Capítulo 5
- Olá Júlia. – Os olhos dela brilham num sorriso. – Tudo bem?
-Hãn...sim, eu estou bem, obrigada – Engulo em seco – Eu soube da máquina de café... valeu.
Marina apenas responde com uma piscada.
- Pessoal, um minuto da atenção de todos vocês! – Marlon se aproxima de Marina – A Srta. Hopkins vai ficar no nosso departamento esta manhã.
- Por favor – Marina sorri – Me chame de Marina.
- Certo. A Marina vai ficar por aqui esta manhã. Vai observar o que vocês fazem, descobrir como é nosso trabalho de equipe. Apenas se comportem normalmente, não façam nada de especial. – Os olhos de Marlon se detêm em mim e ele dá um sorriso agradável, o que é estranho já que discutimos no outro dia sobre minha não promoção. – Oi Julia! Como vai? Tudo bem?
Por que diabos todo mundo está me perguntando isso hoje?
- Sim, Marlon – murmuro num sorriso falso – Está tudo ótimo. Estou...muito feliz com meu trabalho.
Marina fixa seus olhos em mim enquanto respondo. Ela sabe. Claro, ela sabe que estou infeliz e insatisfeita.
- Muito bem! Uma equipe feliz, é isso que nós queremos. – Marlon tosse meio sem graça – Bom, de volta ao trabalho, todo mundo! Marina, deixe -me pegar uma cadeira para você.
- Finjam que eu não estou aqui – pede Marina em tom gentil, enquanto se senta em um canto e abre seu notebook. – Comportem-se normalmente.
Comportem-se normalmente. Certo. Claro.
Então, normalmente eu me sentaria, tiraria meus sapatos e sentaria em posição de lótus, feito criança. Verificaria meus e-mails, passaria um pouco de creme nas mãos, comeria alguns biscoitos, olharia meu horóscopo, o horóscopo da Aline, mandaria um whats para ela, um para a Carol também, tomaria água e somente depois disso, eu iria procurar o documento que a Paula me pediu.
Acho que não.
Quando finalmente sento de volta, minha mente está trabalhando depressa. Crie suas próprias oportunidades. Foi o que Marlon disse no meu feedback dois dias atrás.
E o que é tudo isso, senão uma oportunidade? A própria Marina Hopkins está sentada aqui, me olhando trabalhar. A grande Marina Hopkins. Chefe de toda a corporação. Certamente, eu posso impressioná-la de algum modo, não é?
Bom, talvez eu não tenha tido o início mais brilhante com ela. Mas esta pode ser a chance de me redimir! Se de algum modo eu puder mostrar que sou mesmo inteligente e motivada...
De repente eu percebo que estou folheando a pasta que a Paula me pediu e que estou com a cabeça mais erguida que o normal, como se eu tivesse em uma aula de yoga. Quando olho em minha volta, todo mundo também parece estar na mesma aula. Antes da chegada de Marina, a Paula estava ao telefone com a mãe, mas agora colocou os óculos e digita com rapidez, parando ocasionalmente para sorrir ao ler o que escreveu, num estilo “que gênia eu sou”. Felipe estava conferindo o Cartola FC, mas agora está com a tela aberta em um documento cheio de gráficos, com a testa franzida.
- Julia? – chama Paula numa voz falsamente doce – Você achou a pasta com o documento que eu lhe pedi?
- Sim... eu achei – Exclamo com raiva.
Em seguida empurro a cadeira para trás, levanto e vou até a mesa dela. Estou tentando parecer o mais natural possível. Mas, é como estar na televisão, no big brother ou algo assim. Minhas pernas não funcionam direito e meu sorriso está me dando câimbras, e eu tenho uma convicção horrível de que de repente posso gritar “calcinha” ou algo do tipo.
- Aqui está, Paula – coloco cuidadosamente a pasta em sua mesa.
- Muito obrigada – responde. Seus olhos estão brilhantes e percebo que ela também está representando. – Não sei o que faríamos sem você aqui, Julia!
- Estou à disposição – devolvo no mesmo tom, quase fazendo uma reverência.
Volto para minha mesa e começo a digitar com eficiência e rapidez. Nunca vi o departamento tão silencioso. Todos digitam, ninguém conversa. É como uma prova no colégio.
Como é que as pessoas sobrevivem nesses reality shows? Só se passaram 5 minutos e eu estou exausta.
- Como vocês estão quietos – Marina Hopkins observa meio perplexa – Normalmente é tão silencioso assim?
Todos olham em volta uns para os outros, inseguros.
- Por favor, não se preocupem comigo. Falem como fariam normalmente. Vocês devem ter discussões de escritório. – Ela dá um sorriso encorajador. – Quando eu trabalhava em escritório nós falávamos praticamente tudo. Política, livros... Por exemplo, o que vocês andaram lendo ultimamente?
- Na verdade, eu estava lendo a biografia de Mao Tsé-tung – responde Paula imediatamente. – Fascinante.
- Estou no meio de uma história da Europa no século XIX – acrescenta Felipe.
- Eu só estou lendo Dostoiévski. – Carol comenta. – Na versão traduzida pro inglês.
-Ah.. – Marina comenta de forma indecifrável – E... Julia, não é? O que você está lendo?
Não posso dizer que estou lendo Contigo, Caras ou “A culpa é das estrelas?”
- Então, na verdade... – digo tentando ganhar tempo.
- Bukowski – diz Paula – Você não estava lendo o livro do clube do livro? Factótum!
E então eu paro abruptamente o que ia falar e olho para Marina Hopkins.
Porr*!
Eu oficialmente quero matar a Paula.
Em minha mente surge a voz tagarelante do bar: “Não consegui ler aquele livro chato do Bukowiski, dei uma lida no inicio e fui pro final. Eu só participo do grupo por causa dos lanches...”
- Factótum... – repete Marina pensativa – O que você achou do livro Julia?
Estou em estado de choque. Minha voz sumiu... Estou tentando reunir palavras, mas não consigo.
-Hãn – pigarreio – Eu achei... muito...realmente, totalmente é...
-é um livro maravilhoso – comenta Paula, séria – Quando conseguimos entender por completo o simbolismo.
Ahhhh cala boca sua metida idiota. Ah meu santo, o que é que eu vou dizer?
-Eu achei que ele realmente ressou... As ressonâncias, sabe?
Há um silêncio perplexo.
- As ressonâncias ressoaram? – ecoa Paula.
-Sim – confirmo com voracidade – Ressoaram. Bom, eu tenho que continuar com meu trabalho – Giro minha cadeira revirando os olhos e começo a digitar febrilmente.
Pronto. Finalmente eu consegui me tirar dessa enrascada. Calma, Julia. Você ainda pode impressionar a Marina Hopkins para merecer uma promoção.
- Oi, Julia – é a voz da Carol. Eu ergo os olhos e vejo-a vindo na minha direção empolgada, Quando ela vê Marina, ela para – Ah!
- Tudo bem. Eu não passo de uma mosca na parede. – Ela acena de forma amigável para Carol – Vá em frente. Diga o que ia dizer.
- Oi Carol – consigo falar – O que foi?
Assim que digo o nome dela, Marina ergue a cabeça de novo, com uma expressão interessada. O que foi que eu disse pra ela sobre a Carol? Minha mente rebobina em fúria. O que eu disse? O que eu...
Sinto uma reviravolta interna. Caceta.
“...nós temos um código secreto, ela vem e diz: Posso tirar uma dúvida do pedido 345 lá controladoria, Julia? Ma na verdade significa: vamos matar um pouco de trabalho lá embaixo?”
Eu contei sobre nosso código enquanto bebia aqueles malditos Alcapops.
Olho desesperada para Carol, tentando de algum modo lhe passar a mensagem.
Por favor, não diga isso! Por favor, não mencione o pedido 345. Por favor, Por favor, Por favor, Por favor....
Mas ela nem sequer percebe o desespero no meu olhar.
- Eu só queria...- diz Carol com uma voz mega profissional – Tirar umas dúvidas do pedido 345 lá na controladoria com você Julia, é possível?
Meu rosto queima. Sinto ele vermelho, quase roxo.
- Desculpa Carol, eu estou muito ocupada e acho que hoje não vai dar – digo séria.
-Mas eu preciso... realmente preciso que você analise uns números comigo. – Diz ela empolgada.
- Eu estou meio atolada. – Forço um sorriso tentando dizer entre lábios um ‘cala boca, sai daqui’.
- Não vai demorar. É jogo rápido.
-Desculpa. Não vai dar.
Carol está praticamente saltitando na minha frente. Eu queria poder coloca-la dentro da gaveta e trancar ela lá dentro até Marina Hopkins sumir da Cidade.
Sabe aquele papo de “amigas de verdade não precisam falar, elas se entendem só no olhar”? é... parece que com a gente isso não existe.
- Mas Julia, o pedido 345 é urgente e importante... Eu realmente preciso falar sobre eles.
- Julia. – Ao ouvir a voz de Marina, eu pulo como se tivesse sido picada. Ela se inclina, confiante na minha direção – Talvez você devesse examinar o pedido 345 com a Carolina.
Encaro-a por alguns instantes, incapaz de falar, com o sangue pulsando na minha cabeça.
-Tudo bem. – Consigo dizer, depois de uma longa pausa. – Eu vou.
Fim do capítulo
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Brescia
Em: 13/06/2019
Oi mocinha.
Eu acho que já comentei que vc deveria escrever comédia, muito bom mesmo, eu só parei de rir qdo li a última palavra. Literalmente eu chorei e de óculos não é o máximo .
Continue, pois estou amando, bem que poderia ser um pouquinho maior, PER favore . :)
Baci piccola escritrice.
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Renata Cassia
Em: 12/06/2019
Amando a história...., nunca me divertir tanto lendo kkkk. Quando não estou fazendo nada aqui no trabalho eu aproveito pra ler e me pego dando gargalhadas sozinha kkkk. Essa Julia é uma peça rsrs. E o que será q a Marina pretende? ...curiosa aqui rsrs . Por isso não demora autora, louca pra rir mais .. bjs
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