Capítulo 1
As noites de quarta-feira eram sempre as mais coloridas para Maria. Aquela em especial começou nublada, mas nem por isso perdeu seu brilho. Ao chegar à cafeteria, Maria a viu. Sentada no mesmo lugar. Os olhos atentos e fixos ao laptop aberto à sua frente. Maria suspirou. Tinha esperanças de que um dia aqueles olhos enfim se voltassem para ela. Seria um sonho. Mais um. De sonhos, Maria entendia.
Tudo começou há algumas quartas-feiras. Parecia um dia qualquer para nossa Maria número um. Mais um dia em que ela acordou atrasada, tomou café, correu para o trabalho, levou bronca do chefe, engoliu o almoço, voltou ao trabalho, levou outra bronca do chefe e comemorou o fim do expediente.
Maria não era boa com horários e levava broncas porque era desastrada. Era mais uma garota tentando ganhar a vida na cidade grande. Ela tinha um coração enorme. E acreditava em coisas como a chuva e o amor. E o amor em um dia de chuva era a sua combinação favorita.
Naquele dia não choveu. Ao contrário, aquela quarta-feira havia sido quente e abafada. Maria estava chateada após o dia exaustivo de trabalho, mas quando a viu teve aquela sensação que temos uma vez ou outra na vida ao encontrar alguém pela primeira vez, mas sem ser a primeira.
Desde então, todas as quartas-feiras após o trabalho, Maria passava na cafeteria. Observava a garota chegar, tirar o laptop da mochila, pedir um café (bem amargo, ela descobriu) e quase sempre um pedaço de torta de amora para acompanhar. Um dia, Maria pediu a torta. Queria prová-la. Adorou. Era bem doce. Pediu também o café amargo. Odiou. Doce e amargo. Esse devia ser seu sabor, Maria concluiu.
A garota sempre estava sozinha, exceto uma vez quando alguém na cafeteria a reconheceu. E Maria ouviu seu nome ser pronunciado pela primeira vez. “Maria”. Será que ouviu direito. Era seu próprio nome. “Maria”, ela sussurrou. E a palavra, o nome, nunca mais pareceu o mesmo para ela.
Maria número dois, a garota da cafeteria, doce e amarga, tinha olhos de mel, lábios finos e cabelos da cor de ébano. Maria número um adorava o jeito que os fios do cabelo dela caiam em seu rosto enquanto ela fitava a tela do laptop.
Pela janela da cafeteria, a sonhadora Maria viu quando choveu. Nessa noite, ela levou um livro para acompanhar seu café que era doce porque, ao contrário da outra Maria, não gostava do amargo. Deixou-se levar pela leitura. Sentia o vento frio circular sempre que alguém abria a porta, vindo das ruas e trazendo chuva.
Ela gostava de noites assim. Gostava porque não precisava pensar no dia comum de trabalho. Monótono e cansativo. Não precisava lembrar dos rostos inexpressivos de seus colegas de departamento. Nem da voz irritante de seu chefe ou das contas a pagar. Só existia a chuva, um café e um bom livro. E ainda por cima, adorava quartas-feiras.
Algum tempo depois, a garota da cafeteria ergueu os olhos do laptop. Só então olhou a hora. Suspirou fundo. Era tarde. Não viu o tempo passar. Rapidamente recolheu suas coisas e pediu a conta. Olhou pela janela e viu a chuva. Até então só a sentia. Enquanto esteve a escrever sentia o cheiro do café quente e amargo se completar ao som ritmado dos pingos de chuva batendo sobre o vidro, o que lhe trazia sensação de paz.
Era hora de ir para casa. Voltar para o caos que era sua vida. Mas, antes de ir, ela olhou ao redor. A cafeteria estava quase vazia. A figura de uma moça de cabelos curtos e óculos de aro redondo, sentada próximo ao balcão, despertou a curiosidade dela. Tinha um livro na mão e parecia alheia ao mundo ao redor, exatamente como ela mesma estava há pouco. Instintivamente, caminhou para perto de onde a moça estava. Próximo a ela, ergueu a mão para toca-lhe o ombro.
Mas não a tocou.
Quando Maria ergueu seus olhos do livro, a garota da cafeteria já havia saído porta afora. Queria tê-la visto mais uma vez para levar aquela imagem consigo até a próxima quarta-feira. Que agora, parecia-lhe muito distante.
Decepcionada, ela guardou o livro na mochila e pegou o guarda-chuva. Mas antes pediu um café para viagem. Como sempre fazia. Um guarda-chuva na mão e o café na outra, foi assim que ela saiu porta a fora. Desastrada como Maria era se atrapalhou toda e trombou com alguém na calçada.
Por sorte, equilibrou o café, mas seus óculos voaram longe. O homem apressado nem lhe deu bola, mas lhe deixou um xingamento. Que Maria nunca seria capaz de pronunciar. Aturdida, procurou pelos óculos até uma mão ser estendida a frente de seus olhos.
-- Eu acho que isso é seu.
Maria congelou. E se perguntou se não estava sonhando.
-- Obrigada -- Sussurrou, tímida.
-- Deixa eu te ajudar.
A garota da cafeteria segurou o café de Maria enquanto esta colocava os óculos com as mãos trêmulas.
Então pôde vê-la. Tão de perto como jamais esteve. A outra Maria lhe sorria, um sorriso doce e sincero que ela retribuiu involuntariamente.
E a partir daquele momento, Maria número um descobriu que não existiam só as quartas-feiras. Enquanto Maria número dois aprendeu que o café nem sempre precisava ser amargo. E juntas descobriram que os dias de sol assim como a chuva também tinham a sua beleza.
Fim do capítulo
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rhina
Em: 04/05/2019
Oie
Bom.dia
Doce e amargo
Chuva e sol
Ambas completas em si mesmas.....inteiras.....
Somando. ....trazendo ambos para a vida de cada uma....Não o que faltava. ....mas o novo.....
Rhina
Resposta do autor:
Adorei seu comentário. Você soube captar a essência da história.
Obrigada!
Cristiane Schwinden
Em: 01/05/2019
Oinnn que gostosinho :) Envolvente e com final doce!
Resposta do autor:
Fico feliz que tenha gostado! ;)
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