Duas semanas depois do incidente na clínica, o lugar foi liberado, Carolina já estava quase recuperada, Carlos desembarcou e veio correndo para ver a irmã, outro susto e dessa vez ele estava longe.

            A obra continuou e tudo voltou ao normal aos poucos, Carolina voltou ao seu local de trabalho e sentiu um grande vazio ao pisar novamente nas instalações da clínica, a voz de Samantha não saia de sua cabeça, parecia um looping que não parava de repetir. Mas ela não se deu ao luxo de desistir, devia isso a Samantha que deu sua própria vida para que a dela continuasse.

            Depois de ter voltado ao trabalho, recebeu a ligação de um advogado que pediu para falar com ela. Pensou que seria alguma implicação sobre a obra ou sobre o atentado que sofreu, marcou um horário na clínica e o senhor de cabelos grisalhos foi até ela. Ela o recebeu no escritório da clínica.

 

 

 

-- Boa tarde Doutora Carolina. – Estendeu a mão –

 

 

-- Boa tarde. – Cumprimentou o senhor – Sente-se.

 

 

-- Obrigado por me receber. Eu tenho alguns assuntos muito importantes para tratar com a senhora.

 

 

-- Só Carolina, por favor. – Sorriu – Mas do que se trata? É alguma coisa sobre a obra da clínica? O senhor não quis adiantar nada.

 

 

-- Não, na verdade eu estou aqui representando Samantha Monte Alto.

 

 

            Aquele nome a atingiu em cheio, estava tentando não pensar em Samantha e por si só já estava muito difícil, e aquele senhor sentado em seu escritório não estava facilitando em nada. Engasgou com a emoção que veio tomando seu peito. Quase não conseguiu falar.

 

 

-- Eu imagino que seja muito difícil pra você falar sobre o que aconteceu. – Ajeitou os óculos no rosto --

 

 

-- O senhor não sabe como. – Lágrimas surgiam teimosas –

 

 

-- Eu trago comigo os últimos desejos da senhora Monte Alto. – Pegou a pasta –

 

 

            O senhor retirou vários documentos e os colocou sobre a mesa, ouvir que aqueles eram os últimos desejos de Samantha fez com que parecesse que ela já esperava que seus dias estavam no final.

 

 

-- O que o senhor quer dizer com últimos desejos?

 

 

-- Samantha me procurou a uns seis meses, pedindo que eu a ajudasse com algumas burocracias, digamos assim. Ela entrou com um pedido de divórcio contra Lucia e precisava se resguardar.

 

 

            Carolina ouvia atenta, tentando entender onde ela entraria naquela história toda.

 

 

-- Eu fui fazer um levantamento dos bens e das contas das duas e descobri que a Samantha tinha uma empresa constituída em seu nome que era proprietária do Hospital Matriz, o qual ela disse que a senhora trabalhava.

 

 

-- Sim, eu trabalhei lá. – Carolina se espantou com a revelação –

 

 

-- Então, conversando com ela, descobri que ela não sabia da existência dessa empresa, Lucia a usou como “laranja” para não aparecer no contrato do hospital. E sabendo disso, Samantha me pediu para garantir que essa empresa não fosse mais manipulada por Lucia, e sim, que fosse passada para a senhora. – Apontou para Carolina --

 

 

-- Eu? – Ajeitou-se na cadeira –

 

 

-- Sim, ela disse que precisava consertar muitas coisas erradas que havia feito com você, posso te chamar de você, não é? Você é tão jovem! – Sorriu –

 

 

            Carolina não conseguiu responder tamanho susto com aquela informação, e o senhor continuou em sua explanação.

 

 

-- Ela pensou que essa seria uma boa forma de compensar esses erros.

 

 

-- Samantha enlouqueceu? – Levantou uma sobrancelha --

 

 

-- Não, ela estava muito bem mentalmente, mas não estava bem de saúde, infelizmente, ela estava lutando contra um câncer e estava perdendo a batalha, ela sabia que uma hora tudo iria acabar.

 

 

-- Samantha estava doente? – Lágrimas escorreram em seu rosto --

 

 

-- Sim. Ela queria se separar antes de acontecer o pior, pois queria destinar seus pertences, então nós preparamos todo o processo para a transferência da empresa para o seu nome, mas ela queria que fosse um processo sigiloso, então demorou um pouco, pois eu precisei esperar que ela conseguisse o contrato, mas depois desses percalços ela finalmente assinou os papéis, mas não teve tempo de fazer a entrega dos documentos pessoalmente, como ela planejou.

 

 

-- O senhor está dizendo que ela me deu o controle do Hospital Matriz?

 

 

-- Isso mesmo. Não apenas o controle, ela te deu o Hospital Matriz! – Estendeu uma pasta com vários documentos – Está aqui. Preciso que você assine nas últimas páginas e rubrique as demais. Este é o novo contrato social do hospital em seu nome. Vou levar para homologar e dentro de uma semana, tudo estará pronto.

 

 

            Carolina sentia que iria explodir, era muita informação em uma única conversa, Samantha estava doente, e deixou o Hospital Matriz para ela. Nem em um milhão de anos ela imaginou que algo desse tipo poderia acontecer com ela.

 

 

-- E eu tenho mais notícias para lhe dar.

 

 

-- Senhor, eu já estou tendo dificuldades para assimilar as que o senhor já falou. – Lia os documentos --

 

 

-- Então, Samantha tinha algumas economias, um apartamento e dois carros estavam em nome dela e ela pediu que o dinheiro fosse doado para algumas clínicas de reabilitação. 

 

           

 

            Carolina sentiu orgulho da loira, abriu um sorriso saudoso, lembrou-se da luta contra as drogas da amiga, finalmente ela tinha se encontrado e estava trilhando o caminho do bem.

 

 

 

-- Os bens materiais ela deixou pra você, o apartamento e os carros.

 

 

-- Você está brincando? – Ficou boquiaberta --

 

 

-- Não, está tudo aqui. – Estendeu outra pasta – Este é o testamento dela.

 

 

Carolina estava sem palavras, ela só conseguia pensar em Samantha, tudo o que viveram, todas as mágoas, todas as discussões, pensava na vida solitária que a loira vivia, tudo por causa das escolhas que ela fez ao longo de sua vida. Lembrou quando Lucia disse em meio ao surto que Samantha tinha dado tudo a ela, entendeu a raiva da antiga colega, no mínimo, Lucia descobriu sobre as intenções da modelo.

 

 

 

-- Carolina, Samantha se esforçou muito para fazer a coisa certa, e isso para ela era o certo a se fazer. Ela não tinha mais esperanças, a doença estava avançada, os médicos não acreditavam que ela viveria para ver o próximo ano. Infelizmente o que aconteceu aqui na sua clínica a impediu de fazer todas as viagens que ela estava programando. Tudo o que ela queria era aproveitar a vida que lhe restava, como ela dizia.

 

 

 

-- Eu não consigo acreditar. – Estava surpresa –

 

 

-- Pois acredite. E por mais que seja triste, ela estava bem, ela estava conformada com seu destino, ela me dizia que já tinha vivido de tudo intensamente e aceitou sua sentença, mas seu único arrependimento foi ter perdido todas as chances que você deu a ela.

 

 

            Carolina deixava as lágrimas caírem sem freio, saber que Samantha estava passando por tudo aquilo sozinha, lhe partiu o coração.

 

 

-- Ela dizia que se pudesse voltar no tempo, ela não deixaria você partir. Confesso que fiquei bem curioso para lhe conhecer, depois de ouvir tantas coisas boas sobre você. – Sorriu –

 

 

-- Nós tivemos muitos altos e baixos. – Tinha a voz embargada – Não entendo por que ela não me procurou para conversar?

 

 

-- Imagino. – Entregou mais alguns documentos – Ela disse que tudo que ela estava passando era consequência da vida que ela escolheu, e não queria arrastar ninguém com ela. – Estendeu um envelope --

 

 

-- O que é isso?

 

 

-- Uma carta que ela deixou para te entregar.

 

 

 

-- Obrigada, eu vou ler mais tarde.

 

 

 

            Carolina segurou aquele envelope e lembrou de todas as vezes que ela havia pedido perdão, já houve uma carta, e dessa vez, Samantha sabia que estava vivendo seus últimos momentos, tudo parecia mais tenso e mais difícil de encarar.

            Carolina assinou os documentos, olhou a assinatura de Samantha no contrato e acariciou a letra desenhada da loira, lembrou das vezes que tentou ensinar matemática na biblioteca da escola, quando começaram a criar os laços de intimidade. Entregou os documentos ao advogado e encostou na cadeira.

 

 

 

 

-- Sinto muito por nos conhecermos nessas circunstâncias, mas esse é o meu trabalho. – Arrumou sua pasta – Eu vou deixa-la trabalhar. Assim que a transferência da empresa estiver concluída eu volto aqui para te entregar os documentos.

 

 

-- Obrigada.

 

 

            Carolina acompanhou o advogado até a saída da clínica e chamou Izabel e Raquel para conversar. As amigas foram para o escritório e Carolina ainda estava muito emotiva, não sabia como contar o que estava acontecendo, foram muitas informações em um único momento.

 

 

-- Carol, o que aconteceu? – Izabel estava preocupada – Você está chorando.

 

 

-- Gente, vocês não sabem o que aconteceu. – Limpou o rosto com um lenço de papel --

 

 

-- Se você não contar não vamos saber nunca. – Raquel reclamou – Já estou me coçando inteira.

 

 

            Carolina contou sobre a visita do advogado e da situação de Samantha, contou sobre o Hospital Matriz e as duas ficaram sem palavras, simplesmente não tinham reação.

 

 

-- Gente, vocês ouviram o que eu falei?

 

 

-- Carol, eu ouvi, mas não estou acreditando, Samantha te deu o Hospital inteiro?

 

 

-- Sim.

 

 

            Raquel ainda estava sem falar, não conseguia organizar as ideias, só pensava que finalmente a amiga teve sua justiça feita, finalmente Carolina foi recompensada por todo mal que sofreu nas mãos de Samantha e Lucia. Ainda sem falar nada, deixou lágrimas caírem espantando Izabel.

 

 

-- Raquel, o que houve? Você nunca chora! – Izabel se espantou --

 

 

-- É que, -- Pausou – eu tive tanta raiva da Samantha por causa das coisas que ela fez com você, e agora, ela se redimiu completamente, de todas as maneiras. – Chorou – Eu agora estou sentindo orgulho dela, e isso é muito louco.

 

 

-- Eu também me sinto assim. – Carolina sorriu – Finalmente ela tinha se encontrado e tudo acabou do nada.

 

 

-- E agora?

 

 

-- Agora, nós temos um hospital pra cuidar. – Carolina sorriu –

Fim do capítulo