Capítulo 1
Diálogo com os Espíritos -- Capítulo 1
Segunda-feira 09:00
Não é sobre tudo que o seu dinheiro é capaz de comprar
E sim sobre cada momento, sorriso a se compartilhar
Também não é sobre correr contra o tempo pra ter sempre mais
Porque quando menos se espera a vida já ficou pra trás
De braços cruzados e os olhos verdes repletos de amor, Alicia se encostou no batente da porta da cozinha e ficou admirando a bela morena cantar.
Segura teu filho no colo
Sorria e abrace teus pais enquanto estão aqui
Que a vida é trem-bala, parceiro
E a gente é só passageiro prestes a partir
Laiá, laiá, laiá, laiá, laiá
Laiá, laiá, laiá, laiá, laiá
Entusiasmada, Alicia bateu palmas quando ela terminou.
Assustada, Thais virou-se para a sorridente loira parada a porta da cozinha.
-- Você está me acostumando muito mal, meu amor. Acordar todas as manhãs ouvindo essa voz de sereia, torna o meu dia ainda mais maravilhoso.
-- Bom dia, meu amor -- Thais abriu os braços e recostou-se no balcão da cozinha -- O show não é grátis não. Em troca, quero o meu beijo -- ela sorriu.
Alicia encontrou-se sorrindo também.
-- Excelente troca.
-- Também acho -- os olhos de Thais eram de uma cor incomum mais próxima do caramelo que do castanho realmente.
Aproximando-se, Alicia se inclinou e beijou sua boca.
-- Adoro essa música, mas por que você nunca muda o repertório, amor? -- a expressão de Alicia se tornou pensativa.
-- De jeito algum! -- respondeu sorrindo -- Essa música me faz lembrar de viver cada dia como se fosse o último -- o sorriso dela aumentou -- Sou oncologista, meu amor. Se não cuidar do meu lado psicológico, eu piro.
-- Você tem razão -- Alicia sentou-se à mesa com aquele sorriso bobo, apaixonado que tinha sempre que olhava para a esposa.
-- Suco? -- abrindo a geladeira, tirou uma jarra com suco de laranja, encheu um copo e entregou a Alicia -- Não esqueceu que amanhã vou até Niterói. Não é mesmo?
-- Não esqueci, não. Amanhã tenho plantão o dia inteiro no Hospital da Barra.
-- Não vai nem sentir a minha falta -- Thais fez um biquinho fofo.
-- Minha deusa, eu amo tanto você que em cada segundo que estamos separadas eu enlouqueço de saudades.
-- Eu sei disso, mas só queria ouvir da tua boca outra vez! -- finalizou Thais, com um sorriso largo no rosto.
-- Danadinha! -- Alicia envolveu o pescoço dela com seus braços e se inclinou para frente, dando vários beijinhos em seu rosto -- Quarta-feira, se você quiser, podemos ir até o Centro. Preciso muito dos conselhos do médium Juarez -- Alicia deu uma mordida na torrada e em seguida tomou um gole de suco -- Ando com o sono muito atribulado. A noite passada fui acordada por uma voz feminina sussurrando meu nome no ouvido, várias vezes.
-- Algum tipo de espírito está tentando se comunicar com você, não há o que temer. Ele está tentando chamar a sua atenção, conversar com você ou, quem sabe, dar uma mensagem -- Thais deu um pequeno gole no suco e se virou para ela -- Acho bom você conversar com Juarez, quem sabe ele possa ajudá-la a identificar quem é essa entidade espiritual -- a morena se levantou com um sorriso brilhante e repleto de afeto -- Agora preciso ir, bebê. Eu a verei no jantar?
-- Sim. Vou tentar chegar antes das 20:00.
-- Te amo -- Thais inclinou-se para beijá-la.
-- Também te amo.
Hospital do coração -- 10:00
A porta do quarto se abriu com um ruído e Salomão colocou sua cabeça para dentro.
-- Posso entrar?
Fernanda levantou a cabeça do travesseiro e olhou para o visitante.
-- Claro. Pode entrar -- a voz da moça estava embargada quando ele veio ficar ao lado dela.
-- Sua mãe me falou que você está muito deprimida -- Salomão fitou-a com ar de reprovação -- O que houve? Ontem você estava tão animada.
-- Ontem eu tinha um doador, tinha esperança e tinha um sonho. Hoje o que eu tenho além da tristeza, da decepção e do desanimo?
-- Meu amor! -- o rapaz se sentou na beirada da cama e segurou uma das mãos de Fernanda -- Infelizmente, o coração de ontem não era compatível, mas isso não quer dizer que o próximo não seja.
-- Desculpa -- ela murmurou com lágrimas nos olhos -- É que não consigo mais manter o otimismo... meu tempo está acabando.
-- Eu compreendo perfeitamente o seu desanimo. São poucos os que esperam sem se indignar contra as "demoras de Deus", e é muito fácil descobrir os limites da própria paciência, mesmo entre os que confiam, porque esses limites são muito curtos -- Salomão conseguiu controlar a emoção e, muito delicadamente, ajudou-a a acomodar-se na cama.
-- Nem todo mundo consegue esperar todo esse tempo. Segundo o doutor Daniel, muitas pessoas, incluindo crianças, não conseguiram aguardar o "novo coração" e morreram na fila de espera.
-- Viu, então você é uma privilegiada. Você é a próxima da fila, Fernanda. Deveria agradecer a Deus por ter conseguido chegar até aqui com um coração tão frágil. Achavam que você não ia passar de um ano, mas você superou bravamente esse prognóstico.
-- Eu sei e, agradeço muito a ele -- os olhos dela encheram-se de lágrimas -- Sinto-me tão mal, ficar torcendo pela morte de alguém. Isso é horrível.
Os músculos do rosto de Salomão se contraíram e os olhos negros a examinaram enigmaticamente.
-- Não estamos torcendo pela morte de ninguém. Pessoas morrem de monte todos os dias. Estamos torcendo é para que a família de um dos doadores, nesse momento de dor extrema, quando se perde um ente querido, pense em um gesto de solidariedade e amor chamado doação de órgãos e, respeite o desejo do falecido.
-- Em situações como essa, é difícil pensar na felicidade de outras famílias -- Fernanda sussurrou com desanimo, e lágrimas rolaram por suas bochechas -- No Brasil, a doação de órgãos depende exclusivamente da autorização dos familiares de uma pessoa com morte encefálica. A palavra final é da mulher ou do marido, dos filhos ou dos pais.
-- Jamais perca a fé -- Salomão murmurou suplicante -- Deus, em sua infinita bondade, sempre empresta a Sua força em meio às turbulências.
-- Tenho fé que o meu coração novo vai chegar logo -- ela deu um meio sorriso de lado e levantou os olhos tristonhos.
-- É assim que se fala, minha pequena -- Salomão se inclinou para lhe dar um beijo de despedida -- Volto mais tarde -- ele murmurou, então girou e saiu do quarto.
Hospital da Barra -- 19:00
Alicia se aproximou e encostou-se ao balcão de enfermagem.
-- Vou liberar o senhor Hans -- disse olhando para a prancheta em suas mãos.
A enfermeira virou-se para fitá-la com um sorriso aberto.
-- Aleluia! A doutora não faz ideia do bem que está me fazendo.
Alicia sacudiu a cabeça, sem entender.
-- Por que?
-- Seu Hans está me deixando maluca. Não sossega no leito, tenho medo que caia e frature a outra perna.
-- Ele é um idoso bem ativo. Nessa idade, completamente lúcido é de dar inveja.
-- Verdade, mas ainda prefiro que ele vá para casa -- disse a enfermeira, sorrindo.
-- Então, seja feita a vossa vontade, aqui está o papel de alta -- a ortopedista entregou o documento para a enfermeira e olhou o relógio em seu pulso -- Fim de plantão. Alguma pendência?
-- Não doutora, pode ir tranquila.
-- Então, até amanhã, Raquel.
-- Até amanhã, doutora.
Hospital do Coração -- 21:00
Absorta, Fernanda mexia a sopa de legumes que ela deixou praticamente intacta, pensando em como sua vida havia parado esse ano, já não conseguia mais respirar direito. Não aguentava mais andar de salto, trabalhar, dirigir. Até falar era um sacrifício.
A porta se abriu e uma jovem enfermeira entrou empurrando um carrinho com medicamentos.
-- Não tocou na janta. Está tão ruim assim? A sopa é bem ralinha, mas parece gostosa.
-- Não estou com fome -- respondeu Fernanda, colocando o prato sobre a mesinha ao lado da cama.
-- Me chamo Suelen. Hoje é o meu primeiro dia nesse setor -- ela estacionou o carrinho ao lado da cama e fitou Fernanda de braços cruzados -- Por que essa cara de desespero?
-- Pela terceira vez, meu transplante não deu certo -- sua voz soou fraca, como se não tivesse força para falar.
Suelen acariciou a mão de Fernanda e sorriu de modo tranquilizador.
-- Tudo tem seu tempo! Já parou para pensar que Deus está preparando algo melhor e maior para sua vida? Talvez os órgãos anteriores não fossem os ideais para você.
Fernanda ficou pensativa, analisando o que a enfermeira dissera. Suelen pegou alguns comprimidos do carrinho e os entregou para ela.
-- Qual a sua doença?
-- Tenho uma doença congênita e hereditária, miocardiopatia hipertrófica. Por muitos anos foi controlada apenas com remédios. Porém, após uma arritmia, tive de operar para colocar um marcapasso. E agora tenho de substituir o coração.
-- Trabalha? -- ela entregou um copo com água para Fernanda.
-- Sou Psicóloga. Trabalho no Juizado da Infância e Juventude.
-- Que bela profissão! -- Suelen disse entusiasmada.
-- Nos últimos tempos, estive internada por tantas vezes que fui obrigada a me afastar do trabalho. Desmarquei até meu casamento.
-- Espero que o seu noivo tenha compreendido a situação.
-- Ah, com certeza. Salomão é um homem muito bom e compreensivo. Ele está ao meu lado desde o começo.
-- Fernanda, eu só vejo coisas... -- ela fez uma pausa, procurando a palavra apropriada, então concluiu com: Novas e boas no horizonte!
Fernanda sorriu.
-- Como você sabe disso? -- ela perguntou.
Suelen segurou a mão da psicóloga com firmeza.
-- Eu sei! Confie em mim.
23:00
Alicia abaixou-se para beijar os lábios de Thais. Acariciou cada centímetro de seu corpo com seus dedos macios.
-- Foi bom demais! -- Alicia fechou os olhos.
Thais não fechou os olhos. Ao invés disso ela observava sua amada. Admirava seu rosto lindo, sua boca macia. Ela era perfeita, pensou. A mulher perfeita. A amante perfeita. A esposa perfeita.
-- Maravilhoso! -- disse Thais, parecendo achar graça enquanto afastava as mechas de cabelo coladas à testa suada de Alicia.
Alicia colou seu corpo no dela.
-- Tem certeza que não quer que eu vá junto com você?
-- Tenho. Não quero que o Jean se irrite com a sua presença. Lembra o que aconteceu da última vez que você foi?
-- Ele não permitiu que você visitasse a Milena -- disse Alicia, pesarosa -- Seu ex-marido está usando a menina para se vingar de você.
-- Eu sei. Mas, não vou desistir de ter a guarda dela de volta. Vou provar que tudo o que foi mostrado no julgamento de guarda, é mentira.
-- Jean jogou sujo -- Alicia disse, acariciando o rosto de Thais e olhando em seus olhos com ternura -- Nós vamos provar. Ele não perde por esperar. Agora durma, amanhã será um longo dia.
Thais se aninhou nos braços da ortopedista, sentindo-se aquecida e contente. Bocejando, ela fechou os olhos, aceitando a sugestão de sua menina.
Alicia pegou o celular de cima da mesinha de cabeceira e olhou as mensagens do grupo.
100Palavras
Cristina, Natalia, Raquel, Alicia, Thais, Sérgio...
Raquel
Haja paciência, viu!! Dona Vera cismou que é a Gretchen
23:30
Natalia
Amarra
23:31
Cristina
Tadinha
23:31
Raquel
Agora ela está cantando e dançando, Conga Conga Conga
23:32
Cristina
Amarra
23:33
Alicia
Vão dormir
23:33
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Brescia
Em: 22/06/2019
Bom dia mocinha.
Adorei esse primeiro capítulo, deu para perceber todo o amor que vc depositou nele, dava para sentir muitos sentimentos envolvidos. A amizade é que reinava sobre eles e eu sou da ideia que sem amigos, não somos nada.
Baci piccola escritrice.
Resposta do autor:
Boa tarde, Brescia.
Que bom que gostou. Obrigada por comentar, sinta-se a vontade para criticar e dar sujestões. Sua opinião é muito importante para mim.
Beijos. Até.
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HelOliveira
Em: 03/06/2019
Oi que bom que está com uma nova história, vou te acompanhar com certeza.
Bjos
Resposta do autor:
Bom dia, minha querida.
Obrigada, é muito legal ter você como leitora. Esteja a vontade para dar sujestões, criticas, elogios. A sua opinião é muito importante para mim.
Beijão.
Paz e Luz.
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Mille
Em: 03/06/2019
Ola Vandinha
Armaria, gostei do início. Pena que para Fernanda continuar a viver, uma terá que morrer.
Bjus e até o próximo capítulo
Resposta do autor:
Bom dia, minha querida!
Infelizmente a realidade é essa. O coração tão esperado por Fernanda vai chegar, e com ele muitas curiosidades com relação a mudança de comportamento dos transplantados. Vai ser legal.
Beijos minha amiguinha!
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NovaAqui
Em: 03/06/2019
Oi querida Vandinha?
Estarei junto com você nessa nova jornada
Bem-vinda de volta
Abraços fraternos procês aí!
Resposta do autor:
Olá minha querida!
Eu sei que posso contar com você. Espero que goste da história e não deixe de comentar, é muito importante para mim.
Beijão. Até amanhã.
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