar do menor que ainda é de colo.
Aline sorriu educada de volta sentindo no tom da senhora a ameaça da desgraça. Mas para aquela menina só restava acreditar. Do alto dos seus dezoito anos ela só conhecera o lado duro da vida, um lado único com poucas arestas ou perguntas.
Criada na casa da irmã do pai, sua tia Marlene, conheceu ali o trabalho desde muito cedo e aprendera a cozinhar, lavar, passar, tudo com perfeição. Agora iria atrás de um pouco mais, terminara a escola com dificuldade e queria continuar. A tia sem muitas possibilidades, a casa mais cheia de gente que de comida não teve escolha a não ser se desculpar: havia lhe oferecido mais que podia e não tinha mais nada para dar.
Aline agradeceu a longa acolhida (a mãe morrera num acidente na roça, o pai vivia perdido cuidando de fazendas e do demônio que era a bebida) e resolveu que era hora de buscar seus sonhos. Juntou o salário dos últimos seis meses vendendo coisas e tomou coragem numa manhã de sábado para pedir carona à beira da estrada.
Agora era contar com a sorte e com a força que sempre teve para lidar com as desavenças, sendo a primeira de todas elas a sua própria existência.
Fim do capítulo
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