Eu sempre ia para a escola de calça jeans. Não importava o que acontecesse, sol ou chuva, frio ou quente. Era sexta feira, um sol de rachar. Em pleno verão de Minas Gerais. Desci as escadas saindo da sala de aula, acompanhando a turma. Alguns conversavam entre si, eu somente descia. Sem palavras ou pensamentos. Não ao menos que eu me lembre. Estávamos indo para a aula de educação física. Na verdade era mais "os meninos jogam futebol e as meninas queimada", mas eu não jogava nada. No futebol, os meninos sempre me reprimiam por ser menina. Na queimada, eu era péssima. Então sempre levava uma bolada de meia na cara. Aquele dia estava bem quente. Assim que terminei de descer caminhei até o bebedouro para refrescar a garganta. Eu sempre odiei bebedouros. Aquela água fria batendo nos dentes. Por isso sempre fazia uma concha com a mão e bebia assim. Aproveitei para refrescar também o rosto. O pessoal seguiu para a quadra. Eu lentamente caminhei na mesma direção. Havia uma escada, depois um cercado. Que dava para a arena dos meninos. Abaixo um pouco era a quadra das meninas. Ninguém nunca havia separado. Aquilo era o que sempre foi. Eu sempre achei injusto, pois a quadra dos meninos tinha cobertura, o que deixava tudo com bem menos sol. Eu não me importava tanto, nem reclamava porque quase nunca participava. Sempre sentava perto da professora e ia perguntar alguma coisa. Ela até que entendia os motivos de eu não gostar de praticar esportes. Mas não entendia muito bem porque eu usava calça jeans.

      Como de costume me sentei ao seu lado, já estavam lá a Mirian e o Gustavo. Que de vez em quando também não jogavam. Dei oi, como quem não quer conversa. Coloquei meus fones. Enquanto selecionava uma música para ouvir. Vi que vinham em nossa direção a turma do 1º ano B. A turma dela. Fiquei esperando a reação do pessoal. Até que a professora se levantou e falou:

- Gente hoje serão duas turmas na educação física. Como temos mais meninas, os meninos hoje descem. - Foi uma reclamação geral. Ninguém gostava de dividir quadra com turma alguma. A não ser que faltasse alguém no time. O que era bem difícil, porque no dia de educação física a aula estava sempre lotada. A turma B, chegou e todos se espalharam pelas quadras. Eu fiquei procurando ela com os olhos. Não deve ter vindo. Foi o que pensei. Neste exato momento ela surgiu por detrás das arquibancadas, bem onde eu estava sentada. E se jogou ao meu lado.

- Desculpas. - Ela falou sorrindo - Eu estava com sede, resolvi cortar caminho. - Tanto espaço e ela vem sentar logo ali. Seria destino?

- Tudo bem. Sem problema. - Eu falei.

- Você não vai jogar? - Ela perguntou, enquanto colocava os cabelos atrás da orelha.

- Não, hoje não estou afim. E você?

- Eu nunca estou afim. - Ela sorriu e eu também. Eu não sabia o que dizer. Estava ainda com os fones.

- O que está ouvindo?

- Nada. Eu ia colocar algo agora.

- Posso ouvir também?

- Claro. - Eu respondi, com uma ardência no peito. Quando ela se aproximou de mim, pegando o fone que estava em meu ouvido esquerdo. Ao mesmo tempo que levei a mão para retirar. Fazendo com o que nossas mãos encostassem.

- O que você gosta de ouvir? - Sua voz. Pensei.

- Sou meio eclética.

- Era você que estava olhando da janela aquele dia não é? - Eu o que? Ela me viu? Senhor.

- Era, eu... eu...

- Não tem problema. - Eu não sabia o que dizer.

- Está bem.

- Você mora quanto tempo aqui?

- Uns dez anos, antes morávamos na zona norte.

- A sim. - Jogou o cabelo para trás, depois colocou uma mexa atrás da orelha. Sorria.

- E você? - Burra, ela acabou de se mudar.

- Eu me mudei no sábado a noite.

- A sim. - Claro, o que mais ela responderia.

- Mas antes morava em Curitiba. - Curitiba? E como ela conhece o Marcos.

- E como você conheceu o Marcos? - Porque você perguntou isto, é da sua conta?

- A o Marcos? Meu pai vinha trabalhar aqui e as vezes eu vinha. Então conheci ele numa sorveteria. E acabamos começando a namorar.

- A sim. Tem muito tempo?

- Umas duas semanas. Mas eu conheço ele uns dois anos.

- A tá. Desculpa este monte de pergunta.

- Tudo bem. - Ela falou sorrindo, ajeitando o cabelo. Porque eu gostava tanto daquele sorriso? Porque eu me sentia tão diferente perto dela? - Você namora?

- NÃO. - Respondi rapidamente e quase gritando.

- Nossa. - Ela falou sorrindo.

- Desculpe. Eu não namoro.

- Eu entendi. Qual música vamos ouvir? - Eu coloquei a primeira da lista. Não sabia o que escolher. E se ela não gostasse? Mas o que isto importava afinal?

- Minha playlist tá meio desatualizada. - Falei como quem se desculpasse.

- Eu gosto desta música. Qual é o nome mesmo? - Meu Deus ela gosta de Anavitória.

- Singular.

- É tão linda não é? - Sim, você é mesmo linda. Sua voz.

- É. - Respondi sem saber como agir. Ficamos em silêncio o restante do momento. Ela observava a quadra. E eu olhava para ela. As vezes ela me olhava e apontava para alguém. Sorríamos. O tempo da educação física acabou, assim como os horários de aula. Ela se levantou sacudindo o corpo. Batendo com as mãos na calça jeans. Olhou para mim, enquanto pegava o fone de seu ouvido e me entregou.

- Obrigada. Qual é mesmo seu nome?

- Jéssica.

- Bonito nome. - Ela tornou a ajeitar o cabelo para atrás da orelha. Era só um lado. O outro ficava de qualquer jeito. - O meu é Júlia.

- Eu já sei. - Idiota, precisava dizer isto.

- Que bom. Estou indo. Tu não vai? - Me levantei rapidamente. Apanhei a mochila. E comecei a caminhar do lado dela.

- Vou sim. - Saímos das arquibancadas. Seguimos corredor entre a cerca da quadra e a arquibancada. Descemos as escadas. Eu ia perguntar se ela ia direto para casa. Mas ela correu. Havia visto o Marcos. Era mesmo para ser assim. Mesmo que eu quisesse que fosse diferente. 

Fim do capítulo