Vale do são Francisco/Bahia - Brasil

 

Andréia

 

Entrei no carro e fui em direção a vinícola Di Santis... Precisava conversar com a mãe de Pietra.

No caminho pensei na minha amiga, em toda a situação que ela está enfrentando e iria enfrentar.

Ao chegar à sede da vinícola parei o carro ao lado da casa, dirigindo-me  a parte de trás, entrei pela

cozinha.

 

- Bom dia, Joana! Dona Patrícia está? – perguntei a cozinheira.

- Bom dia, Andréia! Que bom em vê-la garota! Andou sumida. Não está mais gostando da minha comida? – questionou ela com um largo sorriso.

 

- É ruim, hein Joanita! No dia que eu enjoar da sua comida tô doente! – dei-lhe um beijo na testa.

- Silvia! – Joana chamou a ajudante de cozinha- Vai lá ao quarto da D. Patrícia e diga que Andréia está aqui querendo falar com ela.

 

Joana trabalhava com os Di Santis há muito tempo; Eu e Pietra ainda éramos crianças quando ela chegou.

Por isso, temos muito carinho por ela.

 

Enquanto aguardava, fiquei conversando amenidades com a Joana.

Após alguns minutos, Silvia retornou.

 

- Dona Patrícia está lhe aguardando no escritório – falou pra mim.

 

Soltei um beijo pra Joana, agradeci a Silvia e fui ao encontro da mãe de Pietra. Chegando a porta do escritório bato e aguardo permissão para entrar.

 

- Entra – ouvi a voz de dona Patrícia.

- Bom dia! – entrei cumprimentando-a com um sorriso.

- Bom dia, Andréia! Quanto tempo! – respondeu com um meio sorriso carinhoso.

- Como vai a senhora? – olho-a preocupada.

- Vem!- me chamou - Senta aqui ao meu lado.

 

Fui sentar ao seu lado no sofá.

 

- Respondendo a sua pergunta – disse com os olhos lagrimejando - Estou melhor, pois procurei ser forte por causa do meu filho que precisava de mim.

 

- Sei que a senhora é forte! – apertei levemente suas mãos entre as minhas confortando-a.

- Obrigada! – limpou os olhos e perguntou - Mas o que te traz aqui, querida?

- Bom, é um assunto delicado...  – Encarei-a apreensiva; tentando mensurar se estava tomando a decisão certa ao lhe contar tudo.

- Diga - Ela balançou a cabeça incentivando-me a prosseguir- Sou toda ouvidos!

- A senhora sabe da situação da vinícola, não é?

 

Ela assentiu.

 

- Pois bem! Não sei se o senhor Giovani explicou tudo, mas fez uma proposta ao amigo dele, o Sr. Matteo... Ele investiria na vinícola para que não fosse parar nas mãos dos bancos e Pietro se casaria com a Bianca, sua filha, para que tudo ficasse em família. A Proposta foi aceita. Pietro iria casar contra a sua vontade, quando ocorreu o acidente. O senhor Geovanni então teve a brilhante ideia de substituir Pietro por Pietra. Ela teria que se passar por Pietro... mas é claro que minha amiga não aceitou! Então ele usou a senhora para convencê-la!

 

- Espera! – interrompeu-me dona Patrícia num ímpeto – como assim, me usou?!

 

Hesitei engolindo em seco.

- Andréia?! Estou esperando... – me olhou séria.

- Pietra vai me matar! – suspirei transpirando.

- Deixa ela comigo! – disse a mãe da minha amiga.

- Bom, o senhor Geovani disse que a senhora estava em depressão e que quando ela estava na França - Falei baixinho - Tentou se matar!

- Como?! Ele tá louco? Como pode falar isso pra a minha filha? – levantou do sofá indignada.

- Dona Patrícia... – tentei acalmá-la.

 

Ela levantou a mão interrompendo minha fala.

 

- Andréia, eu realmente estou com depressão - me olhou atentamente e meio constrangida - Não estava em um bom momento naquela época, mas nunca pensei em tirar minha vida! Sabe por quê?

 

- Não! – respondi curiosa – Por quê?!

- Porque amo muito os meus filhos e não cheguei a esse grau da depressão. – declarou aborrecida - Ele mentiu para Pietra, pois sabe que ela não se dobraria as suas vontades; Mas faria isso por mim.

 

A olhei surpresa!!

 

- Mais que filho da puta! – bradei irritada.

- Olha a boca, menina – chamou a minha atenção - Ligue para Pietra, vamos acabar com isso agora! – ordenou decidida.

- Acho melhor deixar o casamento acontecer - disse com cuidado.

- Como? – ela boquiaberta - Você acha isso certo? Deixar a minha filha casar pra atender os interesses do pai, enganando outra pessoa? De jeito nenhum!

 

- Agora não tem como voltar atrás! – declarei séria - E sua filha não vai prejudicar a italiana! Segundo Pietra, a Bianca está grávida e precisando sair da Itália.

 

- Vocês são duas loucas! Logo não vê que isso não vai dá certo? – afirmou ela.

 

- E a senhora vai ganhar um neto ou uma neta, pois Pietra vai assumir a criança como filha! – expliquei com calma - Dê uma chance a Pietra, por favor!

 

Dona Patrícia me olhou séria e suspirou conformada.

 

- Tudo bem, não sei onde estou com a cabeça em concordar com isso! Vou entrar nessa por meus filhos! – disse com um semblante feliz - Ah vou ter mais um neto, não é? Pois Pietro vai ser pai!

 

 

Pietra

 

Acordei cedo, praticamente com o sol nascendo, pois teria que me transformar em Pietro, antes de participar da vindima (colheita das uvas). Tomei banho, escovei os dentes, coloquei a barba, passei um gel de leve nos cabelos, vesti uma calça Jeans clara, camisa preta manga longa de algodão, um coturno adventure de couro marrom com detalhes verde água, ideal para caminhada, que costumo usar no meu dia a dia na fazenda. Conferi a minha imagem no espelho: Tudo em ordem.

 

Desci para tomar o café da manhã. Encontrei com Antonia ao descer as escadas

 

- Buongiorno, Pietro! -  Me cumprimentou.

- Buongiono, Senhora Antonia! - Retribui o cumprimento sorridente.

- Nada de senhora, por favor!! - disse sorrindo – o senhor Matteo está a sua espera no terraço. Vou lhe acompanhar até lá.

 

-Grazi! – respondi seguindo Antonia.

 

Fui conduzida ao terraço com uma vista espetacular para as colinas repletas de parreiras. Simplesmente de arrepiar! Admirei encantada aquela paisagem.

 

- Buongiorno, Pietro! Dormiu bem? – entusiasmado o dono do Castelo levantou-se apertando a minha mão e apontando a cadeira a sua frente - Sente-se! Vou lhe apresentar à melhor prima colezione de toda a Itália!

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- Então vamos a esse café da manhã! - Sorri e sentei-me no local indicado. -  e respondendo a pergunta do senhor...dormi muito bem!

 

- ótimo! - Disse o mais velho

 

Olhei atentamente para a mesa farta. Tinha uma seleção de queijos locais e também “cugnà”, uma espécie de mostarda de uva para você misturar com os queijos ou comer com um dos deliciosos bolos fresquinhos, corneto ( no Brasil croissant)...a massa é doce.

 

Antonia me serviu um capuccino, que é o café com leite... Primeiro o café depois o leite. Não leva chocolate!

Comi de tudo um pouco!

 

- Bianca não vai tomar café agora? Perguntei olhando o senhor Matteo.

 

- Com a gravidez, ela acorda um pouco mais tarde – comentou tranquilamente – E o passeio ontem, tutto bene?

 

Assenti balançando a cabeça enquanto ressabiado pensava com meus botões: Depois da mancada que de ontem, espero que tutto vá bene, mesmo!!

 

Ao termino do café da manhã, nos dirigimos para fora do castelo em direção às parreiras de uvas Nebbiolo!

 

- Nossa!! – exclamei observando área que meus olhos alcançavam onde apresentava vales e suaves colinas cobertas por parreiras – São estupendas e bem cuidadas as suas parreiras!

 

- Sì – concordou Matteo orgulhoso – Bianca me ajudou a ter excelência em nossas uvas! Ela é muito boa na organização do tal “enoturismo.” Você vai encontrar diversos turistas que estarão participando da colheita com nossos funcionários. Ela trabalhou muito nos últimos anos, sempre aprimorando a acolhida aos visitantes...

 

- O Senhor deu permissão pra ela fazer isso? - Olhei espantada pra ele.

 

-Claro que sim! – Matteo sorridente – Dei carta branca! Bianca me mostrou como seria rentável pra nós esse negócio... É muito inteligente e empreendedora a minha figlia! Vai ser uma parceira incrível nos negócios de vocês, se a convidarem a ajudar.

 

- Quem dera meu pai apostasse em seus filhos como o senhor aposta na sua Bianca! – falei triste -Eu sempre quis implementar o enoturismo na vinícola Di Santis, mas o Senhor Giovanni nunca permitiu!

 

- Giovanni é um tolo – bradou o meu “sogro” – Ele formou vocês para cuidar dos negócios e agora amarra suas mãos impedindo-os de aplicar o que aprendeu? Muita tolice dele... Mas vocês terão sua oportunidade agora, aproveitem!!

 

Suspirei me enchendo de esperança!

 

O enoturismo teve um desenvolvimento acelerado no Brasil nos últimos 20 anos. Com o crescimento e profissionalização das vinícolas, espaços adequados foram criados para receber os visitantes. Como a maior parte das vezes as vinícolas têm perfil familiar, geralmente o turista é recebido pelos próprios donos da empresa, ou então pelos enólogos responsáveis pela elaboração dos vinhos. Pietro, depois de uma conversa nossa, deu início a esse tipo de turismo na vinícola do Rio Grande do Sul. Nosso tio aceitou prontamente agregar esse empreendimento. Eles começaram por dar oportunidade aos visitantes participarem da colheita da uva e da celebração final com um jantar regado a bons vinhos e espumantes produzidos na vinícola!

 

- Aqui o que vocês oferecem a estes visitantes – questionei entusiasmada.

 

 - Bem... – Senhor Matteo iria responder, mas uma voz doce a nossas costas assumiu as explicações.

 

- Nossa programação inclui café da manhã, almoço típico italiano, colheita das uvas no vinhedo, jantares, cursos, passeios na região e a oportunidade de degustar os mais diferentes vinhos e espumantes produzidos por nossa vinícola e sempre na melhor companhia de nossos guias, agrônomos e enólogos que se fazem sempre presente esclarecendo dúvidas e passando conhecimento de todo os procedimentos desde a plantação da uva à sua transformação em vinhos e espumantes. – Bianca parou ao meu lado vestida numa calça jeans velha, uma camiseta vermelha, tênis azul marinho e com um sorriso misterioso nos lábios – E esse ano tem uma surpresa para nossos visitantes...

 

Sorri vendo a alegria dela. Relaxei sentindo que acharia brecha para me redimir da ofensa que lhe impeli mesmo sem querer.

 

- Qual a surpresa? – interroguei erguendo a sobrancelha esquerda – Eu faço parte destes visitantes e estou ansioso para participar, principalmente desfrutando da sua boa companhia!

 

Ela abriu um grande sorriso que ampliou as covinhas acentuadas que tinha de cada lado do rosto.

Me vi sorrindo sem parar esperando sua resposta.

 

- Eu preparei um gran finale para “eles” no final da vindima! – sorriu de meu bico com o seu “eles” insinuando minha exclusão do evento - Os visitantes terão contato direto com o processo de elaboração dos vinhos nas tradições antigas da pisa das uvas — técnica utilizada pelos antigos italianos onde os casais entrarão. Usaremos os cachos das uvas que porventura amassem durante a colheita, assim aproveitaremos tudo! Esses cachos vão para o lagar, construção em pedras usada para a pisa da uva, onde serão pisados e se transformam em vinho artesanal da melhor qualidade. Eles receberão uma mini garrafa deste vinho como lembrança em seus endereços cadastrados.

 

- É maravilhoso isso Bianca! – expressei minha admiração com o seu tino para os negócios – Você é uma excelente empresária!!

- Não te disse – Matteo orgulhoso e brincalhão, abraçando sua filha – Minha Bianca acrescentará na vida do sortudo que a levar!! – concluiu piscando para mim

 

- Papà! – Bianca enrubescendo – Por favor!

- Ele está certo! – falei olhando-a com pura admiração – Casar com uma mulher bela e inteligente é o sonho de todo homem moderno... Queremos mais que um corpo, queremos parceria na vida.

 

- Pensa assim mesmo? – Bianca olhando-me.

 

Cheguei junto a ela tomando-lhe a mão na minha.

- Certamente! – levei seus dedos aos meus lábios depositando ali um suave beijo – Eu serei uma pessoa de sorte se for escolhido para ser seu parceiro de vida. Eu sei agora que poderei contar com sua ajuda em nossos negócios...

 

- Nossos?! – ele ergueu irônica uma sobrancelha – O dinheiro injetará vida aos negócios da sua família...

 

- Vamos nos casar, então tirando algumas cláusulas preestabelecidas – falei com seriedade que não entendi – O que construirmos juntos, será nosso! E eu gosto de empreender... Você, pelo visto também! Então é de se esperar que, no Brasil, você queira ter um negócio e me daria um imenso prazer em ser sócio de minha mulher em algo inovador!!

 

Bianca apertou meus dedos entre os dela antes de largá-los.

 

- Papà – virou-se dando-me as costas – Vou tomar um suco e partiremos pra vindima. Temos que recepcionar nossos convidados.

 

- Estou, na realidade – sorriu em minha direção – Estamos prontos, só no seu aguardo.

 

- Vou te fazer companhia no café – falei antecipando-me abrindo a porta que a levaria para o terraço – Vai comer mais que um “suco”; está grávida e será um longo dia! Irá se alimentar bem. Nós voltamos daqui a pouco Senhor Matteo.

 

- Isso, filho – Matteo gargalhando enquanto se sentava num banco – Mostra quem manda!

 

- Papà!!! Pietro, eu estou sem fome... – Bianca reclamou fazendo biquinho enquanto passava por mim – Depois, se comer muito, acabo enjoando e aí já sabe...

 

- Sem desculpas! – retruquei conduzindo-a a mesa – Comerá frutas, enjoará menos.

 

- Mas... – Bianca sentando-se irritada.

 

- Sem discussões! -cortei-a enquanto sentada ao seu lado preparava-lhe o prato – Coma!

 

- Você é muito mandão, sabia? – vociferou levando um pedaço de pera a boca.

 

- Sabia!  – Falei roubando um pedaço da fruta de seu prato enquanto sorria satisfeita –Posso ser pior, acostume-se! Apressa-te porque estou ansioso pela vindima.

 

- Humpffffff!! – bufou a italiana enquanto comia tudo que botei no prato obediente, me fuzilando com olhar.

 

Pisquei-lhe marotamente relaxando na cadeira enquanto lhe observava comer! Vez por outra fazia uma pergunta ou comentário sobre seus negócios e ela respondia, entre uma mordida e outra, com inteligência. Eu sempre gostei de pessoas inteligentes e estava apreciando muito ter a companhia da italianinha.

 

Trinta minutos depois partíamos, os três numa caminhonete que Matteo dirigia, para a colheita!

 

Enquanto olhava disfarçadamente para mulher sentada ao meu lado orientando funcionários pelo celular eu pensava admirada: Bianca é uma mulher notável!

 

Fim do capítulo