Pietra

 

Bianca adormeceu em meus braços. Fiquei velando seu sono por algum tempo, sentindo sua respiração tranquila bater em meu pescoço. Dormia serenamente com o braço em volta da minha cintura, eu sentia seu cheiro e o calor do seu corpo colado ao meu.

Fiquei observando-a... é mais linda ainda dormindo. Depositei um beijo de leve na sua testa, ela se mexeu um pouco, mas não acordou. Levantei da cama tentando fazer o mínimo de barulho possível para não a despertar.

Sai do quarto fechando a porta bem devagar.

- Preciso falar com Andréia urgentemente! – pensei.

Caminhei apressadamente em direção ao meu quarto, onde teria privacidade para conversar com a minha amiga.

Peguei o celular na cômoda e disquei...1, 2, 3, 4, 5,6,7 ,8 toques.

- Por que essa mulher não atende logo – resmunguei contrariada.

- Quem me incomoda? - Atendeu com tom brincalhão, a folgada.

- Que coisa Andréia, por que demorou tanto para atender? – indaguei sem a mínima paciência.

- Oxe! – replicou debochando – Sério que você acha que tenho que estar a sua disposição, cara pálida?

 

Suspirei profundamente tentando controlar a minha irritação.

- Preciso que você providencie tudo relacionado ao meu casamento com Bianca o mais rápido possível. – Exigi num tom urgente.

- O que foi que houve? – questionou minha amiga preocupada.

- O tal do ex de Bianca veio até aqui para extorqui-la e terminou ameaçando-a e também a seu pai – Dei uma leve e irônica risada - Levou um soco meu como resposta

 

- Essa é a minha garota! – gritou vibrando no meu ouvido.

- Deia, vou conversar com o senhor Matteo para embarcarmos para o Brasil urgência. Quero resolver logo isso. Ele já conversou com meu pai sobre os termos do contrato sobre a propriedade e administração da nossa vitivinícola.

 

- E o seu doido pai? – Deia curiosa debochando – O que achou dos termos impostos?! Conta-me tudo amiga...

- Evidente que o senhor Giovani não aceitou muito bem, ficou possesso! Mas teve que concordar; era isso ou nada! – Informei lembrando-me da conversa tensa travada entre meu pai e o meu futuro sogro.

 

Flashback on

 - Pietro, ligarei para o seu pai para comunicá-lo dos novos termos do contrato sobre a propriedade e administração da vitivinícola de vocês. – meu sogro comunicou encarando-me sério – Creio que Giovanni não aprovará muito isso! Porém, creio que essa é a solução visto que ele já provou ser incompetente nos negócios.

 

Eu me mexi inquieta na cadeira a sua frente, pedindo aos céus que meu pai  tivesse bom senso de não jogar esta oportunidade ao vento por conta do seu orgulho que seria imensamente ferido.

Vi o  Senhor Matteo ativar a tecla viva voz do telefone e acompanhei com o coração disparando cada toque de chamada dado até meu pai atender.

 

 - Giovanni Di Santis falando. – sua voz forte encheu o escritório do meu sogro.

 

 - Gio? É o Matteo falando, velho amigo.

 

 - Olá Matteo! – voz alegre demonstrando prazer em receber a ligação – Como vai você?! Que alegria receber sua ligação... E os nossos bambinos, estão se dando bem?!

 

 - Sì, molto bene! – Matteo respondeu sorrindo feliz pra mim – Eles estão indo de vento em popa... Noivaram, sabia?

 

 - Que notícia maravilhosa! – a voz do meu pai soou satisfeitíssima – Então, essa sua ligação...

 

Eu engolia em seco, esperando o desfecho daquela negociação que seria tensa.

 

- Sì – Matteo o interrompeu confirmando suas suspeitas – Essa ligação é para acertarmos alguns detalhes! Na verdade, quero lhe informar de algumas exigências novas que tenho para concluirmos nosso negócio.

 

Uma pausa longa foi dada antes do Senhor Giovanni voltar a falar demonstrando  uma certa irritação velada.

 

- Nuove richieste, amico mio? – Sua voz fria soou no fone – Quais seriam essas “novas exigências” meu amigo?!

 

 - Bene caro mio... – Matteo me olhou, pois agora seria o ponto crítico de toda a conversa – estive repassando todo o histórico de sua condução nos últimos de seus negócios e cheguei a triste conclusão que essas perdas e a quase falência que está vivendo se deve, exclusivamente, a uma má administração!

 

 - Mas como assim?! – Sr. Geovanni elevou a voz irritado – Não te dou o direito de me destratar assim... Você não estava aqui pra averiguar isso, não sabe que as condições da terra daqui demandam muito mais cuidados e  investimentos para que as uvas sejam de boa qualidade, então não venha me falar de coisas que não compreende...

 

 - Caro – senhor Matteo conciliador – Eu levantei todas as informações, estou a par que as condições da terra são diferentes da daqui, que o clima também requer mais  cuidados e por isso mais investimentos financeiros! Entretanto não tente negar o que é real: você não é um homem de administração Gio! Você é bom lidando com o plantio... Por isso tenho novas exigências pra firmarmos esse acordo de cavalheiros que estamos negociando.

 

 - Eu não acredito no que está dizendo... – Giovanni espantado se desesperando.

 

 - Os meus novos termos são os seguintes – Matteo o cortou – Nossos bambinos se entenderam e minha figlia aceitou casar-se com o Pietro.  Assim, investirei todo o montante que prometi; entretanto a administração da vitivinícola da sua família passará ser gerida por sua filha Pietra tão logo ela  esteja totalmente recuperada do acidente! Enquanto isso Pietro assumirá esse papel gerindo temporariamente os negócios no lugar da irmã...

 

 - Não aceito isso – a voz do meu pai estrondou – Sou o chefe desta família...

 

 - Ainda não acabei! – bradou Matteo incisivo – Em minha nova proposta também serão redistribuídos o controle das empresas: minha figlia Bianca terá 51% das ações, seus filhos ficarão com 24% cada um.

 

 - Isto é um absurdo! – gritou Sr. Giovanni do outro lado da linha – Não aceitarei isso passivamente de maneira alguma.

 

Ouvimos um baque surdo e percebi que ele acabava de derrubar a cadeira certamente em seu ímpeto de levantar-se indignadamente.

 

- Isso é traição Matteo! – Giovanni vociferou – É também uma injustiça! E eu e minha moglie que trabalhamos de sol a sol todos esses anos levantando este império? Isso não vale nada, sairemos agora de mãos vazias?!!! Responda-me.

 

 - Claro que não sairão de mãos vazias, Gio! – Senhor Matteo abrandando o tom de voz.

 

– Sua esposa ficará com 1% das empresas; você continuará trabalhando com a terra caso queira, liderando os funcionários na plantação e respondendo às instruções da Pietra. Ambos receberão uma alta mesada e não passarão nenhuma dificuldade. Os seus filhos ficarão obrigados a lhes dar todo suporte necessário para que saibam gerir os seus gastos dentro do que receberão.

 

 - Eu agora viverei de mesada e receberei instruções da Pietra de como cuidar do meu dinheiro... – falou debochado – Não aceito, eu não aceito essa  humilhação!

 

Agora foi a vez do Matteo fazer uma longa pausa cheia de significados...

 

Eu segurava a borda da mesa tão apertado que as minhas articulações dos dedos estavam esbranquiçadas.

 

A tensão aumentava...

 

- Você está aí Matteo?! – a voz apreensiva do meu pai questionou.

 - Sí! – respondeu meu sogro – Já falei os meus termos; agora estou esperando a sua resposta... Pense bem, se esse: “Eu não aceito” é sua decisão final. Eu sou seu amigo, mas também um homem de negócios. Vou investir uma soma vultosa nos seus negócios e o estou passando pra minha filha e quero que ela tenha retorno deste meu investimento. Não apostarei esta grande soma aos seus desvarios administrativos se o seu filho me sinalizou que a irmã é uma ótima administradora... Que toca com maestria os seus próprios negócios.

 

 - Ah então foi o “Pietro” que lhe sugeriu essas mudanças de termo?! – Ele questionou agressivo.

 

Travei o queixo antevendo o grande embate que teria tão logo eu colocasse os pés no Brasil.

 

- Ele apenas informou que não havia necessidade de trazer um administrador de fora – Contemporizou meu sogro me olhando transmitindo calma no olhar – Porque não se engane eu contrataria um! Mas, além da sugestão do ragazzo, eu fiz minhas pesquisas pessoais sobre os negócios da sua filha...

Negócios não são tratados apenas por sugestões Gio, tudo tem que ser examinado. Você sabia que sua filha com sua sócia dobraram sua carteira de clientes no ano passado e triplicaram seus investimentos este ano no primeiro semestre?! Elas exportam para os EUA, Europa, China, Japão, para os demais países da América do Sul e a que agora, pela primeira vez, o Brasil venderá manga para a Coreia do Sul e a responsável pelas negociações foi Pietra?! Sabe o que é isso Gio?! Excelente tino e espetacular gestão de negócios. Os seus filhos têm excelentes ideias para melhorias da vinícola de vocês... Só não têm achado espaço para aplicá-las e juntos vocês colherem os lucros.

 

Agora foi a minha vez de abrir a boca com espanto: Ele investigou meus negócios pessoais!

 

Matteo deu um sorriso sagaz para mim dando-me uma piscadinha marota.

 

- Então Gio? – Matteo pressionou – Qual a sua decisão final?!

 

 - Vou pensar e respondo posteriormente – Sr. Giovanni irracional.

 

 - Negativo! – Sr. Matteo se ergueu da cadeira autoritário – Ou responde sim agora, ou vou entender que isso é um não e estarão encerradas as nossas negociações pra sempre quanto a este empréstimo. Torno a te lembrar que sou dono de um império por levar meus investimentos a sério e não costumo jogar tempo nem meus milhões fora. Decida-se agora! Aceita minha proposta ou não?

 

Eu nem percebi, mas nesta hora prendi minha respiração...

 

Longos segundos transcorreram até a voz de derrota do arrogante Giovanni Di Santis irromper na sala.

 

- Eu aceito! – meu pai com voz amarga.

 - Ótimo amico! – senhor Matteo voltando a sentar-se sorridente me olhando – Estaremos nos encontrando para assinatura deste contrato em breve aí no Brasil! Abraços para ti e tua moglie.

 

Não houve resposta do outro lado, apenas ouvimos o click do fone sendo colocado no gancho encerrando aquela tensa ligação. Só então voltei a respirar normalmente...

 

 Flashback off

 

- Esse contrato vai ser elaborado na Itália ou aqui no Brasil? – a voz forte de Andreia soou em meus ouvidos me trazendo para o presente.

 

- Senhor Matteo já está com tudo em mãos. – Informei - Ele mandou redigir o contrato em português para ser assinado por todas as partes quando chegarmos no Brasil.

 

- Tudo bem. Vou providenciar os papeis do casamento e mandar arrumar sua casa para vocês morarem. Ah, o quarto da criança foi decorado como você pediu. Ficou lindo! Tenho certeza que a italiana vai gostar. – disse Andréia.

 

- Obrigada, minha rocha! – agradeci com carinho – Ah, vou lhe enviar uma cópia para que leve para Pietro ler!

 

- Amiga, falando em seu irmão, liga para ele, pois está ansioso para conversar contigo – informou

 

- Como ele está?! - perguntei preocupada

 

- Está bem! Foi transferido para o quarto e já começou a fisioterapia. Daqui a dois dias sai do hospital. – respondeu

 

- Que alívio saber disso! – afirmei contente - Vou ligar para ele agora!

 

- Se cuida, amiga!

 

Desliguei o celular e fui ao banheiro, tirei a barba de “Pietro” e tomei um banho rápido, coloquei uma roupa confortável e voltei ao quarto para ligar para meu irmão.

 

Disquei o número do celular de minha prima Silvia.

 

- Pietra?

 

- Oi, Silvia, tudo bem contigo?

 

- Tudo sim! E você, como está? - perguntou carinhosa

 

- Estou bem, mas com saudades de todos vocês. – falei soltando um leve suspiro.

 

- Também estamos com saudades de você. Pietro está aqui aflito sem notícias sua! Vou passar para ele. Um beijo

 

- Outro! –  Ansiosa para ouvir a voz do meu gêmeo.

 

- Minha irmã? – indagou Pietro.

 

- Oi Pietro, que bom ouvir a sua voz irmão! - falei emocionada.

 

- Sinto sua falta! Quando você volta? – seu tom de voz era apreensivo

 

- Provavelmente ainda esta semana estarei de volta! – respondi.

 

- Ótimo. E Como estão as coisas aí?

 

- Estão bem. Irei para o Brasil com Bianca e sua família para

podermos nos casar. – Murmurei

 

- Pietra, isso não pode acontecer! Você esqueceu que quem vai casar com ela sou eu?! É o meu nome que vai constar na certidão de casamento! – disse irritado - E eu não posso e nem quero aceitar isso, pois vou ser pai e quero me casar com a Silvia.

 

- Calma, Pietro!

 

- Como você pode me pedir calma?! – respondeu nervoso - Olha a situação!

 

- Meu irmão, “Pietro” se casará com Bianca, mas o nome que vai constar na certidão de casamento será o meu e não o seu!

 

- Como? - perguntou atônito - Isso não é possível! Você está doida, minha irmã?!

 

- Você esqueceu que a mãe de Andréia é dona do cartório? Você acha que você e Silvia se amando e prestes a ter um filho, eu ia deixar senhor Geovanni prejudicar a felicidade de vocês? Nunca!

 

- Mas aí,  vai prejudicar a sua felicidade! - retrucou preocupado - Acha justo?

 

- Pietro, agora estou casando porque eu quero –confessei - Não porque o nosso pai quer!

 

- Minha irmã, tem certeza do que está fazendo? – falou um tanto curiosos - E quando Bianca descobrir que você não sou eu? Já imaginou como vai ser?

 

- Estou pensando em uma coisa de cada vez! Quando ela descobrir, aí sim, vou pensar o que fazer! Não vou me preocupar por antecipação. - Justifiquei calmamente.

 

- Tudo bem, você sabe o que está fazendo – Pietro se dando por vencido - Eu te amo!

 

- Também te amo! – falei tranquila – Se cuida, deixa as preocupações pra mim que estou cuidando de tudo.

 

Desliguei o celular e me sentei na ponta da cama repensando o que eu acabara de afirmar:

 

“Pietro, agora estou casando porque eu quero! Não porque o nosso pai quer!”

 

Espantada questionei baixinho para mim mesma:

 

- O que está acontecendo comigo?!

 

Fim do capítulo