Mais uma vez terminando minha noite em frente ao notebook, na minha cafeteria favorita, ignorando a chuva lá fora, como se eu não precisasse atravessar a cidade para chegar em casa. Meu prazo para concluir meu último capítulo do livro está terminando e não consigo chegar num final que eu encare como digno de toda a história. Será que se eu matar minha personagem principal os leitores queimarão meu livro? Acho que tenho problemas com términos, sempre é difícil encerrar uma história.

     Olhando um pouco mais a fundo, acho que todo o meu bloqueio criativo é por estar escrevendo sobre algo que nunca cheguei perto o ‘’inesperado bom’’ e o que vem depois disso. As vezes só queria, mesmo que por uma noite, vivenciar isso e tudo que esse acontecimento desperta. Escrevo mais algumas linhas tentando chegar a algum lugar, fazendo pequenos acordos comigo, ‘’5 páginas e você pode começar a comer sua torta’’, eu realmente preciso encontrar uma forma de encerrar essa história.

     Me distraio com a entrada de um casal, uma das meninas tropeça nos próprios pés e só não cai porque a outra a pega. Isso me faz perceber a ligação que existe entre algumas pessoas, como se fossem dois planetas a parte numa mesma dança gravitacional. Existe uma galáxia só delas, essa ligação é visível para qualquer pessoa com um pouco de sensibilidade no olhar, não levo mais de 1 minuto para perceber que é um casal apaixonado. Elas encontraram o ‘’inesperado bom’’ e parecem felizes com isso. Fico observando-as na caminhada até uma mesa e a cumplicidade enquanto olham o cardápio, termino meu café e permaneço olhando-as, tentando disfarçar. Coloco a xícara de lado e volto os olhos para o notebook, tentando voltar a escrita, um pouco mais motivada depois de presenciar o casal. Me perco na escrita, voltando a olhar entre um momento e outro para o casal feliz. Estou de cabeça baixa quando um atendente chega com outra xícara. Sim, o casal feliz fez um pedido para mim, acompanhado de um bilhete.

‘’Uma mudança para o seu paladar. Espero que aprecie e te ajude a concluir o que quer que esteja te fazendo franzir a testa’’

     Eu estava tomando café expresso antes, agora tomo algo com um leve sabor caramelizado, foi mesmo uma mudança para o paladar. Depois do primeiro gole abro um sorriso e ergo a xícara para a mesa do casal, num gesto de agradecimento, e permaneço presa no olhar delas. As duas seguem para a minha mesa, num caminhar despretensioso.

- Podemos?

- Claro! Obrigada pelo café. Qual o nome de vocês?

- E me chamo Ana, essa é a Maju. Espero que não se importe com nossa intromissão.

- É, te vimos tão concentrada, mas ao mesmo tempo nos olhando com carinho, resolvemos conhecer você.

     E por 2hrs conversamos, contei do meu livro, minha dificuldade em encerrar a história e do curto prazo que me restava. As meninas me contaram como se conheceram, do namoro de 2 anos e da cumplicidade existente entre elas, que começaram a morar juntas recentemente e todo dia têm momentos de amor e algumas birras. Foi uma conversa muito gostosa. As meninas são um amor, transmitem um amor que dá gosto de ver e sentir. Já perto do café fechar, falei que estava na minha hora e ofereci carona, elas moravam perto, mas estava chovendo. Corremos um pouquinho para chegarmos ao carro e logo estávamos a caminho do apartamento delas.

     A chuva aumentou muito a medida que nos aproximávamos do apartamento, recebi o convite para subir e esperar a chuva amenizar um pouco, talvez dormir por lá. Realmente foi o que aconteceu, mas acabei dormindo muito pouco.

     Se no começo do dia alguém me falasse como e onde eu terminaria meu dia, olharia a pessoa com bastante estranheza. Nunca na vida eu poderia me imaginar numa situação assim. Algo completamente oposto a mim. Meu plano era escrever ao máximo na cafeteria e seguir direto para casa, tomar um banho quente e cair na cama. Bem, eu tomei um banho quente e caí na cama, só não foi na minha casa, muito menos na minha cama.

     Se você fantasiou durante todo esse tempo que eu terminaria a noite na cama com duas desconhecidas num ménage, sinto informar que você errou. Se você imaginou, e eu duvido muito, que eu terminei a noite com duas desconhecidas conversando e tomando alguns drinks na sala delas, bem, você acertou em cheio!

     A Ana e a Maju, em poucas horas de conversa na cafeteria e madrugada adentro no apartamento, me mostraram coisas que antes eu não conseguia enxergar. A mais importante lição que tiro desse encontro é: o ‘’inesperado bom’’ vem de várias formas ao longo do nosso dia, da nossa vida, nem sempre em forma de romance. Numa conversa de 2hrs na cafeteria o inesperado me alcançou numa conversa tranquila com duas desconhecidas que exalavam amor, permaneceu presente e vivo na nossa conversa da madrugada sobre diversos temas aleatórios.

     Acho que a graça da vida reside nisso, em estar aberto para receber e perceber o inesperado de forma que nos acrescente. A Ana e a Maju não são mais apenas um casal apaixonado que vi numa cafeteria e segui meu caminho. Elas aconteceram na minha vida numa noite fria, um encontro inusitado, que dei abertura para todo potencial que poderia ter. Ganhei um casal de amigas com uma filosofia de vida incrível.

     O inesperado bom vem de várias formas e nos alcança de maneira distinta. Um sorriso de um estranho que melhora nosso dia, uma resposta que chega de forma aleatória a uma prece feita, um ‘’abraço grátis’’ na entrada de um parque, uma gentileza, uma criança que corre da mãe e agarra nossas pernas sorrindo da travessura, um café caramelizado oferecido por duas moças simpáticas. O inesperado bom é tudo que faz nosso coração transbordar de felicidade. É um sentimento que deve ser constante na nossa vida. Busca e abertura.

     Acho que já sei como terminar meu livro.

Fim do capítulo