É sexta a noite e estamos em uma festa qualquer, os filmes nos ensinaram que o amor começa aqui ao som das músicas inebriantes e altas onde tudo é colorido e feliz. Mas eu não vejo as cores, no meu mundo ainda é tudo preto, branco ou cinza.

                Sara, Alex, Adam e eu sozinhos em meio a estranhos buscando algo que já nem sei mais se existe.

                Elas são um casal, almas gêmeas destinadas carregando a mesma marca e agora já conhecem o mundo em suas reais cores. Eu e ele dois perdidos. Duas metades que a muito já aceitaram a realidade: Nem todas as almas gêmeas são destinadas ao encontro, nem todos conseguem ver as cores brilhantes de um arco-íris.  Mas ainda assim estamos aqui, outra vez arrastados pra uma busca maçante onde nada de novo nunca acontece. E cinza, preto e branco ainda vão estar lá quando eu abrir meus olhos.

                Sara descreve as cores do ambiente em gritos e risos mas nem me dou ao trabalho de prestar atenção e duvido muito que Adam o faça.  Aos 23 ele já desistiu, seja quem for o garoto ou garota que deveria ter seu arco com uma flecha em forma de raio provavelmente está muito longe, ou talvez morto. Deixo meus olhos caírem para um ponto especifico em meu pulso onde a estrela que meus pais sempre descreveram sendo negra com detalhes em dourado descansa. Meu próprio lembrete sobre a crueldade do universo.

                As horas passam vazias enquanto as meninas se perdem na pista de dança, ou vão pra algum outro canto qualquer fazer as loucuras que geralmente fazem quando não tem ninguém por perto pra vigiar. Adam e eu dançamos algumas vezes em meio à multidão mas não acontece nada demais. Ele suspira sentado no bar ao meu lado e resmunga novamente sobre o quão triste é a vida daqueles que vivem num mundo incolor.

                Não sei quem viu quem primeiro, talvez tenha sido você e seus hipnotizantes olhos verdes que esbarraram sem querer em minha figura pálida e desajustada sentada com um copo de uma bebida qualquer em mãos e minha típica cara fechada. Mas eu vi você, e a cor dos seus olhos intensos devorando-me como se pudesse enxergar até mesmo minha alma. Eu vi cada cor gritante do ambiente e tudo parecia brilhar e roubar meu foco. Eu vi você. Você me viu. Os castanhos chocolate presos no verde intenso. E aquele seu maldito sorrisinho de lado.

                Você caminha em minha direção, eu sei vagamente reconhecer as cores pelas descrições que muitas vezes foram me ditas por amigos e parentes mas ainda assim é uma explosão tão grande que mal consigo lembrar-me de todos os nomes, acho que está usando uma blusa vermelha, ou isso seria um tom chamado vinho? Mas mal tenho tempo de registar ou me dar conta da minha regata lilás não fazer o menor sentido com esse short azul quando me puxas para dançar. Não diz o teu nome, não diz de onde é. Nem me dá tempo para despedir-me de Adam, apenas me puxa para a pista novamente e eu deixo.

Nós estamos dançando agora e tudo gira. Tem cor por toda parte e isso é apenas tão insano. Me sinto zonza e murmuro isso em seu ouvido como uma confidencia. Mas você sorri e diz que vai ficar tudo bem.  Você sorri e eu me derreto inteira como em todos aqueles filmes clichês aos quais assisti minha infância e adolescência inteira. Como nos contos de fada que mamãe contou tantas vezes eu sinto que poderia flutuar ao seu lado, paz, segurança, calma. É tudo simplesmente inacreditável, porém é real. Tuas mãos quentes vez ou outra em minha pele, nossas respirações que as vezes se misturam quando a música se torna mais lenta pouco antes de se agitar de novo…É real, e a realidade nunca me pareceu tão assustadora como agora.

Você me puxa para um canto qualquer após algumas músicas, estamos cansadas e eu me recosto em tu deixando minha cabeça cair em teu ombro. Nosso encaixe é perfeito e pergunto-me se é assim que Sara e Alex se sentem, talvez por isso passem tanto tempo abraçadas ou mantendo alguma forma de contato. Tudo parece seguro agora enquanto tua pele toca a minha e tuas mãos acariciam minhas costas. És mais alta, e com longos cabelos lisos levemente ondulados num tom negro que combinam perfeitamente com a bagunça dos meus castanhos indecisos. Até nossos tons de pele parecem feitos pra se misturar.

‘’ tu tens minha estrela?’’

Tua voz é tão melodiosa, doce e ao mesmo tempo forte. Falas mais alto pra que eu possa lhe ouvir bem, por conta da música que ainda é alta e dos gritos e conversas que vem de toda parte. Eu mal consigo me lembrar como se fala, mal consigo parar de olhar-te pelo canto dos olhos. Pergunto-me milhares de vezes se isso é um sonho. Mas finalmente lhe mostro a imagem em meu pulso, e com cores ela consegue ser ainda mais linda. Agora tem uma letra dentro da estrela, e isso é novo. A letra em dourado deve ser a inicial do teu nome: N.  Você sorri e leva meu pulso aos lábios beijando-o afetuosamente no ponto exato da estrela. Isso faz meu coração disparar ainda mais se é que tal fato é possível, teus lábios são mornos e o contato deles em minha pele faz uma sensação totalmente nova e avassaladora percorrer meu corpo. Isso é paixão? Tesão? Desejo? Amor? Eu não tenho a menor ideia, mas gosto.

‘’ Onde está a tua?’’ pergunto ao buscar com os olhos a mesma imagem em teu pulso e descubro que ela não está ali. As marcas nem sempre estão no mesmo lugar em ambas as pessoas, e isso não é um problema.

‘’ Está num lugar bem escondido…quem sabe um dia te mostro, baixinha’’

Diz-me rindo enquanto me olha de forma misteriosa e extremamente sexy e eu sinto meu rosto esquentar e já sei que estou vermelha, mas voltas a me abraçar apertado e num instante estás me beijando. Beijos lentos e repletos de uma doçura selvagem que me enlouquecem aos poucos, as línguas lutando por controle, tuas mãos quente firmando-se em minha cintura por debaixo da regata, enquanto as minhas se perdem em teus cabelos. Oh, céus, sinto como se meu corpo estivesse entrando aos poucos em combustão e isso é simplesmente fantástico.

Mas você não é como os outros. E talvez por isso estejamos destinadas uma a outra.  Não vamos além de beijos e alguns poucos toques mais ousados.  E isso é novo, porque geralmente todos tentam ir além sem se importar com o que quero. Eu gosto disso, e digo a você que sorri e beija minha bochecha me chamando de sua doce pequena.

No final da noite eu te apresento aos meus amigos e conto a eles que consigo ver cores. Elas vão à loucura e Adam tenta fingir que está feliz por mim, mas sei quão tristes são seus pensamentos. Ele teme nunca encontrar seu par. Eu também temia isso.

Você não me diz o teu nome então lhe chamo apenas de ‘’ N’’ e acho que gostas disso, mas tão pouco eu te disse o meu, não é mesmo? Porem antes de irmos embora para direções opostas entrega-me um papel com ‘’ Natalia’’ escrito numa caligrafia impecável e um número, imagino que seja o teu.  E após beijo fervoroso você sorrir e diz que espera me ver novamente logo.

 Você é o tipo de garota que todos querem pegar, e eu sou só mais uma sem graça entre a multidão.  E ainda assim entre todos ali, seus olhos me encontraram. E nossas marcas, nossas almas, destinaram-se uma a outra. Me sinto em um verdadeiro conto de fadas e assim que chego em casa lhe envio uma mensagem:

‘’ Hey, olhos claros’’

‘’ V?’’

‘’ Sim, sou eu!’’

Não quero parecer animada demais por estarmos conversando, não quero lhe assustar com meu jeito peculiar de ser. Mas nada parece te incomodar.  Conversamos a noite inteira e quando finalmente adormeço o sol já está nascendo e é assim que eu começo a ver as cores do mundo, e que me apaixono aos poucos por você.

Não foi só a marca, não foram só as cores. Foi você. Você e teu jeito louco e peculiar de ser, você e teus risos exagerados e conversas abestalhadas, teus toques extremamente carinhosos e tua extrema atenção a tudo e a todos. Você e seu teu jeito dedicado incansável de ser, tua bondade disfarçada numa mascara dura por conta de todas as coisas ruins que o universo lançou em teu caminho…Não fiquei por que uma marca me disse que éramos almas gêmeas, fiquei porque ganhou meu coração todos os dias um pouco mais desde aquela festa.

Tu vinhas as vezes me ver, cantávamos, riamos, dançávamos, assistíamos a filmes ou apenas saiamos com os meus amigos, ou os teus. Era engraçado, era lindo, era certo.

E o tempo passava tão veloz e insensível a toda essa paixão alucinante que se formava em nós…Adam achou a alma gêmea no teu círculo de amigos: Um garoto de cabelos negros espetados e repleto de tatuagens chamado de Alec.  E os nossos amigos viraram um único grupo enorme indo a lugares inusitados aos quais eu relutava um pouco em ir, mas bastava um sorriso teu e um ‘’ vamos minha pequena, eu prometo que vai ficar tudo bem’’ e eu ia toda abestalhada....

Faz um ano agora desde que nós nos conhecemos e estamos num piquenique com diversos amigos. Vamos ver alguma coisa que a lua vai fazer a noite mas vocês acharam que era uma boa passar o dia todo aqui mesmo com os serenos da manhã. Eu já sei diferenciar diversas cores e seus tons e agora posso dizer que seus olhos são verdes cor de grama, as vezes parecem meio acinzentados quando seu humor está tempestuosos mas ainda assim são incrivelmente lindos.  Tudo está tão perfeito e todos estão rindo, conversando e brincando. Você me puxa para sentar em seu colo e conversamos sobre o futuro como as sonhadoras que somos... um arco-íris surge no céu e não posso dizer que ele é a coisa mais bela que já vi, pois conheço você, mas é talvez a segunda mais bela...no mesmo instante em que ele nos agracia com sua visão você me pergunta de forma hesitante se quero ser a sua namorada.

Eu lhe beijo intensamente por longos segundos e digo depois ‘’ ainda preciso responder?’’ você ri, dizendo que provavelmente isso é um sim e tira as alianças da tua mochila. Novamente me sinto em um conto de fadas, ou algum filme bobo e fico esperando tudo desmoronar. Mas parece tão certo....

O tempo é cruel, ele não se importa com aqueles que dependem de sua passagem e vive a toda velocidade incapaz de distinguir os rostos que o cruzam. Mas meus dias a seu lado são lindos, e quando estamos longe as conversas são quase ininterruptas e extremamente animadas. Os anos passam rapidamente, nós nos formamos na faculdade, em áreas opostas mas está tudo bem, não combinamos mesmo em diversas coisas e ainda assim parecemos o par mais perfeito de todos.  Decidimos morar juntas e dois anos depois disso os gêmeos vem, nossos primeiros filhos vindos de uma inseminação artificial mas isso pouco importa, não é mesmo?  São dois menininhos lindos e decidimos nomeá-los de Marcos e Miguel, eles tem seus olhos e minha inquietação.

Alguns anos mais tarde adotamos a pequena Isabelle e a família está completa. Ela se parece muito comigo e você adora observar isso. Izzy tem apenas dois anos de diferença dos meninos mas é uma irmã mais velha extremamente super protetora e eu acho isso apenas perfeito.

Nós brigamos as vezes, chegamos a terminas duas ou três antes do casamento e das crianças, mas sempre voltamos uma pra outra. Sempre pedimos desculpas, sempre buscamos meios de nos intendes. E as pessoas tentam nos separar com boatos, mentiras, maldades...mas não adianta.  

As crianças ainda não podem ver cores então nós tentamos ao máximo descrever cada uma delas para os três. Marcos tem um coração lilás em seu ombro, Miguel uma meia lua na palma da mão e Izzy tem uma constelação em suas costas. Eles são adoráveis e fazem mil e uma perguntas.  

Mas novamente o tempo passa tão rápido e logo vemos nossos bebes tornando-se adolescentes, procurando incansavelmente suas almas gêmeas e tendo alguns acidentes amorosos no processo. Um garoto parte o coração de nossa menininha, ele não é sua alma gêmea mas ela chora como se fosse o fim do mundo por muitos dias e Marcos e Miguel querem bater muito nele por faze-la ficar assim, mas Izzy não deixa –e nós também não. Eventualmente outras acontecimentos assim chegam tanto para eles, quanto novamente ela. E nós damos o nosso melhor todos os dias para cuidar dos três.

Isabelle encontra sua alma gêmea em um concurso de arte, e seu nome é Clarissa. Elas formam uma dupla simplesmente adorável e nossa menina fica extremamente feliz!

Miguel conhece Rosangela um mês depois em um show de rock, e Marcos descobre que sua alma gêmea é a irmã da mesma, Diane.

Nossas noras são mulheres incríveis e dóceis, elas mantem os três na linha e você sempre diz o quão sortuda foi por ter me conhecido. Conta a eles como eu costumava barrar-lhe de cometer loucuras, e que em algumas até mesmo lhe acompanhava...

Eles se casam com pouco mais de um ano de diferença uns dos outros. Todos já tem mais de 23 e ainda assim estamos chorando em cada casamento e dizendo que sempre vão ser os nossos pequenos bebezinhos.

Os primeiros netos não demoram a vir: Izzy decide engravidar e logo Bryan nasce! Ele é a coisa mais linda do mundo e somos avós corujas extremamente orgulhosas.

Mas já dizia um velho ditado...tudo o que é bom dura pouco...e quanto melhor é, mais rápido passa....

Hoje estou com 82 anos. Bem velha para essa geração nova, nem tanto para a nossa onde costumávamos ver idosos de 100 a 115 anos. Nós temos 6 netos. Bryan e Sofia são filhos de Izzy, Raphael e Solange são filhos de Marcos e os de Miguel são Mayara e Natalia, em sua homenagem.  Mas você não as viu nascer, não é meu amor?  E eu, já a muito tempo não vejo mas as cores.

Tu deixou-me numa sexta-feira com a mesma alegria a qual me encontrastes, deitada em nossa cama morreu em sono profundo e eu só descobri tal coisa na manhã seguinte quando tentei lhe acordar e nada adiantou: Meus beijos, meu pranto, meu gritos, minhas suplicas...nada fez teus lindos olhos abrirem-se novamente.

 Mas eu sabia que era em vão, soube no momento em que abri meus olhos e as paredes outrora mistas entre lilás e azul de nosso quarto estavam sem cor.

Como se tivesses previsto o acontecimento na noite anterior tinha dito-me tantas coisas belas…Mas ainda assim nem mesmo está lembrança apazigua a dor que me consome de viver num mundo incolor sem tua presença.

Fazem quase quatro anos desde aquela manhã cinzenta onde precisei dizer a todos que amávamos que novamente eu era metade, que minha linda Natalia não mais residia em nosso mundo...E cá estou, meu amor, sentada naquele mesmo local onde tantos anos antes avistei pela primeira vez um arco-íris contigo no mesmo dia em que pediu-me em namoro...Hoje é nosso aniversário de casamento e tristemente como se o universo caçoasse de minha tristeza um lindo arco-íris enfeita os céus, provavelmente igualzinho aquele primeiro que vi tantos anos antes em cores ao teu lado mas jamais saberei dizer pois hoje meu mundo é cinza, negro e branco novamente.

Hoje me sinto vazia e solitária enquanto choro tuas saudades.

   É impossível esquecer tudo o que vivemos.  Mas sou feliz, e revivo nossas histórias todos os dias as pequeninos que perguntam cheios de curiosidade quão lindo era o mundo nos tempos em que eu via cores, e como eras tu minha menina dos olhos claros...

Fim do capítulo