Cronologia Criminal Dia 5 – Quarta-feira, 18/04/2018, 21:32
– Merd*! Merd*! Merd*! Merd*! Merd*! – Honora repetia a palavra ininterruptamente, como um mantra.
A arma que usara para ameaçar Laura ainda estava em suas mãos. A criminosa andava de um lado para o outro, nervosa, impaciente. Ela havia disparado em direção à janela aberta para amedrontar, para fazer a policial parar de falar aqueles disparates. Não esperava que a outra fosse desmaiar pelo susto, se é que aquele era mesmo o motivo de sua queda ao chão.
Entretanto, isso pouco importava para Andrey. Que fosse por uma causa ou outra, ficaria feliz se Randik morresse ali, do jeito exato em que estava. Ao menos não a tinha atingido com um projétil, portanto, não teria que se preocupar com o sangue manchando seu belo piso. Estaria chateada se tivesse que mandar limpar a sujeira de uma detetive de seus aposentos.
A tatuada sentou-se na beirada da cama, cruzando os dedos atrás do pescoço. Ainda segurava firme a pistola. Ela não a largaria, não hesitaria em atirar, dessa vez para matar. Nunca tinha recebido o título de assassina, aliás, esse era um dos poucos crimes que não havia cometido intencionalmente, mas, como a velha máxima ditava “para tudo existe uma primeira vez”.
Mantendo-se de olhos fechados, tentou controlar a sua respiração demasiada ofegante. Precisava se acalmar para conseguir pensar com clareza. Honora tinha que tentar, a todo custo, expulsar os devaneios incoerentes de sua cabeça para dar lugar à objetividade que sempre fora a sua marca registrada. Ela não se descontrolava, ela nunca se descontrolava daquela maneira, por qual motivo então estava deixando tudo aquilo lhe atingir de forma abrupta?
“Eu não posso acreditar que isso seja verdade. Eu fui um brinquedo nas mãos desses dois o tempo todo! Como você foi burra, Honora! Burra! Como pôde cair na armação deles? Espera... Será que estão juntos nessa? Meu pai... Ele me mandou naquela emboscada para morrer. Tem alguém lá de dentro que está ajudando aquele filho da puta. Eu sei disso. Só preciso descobrir quem é. Ah, mas quando eu descobrir vou acabar com esse infeliz. E essa puta... Onde ela entra nisso tudo? Ela sabia o tempo todo que eu era filha dele e me manipulou! Desgraçada! Como eles sabiam que eu não ia deixar essa maldita morrer naquela estrada? Como isso tudo foi acontecer? Eu transei com ela! Eu não acredito nisso. É ela, porr*! É ela!”
A criminosa estava se sentindo usada, traída. Sentia nojo de si, raiva, ódio por ter sido tão idiota a ponto de acreditar que salvar a vida daquela detetive não resultaria em uma merd*, e das grandes. Sempre soube que se met*r com policiais era assinar uma sentença de morte, mas realmente, por um tempo, imaginou que a Lei de Murphy não fosse imperar contra a sua pessoa.
Ainda treinando os exercícios de respiração para o controle de seu sistema nervoso, Honora largou o revólver ao seu lado sobre o colchão e passou a encarar aquele corpo pálido caído no chão do seu quarto. Em sua mente, um filme se passava com cenas recriadas desde o primeiro instante em que vira Laura, até minutos atrás quando gozou em sua boca. Limpando as lágrimas que molhavam o seu rosto, tentava encontrar uma lógica simples por trás de todo aquele circo armado.
Não era crível. Não mesmo. Ela se lembrava do pai de Randik. Chegou a vê-lo quando esteve infiltrado na “família”. O viu de relance no dia em que Nickolai o assassinou. Agora, puxando de sua memória, lembrou-se de ter visto a detetive sendo arrastada pelos súditos de seu pai. Andrey estava em uma das salas da residência que usavam para tratar dos “negócios”, limpando o seu pequeno arsenal. Ela tinha apenas dezesseis anos na época, mas aprendera desde muito nova a se cuidar, a se proteger do que quer que fosse. Apesar da pouca idade, do pouco tempo de contato e de tantos anos após o ocorrido, a imagem estava clara diante de si. Laura usava um capuz tampando sua cabeça, debatia-se, gemia, protestava em vão contra os homens que a conduziam com brutalidade. A bandida, vendo a cena, não teve reação alguma; aquilo era comum, mais uma entre tantas que perderia a vida sob as ordens de seu progenitor.
Que ironia do destino! Agora Honora estava diante daquela adolescente que vira anos atrás sendo levada para o “campo de morte”. Honora encarava o corpo da mulher que resgatara, temendo que lhe acontecesse o pior por estar no lugar errado, na hora errada. Bom, ao menos era o que achava antes de saber a verdade.
A bandida, em uma das conversas regadas a confidências que teve com Randik, desconfiou de que fora Nickolai o responsável pela morte trágica de seu pai, já que a “assinatura” era a mesma. Sua mãe morreu diante de si de maneira idêntica. No entanto, a ideia lhe pareceu tão absurda que apenas riu de si mesma por dar créditos àquela insanidade. Estar diante da filha do policial que, por pouco, não ferrou com o esquema de toda a “família”, ter a desejado, ter sentido tesão, ter trans*do com ela era loucura demais, até mesmo para a sua mente demente.
– O que eu vou fazer com você agora? O que?
Andrey falava consigo mesma, ao passo em que batia os dedos da sua destra ritmicamente em sua perna; mania de quem se enervava e precisava usar de artifícios para poder raciocinar ante tal situação crítica.
De súbito, como se um lampejo brilhante tivesse perpassado por sua cabeça, a tatuada pegou a arma, colocando-a na cintura. Dirigiu-se até seu closet rapidamente, retornando de lá com quatro pares de algemas. Deu alguns passos, aproximando-se da policial. Buscando forças para carregar a mulher, como tinha feito quando a trouxe para casa, Honora ergueu o corpo de Laura, levando-a para o outro quarto.
Sem nenhuma delicadeza, sem se preocupar com o ferimento que a detetive tinha no ombro, jogou-a sobre o colchão, atendo seus braços e pernas nas grades da cabeceira e pés da cama. Debaixo da penumbra que se dava no cômodo, sentou-se na poltrona, a fim de aguardar o despertar da outra, com Hans deitando-se ao seu lado no chão, também em estado vigília.
“Acorda logo, sua puta ordinária!”
*********************– É... Muito estranho o resultado da perícia ter dado inconclusivo. – Sean comentava com seus outros colegas no departamento.
Tessa, a responsável pela bagunça nas provas do caso da amiga, manteve-se impassível, fingindo estar concentrada no documento aberto na tela do seu computador. Ela não podia dar nenhum indício de que estava envolvida nas adulterações feitas no sistema, ainda mais com Jung no encalço de todos ali. Um deslize e suas investigações iriam escorrer ralo abaixo. Deveria manter a cautela que sempre teve ao tratar de situações delicadas, pelo seu bem e, principalmente, pelo bem de Laura.
– Amika está repetindo os exames com o que sobrou das amostras. – Comentou Nick, o outro detetive.
– E quando sai? – Tessa indagou, como que despretensiosamente.
– Talvez até amanhã de manhã. – Seu colega, Sean, arriscou um palpite – Seja lá o que está nos atrapalhando, não vai ter sucesso dessa vez. Fique tranquila, Tessinha. – A mulher ergueu a cabeça para olhar o homem, oferecendo-lhe um breve e falso sorriso.
– Querem saber? Já estou cansada de ficar por tanto tempo encarando a tela dessa merd* de computador sem poder fazer nada. - A detetive fingiu chateação pela circunstância, levantando-se e seguindo até o móvel que amparava uma televisão. Ligou-a e ficou zapeando entre os canais – Será que tem algum programa menos pesado que o clima desse lugar?
Tessa passou por um filme de suspense, um de ação, um reality, um telejornal e finalmente encontrou um programa de stand up. Entretanto, levou um belo susto ao ouvir o grito do capitão Yan deu atrás de si, fazendo-a quase deixar o controle remoto cair no chão.
– Volte um canal!
Assustada, a policial obedeceu de prontidão, retornando para o telejornal. O repórter falava alguma coisa difícil de compreender por conta do baixo volume e dos murmurinhos paralelos que se davam no local, mas estava óbvio o porquê do oriental ter solicitado o retorno àquele canal. Uma foto de Randik marcava a notícia que aparecia em imagens com ultradefinição no aparelho.
Tessa aumentou o volume da televisão antes que alguém pedisse, percebendo a necessidade que tinham de ouvir o que estava sendo dito.
“Durante a operação, os policiais que levavam uma das prisioneiras, foram surpreendidos pela ação dos criminosos, que acabou resultando em várias mortes e um número altíssimo de feridos. A detetive, de nome Laura Randik, encontra-se, até o presente momento, desaparecida. A equipe de polícia do Departamento de Homicídios suspeita que os bandidos estejam envolvidos no sequestro e continuam as buscas por sua colega de trabalho. Contudo, antes do fechamento dessa edição, uma fonte informou ao nosso jornal que esse desaparecimento pode ser uma manobra da própria detetive, que seria comparsa daqueles que fizeram o resgate da prisioneira”.
– Tessa, achei que você tivesse excluído todas as redes sócias da Randik. – O capitão Daniel Carlo repreendeu-a, boquiaberto, ainda encarando a televisão, onde os jornalistas apresentavam outra reportagem.
– Mas foi exatamente o que eu fiz. – A detetive defendeu-se, mesmo também estando abismada com o que acabara de ver e ouvir - Eu deletei tudo dela na Internet. Deixei salvo apenas aquela foto que apareceu no jornal. Estava em um pen drive que entreguei para o Nick, e fiz isso a mando do capitão Jung.
Todo o departamento voltou-se imediatamente para Tessa, alternando o olhar entre ela e Yan.
– Você fez isso sob minhas ordens? – Questionou o homem, parecendo chocado com a afirmação – Eu não te pedi para fazer absolutamente nada.
– Pedir não pediu mesmo, ordenou, o que é muito diferente. – A policial encarou o oriental, como se quisesse o desafiar com o olhar.
– Detetive Bale, acalme-se. – O capitão Daniel sussurrou ao pé do seu ouvido ao perceber a alteração nas feições da sua subordinada – Alguém deve ter pegado esse pen drive e oferecido as fotos para a imprensa sem o meu consentimento. Foi isso o que aconteceu. – O homem concluiu.
– Ou o pen drive decidiu trabalhar sozinho para a mídia. – Tessa bufou, ainda encarando Jung.
– Tem algo a dizer diretamente para mim, detetive? – O capitão Yan devolvia a encarada.
– Talvez ela tenha. – Sean interveio – Ou melhor, talvez eu tenha. Estou farto de mentiras. – O detetive bufou – O pen drive não andou sozinho e sabemos bem disso. – O rapaz sentou-se calmamente na cadeira da sua mesa, cruzando os braços com um sorriso cínico.
– O que está dizendo, Sean? – Tessa inquiriu.
– Eu sei que grande parte dos policiais que trabalham nesse departamento não colocam fé na minha capacidade investigativa, no meu tino, no meu faro. Eu sei que acham às vezes que sou louco. Felizmente, vocês estão todos certos. Eu brinco, eu rio, mas também observo cada mínimo movimento de quem está aqui dentro. Sei de cor e salteado seus hábitos, manias involuntárias, e se duvidar, sei até quando vão ao banheiro tirar uma para aliviar a tensão do dia. – Sob o olhar inquisidor dos presentes, o detetive continuou sua fala - Todos os dias, o nosso amigo Nick abre a gaveta dele para pegar os adesivos de nicotina que tem usado para parar de fumar. – Sean relatou, percebendo o semblante afirmativo do policial ao notar que a informação estava correta - Depois, ele tranca a gaveta, mas para não deixar a chave em um lugar óbvio, ele se levanta e finge que está indo para a cozinha, daí deixa a chave em cima da mesa da Tessa, perto do porta-retratos. Só que agora a pouco, quando Nick foi em busca da chave, ele a retirou da mesa do Will, o que é bem fora do habitual, sendo que ele faz isso todos os dias. – Continuou o detetive - Isso significa que alguém abriu a gaveta do Nick, pegou o pen drive, e tentou devolver a chave para o lugar de onde retirou antes. Mas, como as mesas do Will e da Tessa ficam lado a lado, ele não conseguiu lembrar, provavelmente porque precisava que essa fosse uma ação rápida.
– Sean, pelo amor de Deus, desenrole! – A policial pediu.
– Oh, Tessa, está tudo tão claro! – O homem se levantou, caminhando em direção à mesa do colega de trabalho - A pessoa que pegou o pen drive da mesa do Nick é alguém que não sabe os hábitos dele, não sabe direito o lugar onde quem se senta, ou seja, não trabalha aqui. Também foi a pessoa que sujou a manga do terno quando esbarrou no porta-retratos que estava sujo de tinta prateada. Estou correta, capitão Yan?
Antes mesmo que os outros presentes processassem a informação, Sean caiu sobre a mesa e depois no chão.
Jung segurava a arma com o silenciador apontada para onde o detetive mantinha-se de pé segundos antes, com um sorriso de satisfação estampado no rosto, que apenas fora interrompido para que ele pudesse falar:
– Está certíssimo, detetive! Certíssimo.
Fim do capítulo
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Rafaelagoncalvess
Em: 28/06/2019
Ai por favor espeando ansiosa por mais capitulos. História envolvente demais.
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