CapÃtulo único
-- Minha bunda tá congelando.
Meus olhos capturaram os dela. Eu tinha acabado de dizer-lhe que a amava pela primeira vez, e foi aquela frase que recebi como resposta. Durante três longos, prazerosos e libertadores anos eu me muni de coragem para dizer. E ali, naquela sacada onde inúmeras vezes nos encontramos nuas, deitadas na cerâmica fria, recebendo a brisa gélida da manhã recém-nascida, eu a ouvia. As quatro palavras que deveriam ser apenas três, ribombavam em meu cérebro. E neste ínterim, me vi revivendo o que tínhamos até ali.
Um amor improvável nascera em um dia de trote. Eu, veterana de Filosofia. Ela, caloura de Farmácia. Quis o destino que nossos corpos, no meio da multidão ensandecida, se colassem sem nenhuma chance de fuga. Estávamos imprensadas no meio daquela gente. Naquele momento em que senti o perfume, o calor das mãos que, inadvertidamente, esmagavam meus seios, e vislumbrei o sorriso que boca e olhos administravam habilidosamente, eu me senti a trolada. Podia ver Sócrates ao meu lado gritando efusivamente que eu não sabia de nada. Foi tudo tão rápido que questionei minha sanidade milhares de vezes para chegar à conclusão de que não era nada disso. Eu estava enredada nas tramas do amor. Estava contagiada. Sem direito ao tempo de incubação necessário para que eu pudesse entender o que acontecia. Mas eu não estava na sala de aula, não atuava em uma pesquisa. Era apenas amor forte. Intenso como raio e caía sempre no mesmo lugar. Sempre. E lá estavámos eu e ela começando uma vida juntas.
Nem adiantou eu me abalar com a conversa dos amigos de turma que me diziam que eu estava louca, que era macumba, que eu era comandada por ela. E eu era comandada, sim, mas não por ela. Quem me guiava era o enorme desejo de acompanhá-la em tudo e, não fosse ela me mandando viver minhas coisas como gente normal, teria os abandonado literalmente. Mas a minha pequena não deixava. Não é que ela não gostasse deles, ela dizia. Era apenas que eles não se encaixavam no mundo dela. Ela não era obrigada, mas vez ou outra aparecia para me levar pra casa quando eu insistia em beber quando estava motorizada. E ficava por ali ouvindo, rindo, algumas vezes, tentando colocar sua opinião, mas sempre de maneira comedida e trivial. Afinal era uma roda filosófica que sempre acabava com uma discussão mais acalorada.
E eu acabei por largar um pouco de mão esses encontros, aparecendo com pouquíssima frequência. Ouvindo muitas reclamações, me lembrei de Paulinha, que se casou e engravidou logo depois. Não havia largado o grupo. Aparecia quando podia, mas não aguentou nossas indiretas e intolerâncias. Sim, minha também. E sumiu de vez. Percebi então que afastar-me não era ser comandada, era crescer e abrir-me para um mundo novo, com novas perspectivas, novas prioridades. E criamos assim uma cumplicidade férrea, sem espaço para meias palavras, dubiedades ou mal entendidos. Tudo era na conversa, mesmo que dolorosas algumas vezes. Porque eu era das palavras, mas ela... Ela era do sentir. Ela me dizia com olhos e mãos tudo o que eu precisava saber sem que uma única palavra fosse emitida. Ela, ao se fechar, me abria caminhos que eram liberados durante nosso acasalamento de almas. Ela, mesmo não permitindo, entregava-me seus segredos, criaturas frágeis que aprendi a amar e respeitar. Um relicário que eu jamais violaria.
Nas épocas de TPM eu precisava que ela se transformasse em uma peça da mobília, mas não qualquer peça. Aquela que eu amava, como minha estante de livros me salvando nos momentos de introspecção. E ela fazia esse papel primorosamente. Na vez da TPM dela, era eu quem me transformava em um peixinho dentro do aquário onde ela, a água viva, reinava poderosa. E quando eu, sem alternativa, encostava-me em seus tentáculos recebendo a carga ígnea, era ela mesma quem me cuidava, silenciosamente. Um lanche especial quando estava estudando. Um chá antes de dormir. A camisa que eu mais gostava limpa e passada para que eu pudesse sair sem me atrasar. E quando a “bendita” ia embora, comemorávamos na sacada, fazendo amor até o dia raiar. A partir desse pensamento entendi o que não era feito para se entender. Absorvi que a realidade do amor, na teoria, não se aplicava à prática, mas era ela própria. Por isso tudo o que vivemos e viveríamos depois dali era mais importante que três vocábulos jogados ao vento.
-- A minha também.
Respondi já colando meus lábios em sua boca e cobrindo seu traseiro com minhas mãos, gesto repetido por ela, como em uma comunhão de desejos que palavra alguma seria capaz de dissertar.
Fim do capítulo
Finalizo assim minha participação nesta terceira rodada de desafio. Agradecendo sempre a Cristiane, Dona Chefa, pela oportunidade de nos expressarmos aqui, de nos presentear com essa "casa" da qual ela cuida com tanto carinho. Agradeço também a todas que leram e as que corajosamente comentaram e deixaram suas impressões e encorajamento. E a uma amiga querida que me acompanhou nesta trajetória dando suas interessantes contribuições em conversas recheiadas de conhecimento. A todas um ótimo fim de semana e até a próxima! Boa sorte sempre.
Comentar este capítulo:
Zaha
Em: 18/05/2019
Oiee
Adorei seu último texto do desafio!! As atitudes são mais importantes que as palavras, pois elas comprovam, não adianta colocar em palavraa que são vazias porque em ações dizem outra coisa, mas "nós temos" a necessidade de escutar achando que isso nos deixará mais segura. Melhor nos preocuparmos em viver os momentos recheado de carinho!
Até a próxima!!
Cuide-se!
Beijos
Zaha
Em: 18/05/2019
Oiee
Adorei seu último texto do desafio!! As atitudes são mais importantes que as palavras, pois elas comprovam, não adianta colocar em palavraa que são vazias porque em ações dizem outra coisa, mas "nós temos" a necessidade de escutar achando que isso nos deixará mais segura. Melhor nos preocuparmos em viver os momentos recheado de carinho!
Até a próxima!!
Cuide-se!
Beijos
[Faça o login para poder comentar]
rhina
Em: 15/05/2019
Então. .....
Um.amor improvável. ....um.amor.onde as.palavras não dizem o que tem.que dizer. .....
Um amor improvável. .....amor de sentir.....amor.de.toques....amor.de.sorrisos. .....amor.de vida
Amor para viver!
Parabéns moça és uma artista das palavras. ....
Rhina
[Faça o login para poder comentar]
Morena Borges
Em: 13/05/2019
Nossa, adorei o texto. Sua escrita é uma pedra preciosa.
Muito boa a maneira com você falou sobre amor verdadeiro.
Parabéns
Beijos
[Faça o login para poder comentar]
Cristiane Schwinden
Em: 12/05/2019
hahahaha amei o final, amor de verdade é assim, cuidando da bunda uma da outra! hahahah
Eu que agradeço sua participação, amei seus textos!
[Faça o login para poder comentar]
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook:
[Faça o login para poder comentar]