QUE SAUDADES PEQUENA
Não sei exatamente há quanto tempo estava perdida naquela cafeteria, só sei que era tarde da noite e eu continuava estagnada nas investigações. Olhei para fora e percebi que o temporal tão anunciado pela meteorologia, enfim tinha chegado. Entre uma xícara de café e um pedaço de bolo qualquer eu lia e relia o relatório elaborado pela equipe da Divisão de Homicídios de Vila Velha, mas nada me chamava mais atenção que o perfil da suposta assassina. Segundo relatos ela era morena, olhos verdes enigmáticos, cabelos ondulados na altura da cintura e tatuagens espalhadas pelo corpo. Ampliei a imagem feita pelo retratista e estranhamente percebi algo familiar, mas o que? O que aquele retrato falado tentava me contar? Fechei o notebook e tentei, sem sucesso me concentrar no café, aquele olhar me parecia tão familiar, mas o quebra cabeça não fechava e isso me angustiava.
Seria a assassina de Vila Velha a mesma que estamos procurando? Reabri o notebook e tracei os comparativos, o modus operandi era o mesmo, as vítimas eram todas mulheres, com idades entre 20 e 40 anos, morenas, cabelos pretos na altura dos ombros e com aproximadamente 1.65 de altura. Olhei meu reflexo no computador e um frio correu por minha espinha, eu tinha exatamente o biotipo das vítimas. Afugentei aquela sensação e voltei a me perder nas milhares de páginas de investigação. Voltando ao modus operandi, todos os corpos, tanto os do Espírito Santo quanto os daqui do Rio de Janeiro, foram achados de lingerie branca, com uma rosa, tão vermelha quanto o batom contido na boca das mulheres, presa nos cabelos, milimetricamente amarrados.
Novamente me peguei observando o retrato falado, ele continuava me intrigando, busquei na memória alguma mulher que tivesse aquelas características e automaticamente fui arremetida aos meus 17 anos. Lembrei da Drikka e do seu olhar penetrante, ela tinha um sorriso matreiro e uma mão boba que me deixava sem ar, kkkk... Sorri com a lembrança. Ela foi minha primeira namorada, era 5 anos mais velha e tinha uma experiência de dar inveja. Voltei a olhar o computador e doeu o peito reconhecer o olhar da Drikka naquele olhar assassino. Não poderia ser! Não tinha lógica, ela era linda, cativante, divertida e o principal, não tinha nenhum traço de psicopatia. Lembrei o tempo que ficamos juntas e o jeito estúpido como nos separamos. Na época eu era boba, ingênua e medrosa, deixei meus pais me mandarem para o Rio e com medo preferi expulsá-la da minha vida. Ela me ligou inúmeras vezes, declarou de todas as formas seu amor por mim, inclusive propôs casamento, mas eu só tinha 17 anos, uma mãe pudica e um pai violento. O que eu poderia oferecer a ela? Com o tempo a ferida cicatrizou e eu quebrei as amarras dos meus pais, mas a falta de coragem continuou. Fiquei sabendo por amigos que ela tinha mudado, que sofreu muito, mas que colocou um ponto final em tudo que arremetesse a mim.
O celular tocou, me tirando do devaneio, era da delegacia, mais um corpo tinha sido encontrado. Fechei o computador e joguei uma nota de R$50,00 reais na mesa, com certeza pagaria o café e os bolos. Corri pelo estacionamento, enfrentando a forte chuva que teimava em cair. Ao chegar no local indicado meu coração errou o compasso, de todas as mulheres assassinadas, essa em especial parecia absurdamente comigo. Assim como as outras estava de lingerie branca, cabelos presos, adornados com uma rosa vermelha e o batom, que diferentemente das outras estava borrado, como se alguém a tivesse beijado antes da morte. Calcei minhas luvas e fui milimetricamente verificando cada palmo daquele corpo, buscando qualquer indício que pudesse me ajudar, quando achei uma aliança, forçadamente colocada na mão esquerda.
_ Sampaio verifica se nos corpos de Vila Velha alguma estava de aliança. Ele abriu o computador e em poucos minutos a resposta negativa veio. Levantei e comecei a procurar ao redor, não era possível que mais uma vez não encontraríamos nada.
_ Olha isso Camilla! Ouvi a voz do Gomes se aproximar. Ele me entregou a aliança e nela vi o gravame do nome: Milla.
Mais uma vez meu coração errou o compasso, era coincidência, só podia ser, o que mais existe na terra são pessoas com o mesmo apelido que o meu. Voltei a olhar a garota e vi alguma coisa marcada em sangue na altura da nuca, viramos o corpo de lado e vimos a inscrição “Carpe Diem 1999”.
Em pânico corri, sem explicação nenhuma entrei no carro e fui rumo ao nada. Minha cabeça girava e as lembranças da juventude assolavam minha mente. Aquela palavra, aquela data, tudo me fazia voltar para os braços da Drikka. Parecia ouvir ela sussurrando em meu ouvido, “carpe diem minha pequena”.
_ NÃO PODE SER!!! Gritei exasperada esmurrando o volante. Por que ela faria isso? Ela não seria capaz? O que ela quer, me enlouquecer?????? Olhei para o lado e percebi que estava novamente na cafeteria, entrei, pedi uma mais uma xícara de café e um pedaço de bolo.
Olhei para a chuva que insistia em cair e me permiti chorar. Chorei pelas vítimas, pelo medo de ser ela minha algoz. Chorei as noites mal vividas pelo medo da descoberta, chorei a supressão do amor juvenil ante a covardia de enfrentar, chorei a saudade do cheiro, do gosto, do abraço acolhedor, do sorrido fácil e das brincadeiras impertinentes. Um cheiro há muito esquecido me fez alarmar, então seria assim, sem lógica e sem justificativas? Coloquei a mão no coldre já esperando o pior, quando escutei o mesmo sussurrar: _ “Que saudades de você minha pequena, Carpe Diem.”
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Cristiane Schwinden
Em: 01/05/2019
Uia! Que trama hein? Adorei!
Resposta do autor:
Vindo de você fico imensamente feliz!
Escrever um romance policial foi sair completamente da minha zona de conforto, apesar de amar esse estilo, nunca me senti capaz de produzir algo assim.
Estou amando esse desafio e enloquecendo na mesma proporção, pensando nas inúmeras possibilidades dessa história continuar, kkkk..
Muito obrigada pela leitura. Beijão
rhina
Em: 30/04/2019
Oie
Boa noite!
Será por isso que dizem " o amor mata".....kkkkk
Claro que não é o sentimento. ....pois o amor dá vida
No entanto. .....Humano Ser......estes ....estes. .....aí já é outra história.
Rhina
Resposta do autor:
Oi linda, bom dia!
O amor é sublime, nos eleva e nos engrandece, o problema é que não sabemos amar. Esse sentimento possessivo, capaz de machucar, de humilhar e até mesmo de matar é tudo, menos amor.
Como você disse, humanos... Matamos, ferimos, maltratamos, tudo em nome do amor, mas a pergunta é: amor a quem?
Obrigada pela companhia linda.
Nos vemos no próximo desafio Rhina. Beijão
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Brescia
Em: 30/04/2019
Oi mocinha.
Tirei a noite para ler e vou te confidenciar que não esperava esse seu lado policial, mas vou te dizer que ficou muito bom, poderia até continuar, sei que a priore é um desafio, quem sabe?
Baci piccola.
Resposta do autor:
Oi linda, que bom te ver por aqui.
Confesso que eu também não esperava essa façanha, kkkk... Amo histórias policiais, mas nunca me imaginei capaz de escrevê-las.
É claro que elas exigem muito mais de mim, mas estou amando esse universo.
Mais uma vez obrigada pela companhia e pelo carinho em comentar.
Espero que continue gostando dos demais desafios.
Nos vemos em breve. Beijão
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NATÁLIA
Em: 23/04/2019
Já, quero mais. Parabéns querida.
Resposta do autor:
Obrigada Natália, fico feliz que tenha gostado.
Estou vendo a possibilidade de fazer do desafio uma história continuada. Prometo tentar!!!
Obrigada pela companhia e pelo comentário, é muito importante pra mim.
Beijão
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Jennyfer Hunter
Em: 22/04/2019
Nem puxou a arma do coldre e já deu um tiro arrebatador assim, moça ?
Que enredo! Que apanhado de elementos, ligações de sentimentos, de sensações.
Sensacional! Parabéns 1000 vezes.
Merece continuacao!!!
Bjs
Resposta do autor:
Muito obrigada linda, fico muito feliz que tenha gostado.
Tento exprimir o máximo de sentimentos possíveis nos meus enredos, afinal são eles que nos movem.
Obrigada por ler e por dedicar um tempinho em comentar, é muito importante pra mim.
Beijão
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jake
Em: 22/04/2019
carambaaa que ótima história tão envolvente
vc consegue nos teletranportar pra cena
PARABÉNS
obrigada autora.
Resposta do autor:
Obrigada Jake, fico muito feliz que tenha gostado.
É a primeira vez que me aventuro no suspense e é muito bom saber que alcancei meu objetivo.
Obrigada pelo carinho em ler e comentar, é muito importante pra mim.
Espero vê-la em mais histórias.
Beijão
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