CAP I
Fazia mais de uma hora que eu estava sentada naquele velho píer. Era assim todas as tardes, assim que encerrava o meu expediente na Tâmis Siderúrgica. Eu saia do trabalho, trazia comigo um maço de cigarros e me deixava ficar ali, olhando as ondas quebrarem e tentando encontrar algum rumo na minha vida.
Tenho feito isso nos últimos 8 anos. Sentia-me perdida, sem rumo, como se eu estivesse passando pela vida sem lugar no mundo, sem propósito algum. Eu me sentia como uma espécie de parasita. Não sei se todo esse meu drama interior era causado por meios internos, ou externos, mas provavelmente a vida que as duas últimas gerações viviam tinha a sua parcela de culpa.
Afinal, como ser feliz diante de tanta injustiça? Há mais ou menos uns 50 anos tudo o que se conhecia por política, economia, educação e religião havia mudado. Hoje vivíamos separados. O Brasil ainda era Brasil, mas agora separado em dez grandes áreas, as chamadas Províncias Novas, mas que chamávamos carinhosamente de PN1, PN2 e assim por diante. Minha família e eu morávamos na Província Nova 5. Éramos vistos como os sujeitos mais próximos do que eram os brasileiros antigamente. E diante de todas as mudanças, éramos tidos como os estranhos, aqueles que geralmente eram rejeitados e menos valorosos.
Cada Província tinha suas leis e normas internas, assim como tinha um governante diferente, que podia ser adepto de qualquer forma de poder, no caso da minha província, éramos democratas, mas havia as monarcas, as legislativas e outras novas que surgiram em meio ao fervor da busca pela igualdade.
A verdade é que fomos separados feito gado. Assim que nascíamos éramos identificados com um pequeno microchip que era injetado debaixo de nossa pele, na área de nosso pulso. Sem aquela pequena porcaria não éramos nada, nos tratavam como indigente. E olha que tinham aqueles que preferiam isso, ser um indigente, preferiam não pertencer a nenhuma província e consequentemente não ter nenhum tipo de ligação com o que viesse dela.
Eu, como moradora da PN5 não poderia sob hipótese alguma entrar em outra província sem uma autorização prévia que era expedida por alguém do governo de lá, mediante uma solicitação minha. No entanto, em meus 26 anos de vida só vi uma autorização ser expedida uma única vez. Um provinciano da ala 6 pediu para mudar definitivamente para a ala 10, a ala dos caras legislativos, que acreditavam na constituição, na ciência e na tecnologia acima de qualquer coisa.
Depois que esse sujeito desgarrou houve um pequeno alvoroço em meio a todas as Províncias. Muita gente queria mudar de ala, buscar melhoras, hábitos e leis que se adequassem mais a sua vida. Foi uma confusão! Muita gente achava que bastava o primeiro, e todos os outros que viriam a seguir alcançariam o seu propósito. Ledo engano.
O que aconteceu foi que o que já era difícil, acabou se tornando impossível. Todos os pedidos de mudança definitiva eram negados sem nenhum tipo de julgamento, era simplesmente negado e jogado no fundo de uma gaveta. A galera se revoltou e tentou reagir, mas depois de um tempo perceberam que havia algum tipo de conspiração entre as lideranças das 10 Províncias onde a lei era “Ninguém entra, e ninguém sai”.
Tentativas de fugas começaram a acontecer, era mais uma tentativa de se rebelarem, e isso foi respondido à altura. Pessoas começaram a desaparecer misteriosamente, e não havia um provinciano sequer que soubesse do paradeiro do desaparecido. As Províncias fecharam todas as fronteiras. Homens armados até os dentes guardavam a área.
E essa era a nossa vida! Éramos gados separados por cercas, impedidos de pastar na área ao lado. E quando um mais robusto tentava dar uma espiada no gramado do lado, era abatido.
Respirei fundo e fechei os olhos, os apertando fortemente. Apaguei o restante do meu cigarro no chão de madeira velha do píer e encarei aquela imensidão azul. Aquilo ali era uma doce ilusão do infinito, porque pra gente, o fim era logo ali.
--Alex? Ei!
Olhei para trás e avistei o Bruno caminhando na minha direção enquanto acenava pra mim. Bruno era o típico cara que enlouquecia as mulheres, mas eu, nunca senti nem mesmo um comichão por ele. Há muito tinha entendido que o meu lance era mulheres.
Conhecíamo-nos desde a época do colégio e hoje trabalhávamos na mesma empresa. Eu era supervisora da área de produção, e ele era o supervisor da área de montagem. Apesar de saber sobre a minha sexualidade, Bruno sempre que podia me lançava uma indireta. Costumava dizer que um dia eu iria casar com ele.
-- Não sei o que você tanto vê nesse píer velho. – disse sentando ao meu lado.
-- Eu gosto daqui. O cheiro e essa brisa acalmam o turbilhão que eu tenho dentro de mim.
-- Se você está dizendo. – ele balança os ombros e coça a cabeça em seguida – Escuta, amanhã logo depois do expediente vai rolar uma social lá no bar do Boris. Tá afim?
-- Não sei, acho que eu prefiro curtir o conforto da minha cama.
-- Ah Alex, qual é? Vai dizer que prefere mesmo ficar enfurnada dentro daquele apartamento velho, sozinha?
Baixei a cabeça e encarei meus conturnos velhos. Puxei o ar e junto me veio a tristeza e o pesar de não ter mais meus pais comigo. Eu sentia uma saudade tão grande deles. Daria tudo para tê-los de volta. Porém, tudo o que eu tinha era o apartamento velho que eles me deixaram. Provavelmente não valeria muita coisa.
-- Poxa Alex, não fica assim. – disse passando o braço por cima de meus ombros e me puxando pra ele – Vem comigo, vai ser legal. Prometo!
Pensei em negar e ficar em minha casa, mas, o que eu faria sozinha dentro daquele cubículo? Surtaria mais um pouco, com certeza! Não ia custar nada ir para o social com ele o restante do pessoal. Era melhor do que curtir minha solidão.
-- Tudo bem! Eu vou. Mas como saio mais cedo, vou passar em casa e trocar de roupa.
-- É isso aí! – disse contente.
Ficamos por ali por um tempo enquanto conversávamos e eu dividia com ele o meu maço de cigarros. Bruno me contava da sua mais nova conquista, a Mirela. Eu a conhecia, e por sinal, a conhecia muito bem. Preferi não contar para ele que eu já havia ficado com ela há um tempo.
Meu amigo estava animado com ela, e eu posso dizer com toda a certeza que ela era uma mulher bacana. Na verdade, ela seria perfeita se eu não tivesse sérios problemas em me envolver, em confiar e me entregar. Os dois formariam um belo casal. O que me preocupava era ela, não queria que ela saísse machucada dessa estória, afinal, Bruno era um mulherengo incorrigível.
-- Não vai brincar com a menina, cara.
-- Não estou brincando Alex, isso é sério. Quer dizer, no início eu achei que seria só mais um caso, sabe? Mas a mina me pegou! Quero estar com ela, quero cuidar e proteger. – disse com um olhar diferente.
-- Ihhhh. Bruno ta apaixonado!
-- Não tira onda com a minha cara poxa.
Gargalhei quando vi o tom rosado dominar suas bochechas por baixo da barba rala. O garanhão finalmente tinha sido colocado no cabresto, era isso mesmo? Precisei de um tempo para me recuperar, afinal, não era todo dia que você via um amigo que jurava de pé junto que nunca ia se amarrar a ninguém.
-- E então?
-- O quê? – me olhou confuso.
-- Tá apaixonado?
Ele coçou a barba e sorriu de lado.
-- Estou.
-- E como é isso? Como está se sentindo?
Passamos mais algum tempo sentados lado a lado naquele velho píer. Bruno enumerava animado, todas as qualidades que ele fora capaz de encontrar em Mirela, e eu, a cada nova palavra dita com aquele sorriso aberto, ficava mais contente por ele. Meu amigo era um cara de coração bom, isso quando não estava iludindo alguma garota, é claro. Mas o que eu sei, é que ele era um amigo para qualquer hora, era honrado, justo e muito fiel. Depois de perder os meus pais, ele se tornou a minha família, é meu irmão de coração.
******
Eu olhava em volta, para aquele amontoado de gente que bebia, conversava e sorria e me perguntava o que eu estava fazendo ali. Eu estava me sentindo estranha, fora de contexto. Pra ser sincera, eu vivia todos os meus dias em uma profunda crise existencial, sem fim, e sem tréguas.
Em alguns momentos como esse, a minha cabeça deveria me dar uma trégua, deveria me permitir relaxar, no entanto, não era bem isso que acontecia. Mesmo ali, com aquele tanto de gente em volta, e as batidas da música ecoando em meus tímpanos, eu não conseguia parar de me perguntar sobre o meu lugar no mundo. Eu sei, isso era a coisa mais chata do mundo. Pra que diabos alguém necessitava tanto saber isso?
Às vezes acho que a solidão está me enlouquecendo. Talvez passar tanto tempo em monólogos internos e não conseguir ter segurança nenhuma em qualquer sentimento estivesse fazendo sumir o pouco que eu sabia sobre mim.
Suspirei me sentindo cansada.
-- Eu acho que deveria ter ficado em casa Bruno. – falei ao pé do ouvido dele.
-- Por quê? – perguntou franzindo o cenho – Não está se divertindo?
-- Acho que não estou no clima.
-- Ah, para com isso Alex! Hoje! Apenas por hoje se esqueça de todos os seus problemas, de todas as suas dúvidas e todos os seus dilemas. Aproveita! – disse trocando a cerveja quente que eu tinha na mão, por uma gelada.
Tentei sorrir pra ele e olhei em volta. Dei de cara com uma garota. Encarei-a tentando encontrar em minha memória alguma lembrança do seu rosto. Tenho quase certeza de que ela não é daqui, eu me lembraria se já a tivesse visto.
A garota sustentou nossos olhares e eu senti uma leve pressão em meu sex* quando ela prendeu o lábio inferior entre os dentes e depois me sorriu.
-- Você gostou? – perguntou meu amigo me fazendo lembrar que ele ainda estava do meu lado.
-- O quê? – desconversei.
-- Vai lá cara! Só hoje. – ele disse colocando outra garrafa de cerveja na minha mão.
Não sei como, mas aquele sorriso que misturava o ingênuo e o descarado me hipnotizou. Nem mesmo pensei em contestar meu amigo, dizer que eu não iria até aquela garota porque tinha certeza de que não passaria de sex*, e eu não me sentia bem em fazer isso. O olhar, o sorriso e o jeito, me atraíram profundamente, e tudo o que eu queria nesse instante, era realmente ir até lá.
Agarrei a garrafa de cerveja que Bruno colocou diante de mim e caminhei por entre as pessoas que abarrotavam aquele bar na direção dela. Ela estava com o quadril encostado no balcão e ainda me encarava.
Meu sex* pulsava mais a cada passo.
-- Pensei que não viria. – ela disse.
-- Não resisti. – fui sincera – Aceita? – perguntei erguendo a cerveja.
A garota não me respondeu, apenas levou a garrafa à boca e tomou um gole, deixando seus lábios molhados e altamente convidativos. Como alguém consegue ficar tão sexy com um ato tão simples? Fechei os olhos e em seguida abaixei a cabeça. Suspirei e voltei a olhá-la.
-- Você não é daqui, não é mesmo? Não me lembro do seu rosto.
Ela sorriu de lado e respondeu.
-- Não, eu sou do distrito do interior, vim visitar meu pai.
-- Sabia! Não esqueceria o seu rosto assim.
-- É mesmo?
-- Com certeza!
A garota pergunta e se aproxima ameaçadoramente de mim. Ela sorri e coloca sua mão em minha nuca, acariciando com a ponta dos dedos, e quase me fazendo ronronar com o carinho. A diferença de altura não pareceu ser problema, porque quando me dei conta ela já estava com seus lábios colados nos meus.
Levei minha mão até a sua cintura, apertando no exato momento em que senti sua língua invadir a minha boca. Com a mão livre, apertei-a mais junto a mim e tive a impressão de ouvir um gemido escapar.
O beijo era apressado, nossos lábios se comprimiam com força e sua língua bailava junto com a minha. A boca dela tinha um gosto refrescante, provavelmente causado por uma bala de hortelã, que misturava ao aroma e ao gosto característico da cerveja.
Senti sua mão descer possessivamente por minhas costas, invadindo discretamente a barra da calça que eu usava e alcançando a pele de meu bumbum. Suspirei contra os lábios dela. Essa mulher é louca, e eu, mais ainda.
-- Precisamos sair daqui...ou vamos acabar dando um show com direito a platéia. – disse ainda contra os seus lábios.
-- Aham. – ela disse voltando a beijar minha boca com gula.
Colei meu corpo no dela, pressionando-a contra o balcão atrás de nós. Depositei sobre o móvel de madeira as garrafas que tínhamos nas mãos e em seguida voltei a apertar sua cintura, descendo um pouco mais para apertar firme suas coxas.
Nossas respirações estavam irregulares, e eu, estava cada vez mais cheia de tesão por aquela mulher que eu nem mesmo sabia o nome. Meu líquido vertia em abundância e a cada novo gemido que ela deixava escapar eu imaginava como seria quando eu estivesse com a boca em seu sex*, ch*pando e lambendo até que ela gritasse o meu nome – que por sinal, ela ainda não sabia.
Com certo esforço, me desvencilhei de seus toques e consegui me afastar de sua boca faminta. Olhei em seus olhos e vi o quanto ela queria o mesmo que eu. Procurei Bruno, e com um sinal avisei que estava de saída, e como resposta ele ergueu a sua garrafa e me deu um sorriso sacana.
-- Vem! – disse puxando a garota pela mão na direção da saída do bar.
******
Sai do banho e encontrei Sheila deitada de bruços em minha cama, ela ainda dormia. O corpo moreno parcialmente coberto pelo lençol brilhava debaixo dos pequenos feixes de sol que invadiam a precária cortina que eu tinha no quarto. A noite passada foi realmente uma delícia, praticamente nem dormimos. Ela era insaciável, e eu, estava sedenta por arrancar cada gemido e grito de prazer que ela pudesse me dar.
Mas agora, tudo me parecia sombrio, vazio e frio demais. Apesar da noite quente que tivemos, em nenhum momento passou do prazer da carne, da necessidade de saciar o corpo. Foi apenas prazer, e agora, o vazio que normalmente eu sentia dentro de mim, parecia ainda maior.
Sentei na ponta da cama e olhei mais uma vez para trás. Sheila era linda, mas assim como eu, também não queria nenhum tipo de envolvimento. “Quero apenas sentir todo o prazer que eu sei que você pode me proporcionar”, foi o que ela disse. Não houve carinho, foi apenas sex*. E isso por um lado era bom, porque eu não queria me envolver, e pra falar a verdade, eu nem sei como isso acontece, não sei como é se envolver com alguém, nunca me permiti, e quando tentei, deu errado, não passando de algumas semanas.
Suspirei levando uma mão ao rosto. Eu me odeio nesses momentos!
Alcancei a camiseta que jazia ao pé da cama e vesti, sem sutiã mesmo. Mais uma vez apertei os olhos com força e massageei meu próprio ombro. Senti a cama mover suavemente e depois senti os braços da morena me envolverem.
-- Tá tão cheirosa. – ela diz cheirando meu pescoço e insinuando suas mãos pelo meu corpo.
Segurei suas mãos e beijei delicadamente o dorso delas.
-- Toma café comigo?
-- Ah...é, claro!
Enquanto ela tomava um banho, eu fui para a cozinha e preparei um singelo café para nós duas. Quando ela adentrou a cozinha, tinha os cabelos molhados e estava extremamente silenciosa. Sentamo-nos a mesa em silêncio, e tenho que admitir que isso, estava me incomodando.
-- Alex?
-- Hum?
-- Eu estava pensando e...
O som estridente de seu celular cortou o ambiente. Ela levantou e pegou o aparelho dentro da bolsa que estava jogado sobre o sofá e ao olhar para ele ficou lívida.
-- Tudo bem? – perguntei ligeiramente preocupada.
-- Não! Quer dizer, sim...eu tenho que ir.
Rapidamente ela colocou a bolsa sobre o ombro, parou diante de um espelho que havia sobre o aparador, arrumou os cabelos e passou a mão sobre os lábios.
-- Quer que eu te leve?
-- Não! Não precisa.
Ela se aproximou de mim, passou a mão em meu rosto e em seguida beijou minha boca. Foi um beijo suave e sem pressa. Tive vontade de corresponder, e foi isso o que eu fiz, fazendo-a sentar em meu colo para saborear melhor dos lábios dela.
-- Obrigada pela noite.
E foi assim, após um selinho, que eu me vi sozinha de novo dentro daquele pequeno espaço que eu chamava de lar. Levantei, arrumei a mesa, lavei a louça suja, e depois me joguei sobre o sofá, repousando meu braço sobre os olhos.
Puxei o ar com força e o soltei ruidosamente. Encarei o teto desbotado e sem vida e me comparei a ele.
-- Ah mãe, como eu sinto a sua falta. Como eu sinto falta das nossas conversas sem sentido ou daquelas em que a senhora puxava a minha orelha. Pai, eu sinto falta de quando saíamos pra pescar e o senhor me contava os seus causos. Eu sinto tanto a falta de vocês dois. Me sinto sozinha, sem rumo. Vocês eram tudo pra mim. – suspirei – Me dêem uma luz, me ajudem a encontrar um sentido na vida...
Continua...
Fim do capítulo
E então meninas, o que acharam? Quais foram as primeiras impressões? Espero que tenham gostado, pelo menos um pouquinho, porque eu tô adorando escrever ela. Por favorzinho, comentem e deixem essa autora feliz...
Também irei postar essa história no Wattpad, pra quem sabe, rolar umas imagens e tal.
https://www.wattpad.com/user/brunadx_1790
Beijos amores, até o próximo!
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Brucourt
Em: 17/03/2019
Já adoooorei esse primeiro capítulo S2, que deixou o gostinho de quero mais. Parabéns autora pela maravilhosa escrita, ansiosa pelos próximos capítulos, volta logo :-D... Abraços.
Resposta do autor:
Oi amore! Seja bem vinda!
Oh, fico super feliz com o seu comentário. Espero que sempre fique esse gostinho de quero mais, e que eu te encontre por aqui em todos os outros capítulos. Obrigada pelo elogio. Já já vem mais, eu não demoro.
Abraços, e até o próximo!
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